Israel deve falar com o Hamas. Não secretamente. Nem indiretamente. Tampouco através de uma política para reabilitar sua própria imagem, como o líder do Kadima, Shaul Mofaz tentou fazer, mas aberta e seriamente. Assim como os Estados Unidos conversam regularmente com a oposição aos israelenses, Israel deveria manter um diálogo com a oposição Palestina. O diálogo deveria cobrir todas as questões envolvidas, inclusive um acordo final.

Não é uma coisa simples, é claro. Há acordo no espectro político para reduzir o debate sobre a demonização do Hamas, lidando com os atributos externos da organização, percebidos por Israel: religioso, extremista e querendo todo o território entre o mar e o rio. Esse debate não foca o interesse israelense. Deveríamos estar nos perguntando as seguintes questões: ainda vale a pena conversar com o Hamas? Quais são nossas razões para não falarmos com eles? Boicotá-los envolve uma pré-concepção errônea?

Israel insiste rigorosamente que o Hamas não é um parceiro e que nosso parceiro é o Fatah, liderado pelo Presidente Mahmoud Abbas. Mas as negociações com o Fatah vêm ocorrendo há quase duas décadas, e a declaração do Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu de que aceita o princípio dos dois estados para dois povos parece outro truque para adiar o atual processo de negociação.

Em 2004 os governo israelense decidiu que Yasser Arafat não era relevante. Abbas, disseram líderes israelenses, era fraco. Ao mesmo tempo, Israel vem há anos fazendo tudo o que pode para enfraquecer a Autoridade Palestina. Dessa maneira será possível provar ainda mais uma vez que, embora “a gente tenha de conversar, não temos com quem negociar”. Mesmo se um acordo é assinado sob pressão dos EUA, a Autoridade Palestina não estará pronta para implementá-lo, porque a maior parte dos palestinos não aceita a sua autoridade. É por isso que a recusa de falar com o Hamas é sem sentido. Não é mais do que continuar evitando falar com os Palestinos.

O papel do Hamas em Gaza é resultado da decepção com a liderança do Fatah. A deterioração da situação em Gaza, depois do atual fracasso nas negociações e da total dependência de Israel para ter acesso a necessidades básicas intensifica o desespero e o extremismo. (E ninguém está falando do direito de ir e vir, de sair para o exterior para estudar). Até hoje há grupos do Hamas que parecem da AlQaeda. Nós podemos arrastar as coisas o quanto quisermos, mas temos de admitir que a noção de tempo do nosso lado carece de base. O povo que levou Abbas a se resignar e que se recusa a falar com o Hamas estará em 5 anos com um parceiro se reportando a Osama bin Laden

Nada é possível sem Gilad Shalit. As pessoas podem dizer que o destino de um país não pode depender do que acontece a um soldado sequestrado. Não há erro maior. O abandono de Shalit é sintomático do fracasso do sionismo, da elevação do orgulho sobre a sabedoria e da tática sobre a estratégia. É a denegação da santitdade da vida e do resgate de prisioneiros, valores que estão no coração e na mente de toda nação.

Precisamente aqui, na frágil zona de vulnerabilidade da opinião pública, seria possível fazer progressos no delicado assunto de contatar o Hamas. Mais de 7000 palestinos estão na prisão em Israel. Não há prisioneiro israelense na Palestina. O sofrimento de ambos os lados, e a tremenda alegria que a troca de um prisioneiro produziria, pode e deveria ser uma alavanca para um sólido processo de conciliação.

Por anos Israel e seus cidadãos vêm pagando o preço da escolha por soluções apropriadas à última guerra. Enterrar nossa cabeça na areia nesse nível é perigoso. Temos de declarar nossa disponibilidade de falar com a oposição palestina, imediatamente.

O escritor é membro fundador de uma iniciativa para buscar diálogo aberto e direto com o Hamas. Serviu em unidades de elite do IDF e é membro fundador do Grupo Coragem de Recusar

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Fonte: Haaretz, na Carta Maior

Tradução: Katarina Peixoto