“Mas o que deve fazer então um general cercado por forças superiores? (…) Numa situação extraordinária, é necessária uma resolução extraordinária; quanto mais perseverante for a resistência, maiores serão as chances de ser socorrido ou abrir uma brecha” (Napoleão cita Horácio). [1]

A furiosa e sistemática operação golpista contra o mandato constitucional da presidenta Dilma Rousseff terá um desfecho no próximo domingo. Mas de nenhum modo a guerra será concluída.

A conjugação de forças do consórcio reacionário (e entreguista) depois de mais de onze anos de tentativas, desta feita desdobrou-se numa aliança mortífera. O que evoluiu numa campanha de sucessivas batalhas contra um governo que veio sendo isolado, com sua corrente hegemônica dividida e lesionada publicamente.

Com efeito, a trama enredada pelo vice-presidente da República revelou por completo a inédita coligação ajuntada para a suja empreitada. Como já comentamos noutro artigo, a ausência das Forças Armadas na clara tentativa de destituição presidencial, até o presente momento, é registro histórico altamente relevante à configuração particular da democracia brasileira. O que pode, sim, a meu ver alumiar raios ao futuro.

Observe-se ainda que parte significativa do chamado setor produtivo operou e financia à luz do dia o impeachment; o que não constitui nenhuma novidade. Destoando – enigmaticamente – da conduta discreta da grande burguesia financeira.

Assim, à velhíssima arataca justificadora das denúncias da “corrupção”, multiplicada por um milhão, agruparam-se decisivamente setores do MPF e da PF, o oligopólio midiático, em orquestração com o presidente da Câmara dos deputados e o próprio vice. Esse, numa gravação delirante e vazada para dirigir-se à Nação, sentado no trono do golpe afirma que a farsa já estaria consumada cinco dias antes do início de votação do processo de admissibilidade; na gravação (ao além) Michel Temer repete que o povo brasileiro deve aguardar “sacrifícios”.

Nada, absolutamente nada há contra a Presidenta Dilma!

É preciso que se propague e se denuncie à exaustão: a Presidenta não cometeu nenhum crime de responsabilidade! Como bem disse o cientista político (pesquisador Sênior do Cebrap) Fernando Limongi, “Derrubar ou mudar governos desta forma não está dado em lugar nenhum do mundo. Não é assim nem sequer em regimes parlamentaristas. Governos não caem como resposta imediata à opinião pública”. O próprio ex-presidente FHC, vaidoso e frustrado defensor do impedimento afirmou que, “Aliás, ela não é acusada pessoalmente, é institucionalmente”; tendo escrito antes: “O impeachment depende de uma base jurídica mas também da condição política, da capacidade de governar”. Ora, que conversa é essa de “não é acusada pessoalmente”, ou de “condição política”? O que, aos rigores das atuais leis, impeachment tem a ver com “capacidade de governar”? 

Não à toa, no último 11 de abril estampou em manchete o “The New York Times”, afamado locutor do Tio Sam: “Dilma é um dos raros políticos não acusados de enriquecimento ilícito”, apesar de ser perseguida por adversários “incapazes” de acusá-la de corrupção.

Mesmo o ex-presidente do STF Ayres Brito assim se pronunciou, alertando antes para uma decisão quanto mais bem fundamentada for a decisão dos parlamentares, “menor a chance de fratura social”: caso não haja “juízo minimamente técnico e se o devido processo for vilipendiado, a palavra golpe passa a ter cabimento”. Para Brito sim, o STF pode perfeitamente ser instado a intervir se houver vilipêndio na decisão da Câmara e Senado.

Oligopólio midiático faz guerra suja

 

Enxergando a onda crescente de apoio e solidariedade à Presidenta Dilma por nomes marcantes da cultura brasileira – inclusive de jornalistas e artistas famosos da tevê Globo -, de juristas de grande saber e reputação ilibada, de imensa parcela da juventude, de várias centrais sindicais, a mídia passou a difundir o clima de derrota e o desânimo entre as massas. Factual, ademais, que paulatinamente – portanto, demoradamente – camadas populares e trabalhadores passaram a compreender o que está em jogo no país. Como se “assuntasse” a desgraça ultraliberal anunciada.

De fato, ilusionar um ambiente como sendo de fato consumado, além dos compromissos traiçoeiros antinacionais, obscurece uma questão fundamental: a ampliação e o fortalecimento do movimento organizado das forças populares e democráticas no curso dessas inúmeras batalhas da luta de classes no Brasil. Além da situação fragorosamente desmoralizada e fraturada das diversas posições das classes dominantes, seus partidos e seus porta-vozes.

Por exemplo: depois do uso de descomunal arsenal na marcha golpista, a se acreditar nas pesquisas do jornal da oligarquia dos Frias, quem disputou a palmos as últimas eleições presidenciais (PSDB) encontra-se em franco declínio, mostrando além profunda divisão entre os principais caciques em São Paulo e entre esses e os de Minas. E alguns deles ameaçam assaltar a “carniça” do que sobraria de uma eventual destituição de Dilma; outros dizem não saber o que fariam diante um “biônico” sem voto e repudiado pelas forças progressistas, um traidor no trono. Enquanto cai expressivamente o número de pesquisados a favor do impeachment, enquanto o ex-presidente Lula aparece em importante ascensão!

Honra e guerra!

Corajosas e belas as palavras do experiente jornalista Mario Sergio Conti, colunista do jornal da mesma oligarquia dos Frias, que no lírico artigo “Vai, coluna, e diz a ela”, a ressaltar a imponente dignidade exalada nesses e em outros tempos difíceis pela Presidenta Dilma. Diz ele a ela, explícito:

“Mesmo os seus inimigos mais truculentos, os tomados pela intolerância fanática, lhe concedem a honradez pessoal. Essa honestidade fundamental, presidente, não é adereço de fim de currículo. É o cerne da sua maneira de ser e ver a vida”.

De outra parte, à revelia dos ataques frontais contra a esquerda e de suas perdas temporárias, certamente estamos a forjar uma nova fase da consciência social e ideológica no Brasil nos marcos desta verdadeira guerra de classes. Consciência mais destemida e apetrechada para enfrentar qualquer adversidade, a todo o tipo de regressão das conquistas da última década que acaso advenha. E aptos agora para, se necessário, reorganizar as forças – como ressalta acertadamente o camarada Renato Rabelo, no que se confluiu para o ápice das batalhas “num terreno extremamente desfavorável”.

Mobilizações e combate parlamentar seguirão fortes até o domingo. Confiantes e em luta até o fim para derrotar o golpe!

NOTA

[1] Ver: “Napoleão Bonaparte. Sobre a guerra. A arte da batalha e da estratégia”, Obra completa organizada e comentada por Bruno Colson, Civilização Brasileira, 2015.