É a Cultura, Senhores

Em meio a esse lamaçal que se tornou a política brasileira e à tortura que é acordar a cada dia aguardando as “novas” de suas excelências, uma notícia em especial caiu como uma bomba nos meios culturais. A pretensa junção do Ministério da Cultura com a pasta da Educação no governo Temer. Essa visão equivocada sobre o valor de cada uma dessas atividades arrasta nosso país para o caos vigente. De fato, o Brasil só tem saída através da educação e da cultura. Cada centro de educação e cultura, espalhados pelas cidades, dispensaria centenas de PMs. Por que não copiar a vitoriosa política pública de Medellín, na Colômbia, que reverteu uma das realidades mais atrozes do planeta, a violência e degradação causadas pelo narcotráfico, tornando-se um lugar onde a arte, a cultura e a educação foram adotados como arma na defesa da cidadania?

Mas, se esses valores não são compreendidos pelos nossos governantes, eles poderiam ao menos copiar as boas práticas econômicas de países desenvolvidos, como a Inglaterra, que trata a cultura como política de Estado. Permito-me reproduzir aqui uma parte do excelente texto de Rodrigo Pinto, publicado no GLOBO em 2010.

“Cresce no Reino Unido a ideia de que o setor cultural será um dos principais motores da recuperação econômica. E por que isso? Simplesmente porque vem sendo assim nos últimos 12 anos. Chamado de Indústria Criativa desde o início do governo Tony Blair, em 1997, o setor cultural cresce e gera empregos a taxas mais altas do que os demais.” E, mais adiante, continua: “Cultura no Reino Unido é setor estratégico, jamais visto como supérfluo. O fato é que desde os anos 90 os ingleses intensificaram o destaque ao setor cultural para dar solidez à economia. E o governo faz questão de segurar as pontas mesmo quando investidores privados, envenenados pela maior crise do capitalismo desde os anos 30, cortam recursos para a arte e afins em 7%. Afinal, no Reino Unido, o emprego na cultura cresce 2% ao ano, contra 1% no resto da economia. A riqueza gerada avança 5%, contra 3% nos demais segmentos.”

E não é diferente no Brasil. A cultura é um setor produtivo que gera emprego, renda, conhecimento, sentimento de pertencimento e bem-estar. É uma atividade artesanal em seu processo criativo, mas industrial em sua produção. A indústria cultural ou do entretenimento, resguardadas suas funções sociais e culturais, emprega mais que o setor automobilístico. São 53% mais postos de trabalho, isso em pesquisa de 1998, feita pela Fundação João Pinheiro. Emprega mais que o dobro da indústria eletroeletrônica (Gazeta Mercantil, 1998) e, além disso, remunera melhor. Os países desenvolvidos colocam um caminhão de dinheiro na cultura, porque entendem essa lógica. Na Inglaterra, como noticiou Rodrigo Pinto em 2010, “para garantir que não haverá vacilo no uso da cultura na retomada econômica, já está informalmente em discussão o New Deal of The Mind, plano para recolocar os desempregados da crise, mas, desta vez, em vagas na Indústria Criativa.”

O orçamento do Ministério da Cultura está entre os últimos da União, mal dá para o custeio, ignorando estudos que comprovam que a cada real colocado na indústria criativa, de 5 a 7 retornam para o Estado em forma de impostos. Portanto, os valores empregados na cultura devem sair da lista de despesas do governo, para entrarem na lista de investimentos.

Devem estar sob o comando do Ministério da Cultura projetos da chamada economia da cultura, trabalhando com um universo de cerca de 400 mil empresas atuando no segmento (7,8% do total no país), gerando mais de dois milhões de empregos. Como noticiou O GLOBO, “o PIB da indústria criativa brasileira chegou a R$ 126 bilhões no fim de 2013, ou o equivalente a 2,6% do total produzido no país naquele ano. Representa avanço de 69,8% em dez anos, acima dos 36,4% registrados pelo PIB nacional no mesmo período, mostra pesquisa da Firjan do fim de 2014.” Não há pesquisas recentes, mas especialistas afirmam que essa tendência se mantém e que o PIB das economias criativas deve estar na casa dos 5%.

Por isso tudo, a notícia da junção do Ministério da Cultura com o da Educação choca. Essas duas áreas devem continuar independentes e cada vez com mais investimentos, porque são estratégicas para o desenvolvimento sustentável de nosso país. Existem ministérios em excesso, sem dúvida, e é compreensível e desejável que se unifiquem, dando um fim a essa prática deplorável de se criar cargos para empregar aliados políticos. Mas esse não foi o caso do Ministério da Cultura. A ideia de tirar o protagonismo da cultura, engavetando-a na pasta da Educação, que tem outras prioridades, mais do que desrespeito, é ignorar que se trata de demanda emergencial no Brasil.

Atenção, senhores, a negligência com a cultura poderá interromper o crescimento do setor, causando um retrocesso que terá impacto deletério em nossa sociedade, além de fazer dos futuros mandatários reféns da história, assim como a economia fez com tantos no passado.

Odilon Wagner é ator e vice-presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes

Publicado em O Globo.