Os deuses do parlamento

Introdução

Está aberta a sessão. Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro iniciamos nossos trabalhos.

Assim o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), iniciou a votação de admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016. Evocar Deus não foi tão somente um ato de vontade de Cunha pelo fato de ele ser evangélico pentecostal ligado à Assembleia de Deus. Ele seguiu o rito de abertura das sessões do Poder Legislativo, tanto da Câmara como do Senado Federal. Posteriormente, por livre vontade, 52 deputados federais dos 513 votantes citaram a palavra “deus”.

Apesar da diversidade territorial e dos setores de atuação de cada deputado, boa parte do léxico político mobilizado valeu-se simbolicamente dos termos “deus”, “família” e “nação”,1 que operaram como elementos unificadores e transversais, além de apresentarem maior densidade de sentidos do que os termos “democracia”, “Estado de direito”, “cidadania” e todo repertório político liberal moderno.

As declarações de voto, principalmente dos favoráveis ao impeachment, não pareceram visar propriamente ao debate entre os pares. Os discursos, com menos de um minuto cada, procuraram ir ao encontro do que supostamente pensavam os seus eleitores e segmentos da opinião pública. A votação foi realizada excepcionalmente em um domingo com a finalidade de aumentar a pressão midiática a favor do impeachment. Esta foi uma operação política deliberada e conduzida pela Mesa da Câmara presidida por Eduardo Cunha.

Entretanto, a transmissão da votação ao vivo provocou constrangimento em parte da audiência pela excessiva referência a deus e aos familiares dos deputados. A despeito de ser contra ou favor do impeachment, um certo consenso pareceu ter se consolidado na opinião pública: parte significativa dos deputados federais não tem a competência necessária para exercer o poder do qual o cargo dispõe. Na verdade, não foi fácil diferenciar a partir dos votos quem estava à altura do mandato recebido, uma vez que o balcão de negociação operou para ambos os lados, tanto na oposição como na situação. Independente da euforia de alguns e da indignação de outros, o acompanhamento da votação mostrou como o voto proporcional é tratado pela maioria dos brasileiros.

A expressão “pedaladas fiscais”, acusação formal do processo jurídico-político, foi citada apenas oito vezes entre os 367 deputados que votaram a favor do impeachment, e foram destes que vieram a quase totalidade de referências a deus — 43 vezes —, à (sua) família e à nação. Em várias declarações, família — 117 vezes — veio associada aos termos “honra”, “respeito”, “consciência”, buscando significar honestidade e bom caráter de quem a evocou. E o apelo à nação — 28 vezes — não era um discurso identitário cultural ou protecionista econômico como muito recorrente em contextos internacionais contemporâneos. Além do sentido mais geral de unidade, o termo nação expressou um patriotismo que identificou na corrupção do Estado um crime contra o país. Corrupção foi o termo de acusação mais recorrente e estava em sintonia com a mensagem da grande mídia naquele momento, a saber: a corrupção é a geradora de todos os males econômicos e éticos, além de ser sistêmica em um partido específico.

Dos 137 que votaram contra o processo, “família” foi citada apenas dez vezes, “deus” sete, nação quatro e “corrupção” quatorze, contra 77 vezes “democracia” e 55 “golpe”. Vale acrescentar que a palavra “golpe” também foi evocada pelos que votaram a favor do impeachment, dezenove vezes, mas com o intuito de negá-lo e de evitar a consolidação dessa narrativa2. E estes mesmos citaram “democracia” apenas quatorze vezes.

De modo geral, todas as citações a deus tiveram como referência aquilo que Otávio Velho3 identificou no Brasil como cultura bíblica cristã.4 Entretanto, parafraseando Jesus quando disse “Na casa de meu pai há muitas moradas”,5 no Parlamento, a Casa das Leis, habitam deuses variados, sendo que alguns ganham cada vez mais espaço enquanto outros se enfraquecem devido às transformações pelas quais o Brasil e a religião vêm passando há algumas décadas.6 Os deuses são decifráveis conforme se identifica o autor e o contexto da fala.

Deus é poder

A primeira referência a deus na abertura da sessão feita por Cunha revelou o valor histórico-cultural-oficial do cristianismo para a simbologia nacional. Essa inscrição teísta cristã no Estado brasileiro — a despeito de se afirmar como um estado laico — também é identificada no preâmbulo da Constituição Cidadã, de 1988, o qual declara que “os representantes do povo brasileiro” estão “sob a proteção de Deus”. Se o rito do Poder Legislativo vincula o Estado brasileiro à religião cristã, a concordata assinada entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, em 2008, estabelece um acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Essa cristandade oficial católica fica mais evidente no crucifixo que orna a parede principal do Supremo Tribunal Federal, ao lado do brasão e da bandeira nacionais. Como os evangélicos são avessos a imagens religiosas, que são compreendidas como prática de idolatria, o crucifixo é mantido naquela parede pela influência da Igreja Católica, que o legitima não propriamente pelo caráter religioso, mas pelo seu valor histórico-cultural na identidade nacional.7

Como contraponto, a frase “Deus seja louvado” na moeda brasileira, cuja inspiração é a “In God we trust”, encontrada no dólar americano, foi resultado da ação da bancada evangélica durante o governo Sarney, logo no início da redemocratização.8 Assim, o crucifixo assenta (invisibiliza) a simbologia católica no sistema jurídico enquanto uma certa ética econômica evangélica sacraliza o dinheiro por meio da inscrição da palavra “deus” no papel-moeda.

A segunda referência a deus feita por Cunha foi durante o seu voto. Curto e frio, ele declarou apenas “Deus tenha misericórdia desta nação”. A frase não foi extraída de uma passagem bíblica, como é costume entre os evangélicos, mas ressoou o versículo “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor”9 citado no voto do deputado Cabo Daciolo do PTdoB do Rio de Janeiro. Esse trecho bíblico tem servido de justificativa para a crescente presença de evangélicos na política desde as eleições de 1986, quando foi formada a bancada evangélica com 36 deputados Federais. Em 2014, 72 deputados federais e três senadores declaram-se evangélicos. Para boa parte destes, o deus da Bíblia será o senhor da nação quando os evangélicos, os homens de deus, ocuparem cada vez mais posições de poder no Estado.

Baseando-se no mesmo versículo, o discurso do Cabo Daciolo foi o mais antilaico e teocrático entre todos pronunciados:

Glória a Deus! Sr. Presidente, todos aqui ouviram eu falar “Fora, Dilma!”, “Fora, Michel Temer!”, “Fora, Eduardo Cunha!”, “Fora, Rede Globo”, mentirosa, que fica difamando pessoas. Vocês podem ser grandes aos olhos do homem, mas, para Deus, vocês são pequenininhos. Em nome do Senhor Jesus, eu profetizo a queda dos senhores a partir de hoje […] Fora, Pezão! Fora, Dornelles! Chega de corrupção! O meu voto é sim. Glória a Deus! Feliz a nação cujo Deus é o Senhor.

A entrada dos evangélicos na política institucional, sobretudo dos pentecostais, não deve ser entendida tão somente como um efeito demográfico.10 Existe um impulso interno significativo em direção ao ativismo político, predominantemente conservador.11 Eduardo Cunha foi o primeiro evangélico a assumir um dos poderes da República e o mais próximo a ocupar a presidência. Até o momento, Cunha chegou mais longe do que as candidaturas à presidência de Garotinho (em 2002, pelo PSB) e de Marina Silva (em 2010 pelo PV e 2014 pelo PSB), que nem chegaram ao segundo turno. Os três pertenciam à Assembleia de Deus quando concorreram, mas Cunha alcançou essa posição em boa medida por ser liderança do PMDB, cujo domínio maior é no Legislativo, onde atua como contrabalanço na disputa pelo Executivo entre os outros dois grandes partidos nacionais, PT e PSDB.

A presença nos poderes da República é um bom exemplo dos deslocamentos na estrutura social brasileira. Os evangélicos ascenderam demograficamente e produziram seus canais políticos no Legislativo e no Executivo, mas menos no Judiciário. A presença no Legislativo é mais significativa porque, até o momento, os evangélicos têm demonstrado forte capacidade de indução do voto mais do que qualquer outra religião no país. Isso não significa que eles só votem nos “irmãos de fé”, mas é expressivo tanto na eleição proporcional como na majoritária.12 Se voto é confiança, o vínculo religioso entre candidato e eleitor a atesta.

A ascensão no Legislativo e Executivo dá-se por via eleitoral, permitindo o acesso de pessoas com menos capital econômico e social às elites políticas, o que ocorreu com mais dificuldade no Poder Judiciário, cujo perfil é mais elitista, tradicional e católico. Como corolário, se os evangélicos e seus interesses são bastante visíveis no Legislativo e no Executivo, para compreender por onde passam os interesses católicos no Estado, uma ampliação empírica é necessária: o Judiciário deve ser um dos focos centrais.

Deus e seus inimigos

A declaração de voto do deputado Marco Feliciano (PSC/SP) revelou uma combinação que articulou o seu deus a não religiosos frente a um inimigo comum e demonizado politicamente, o PT.

Com ajuda de Deus, pela família, pelo brasileiro, pelos evangélicos da nação toda, pelos meninos do MBL [Movimento Brasil Livre], pelo Vem pra Rua. Dizendo que Olavo [Carvalho] tem razão, sim. Dizendo tchau a esta querida. Dizendo tchau ao PT, Partido das Trevas. Eu voto sim ao impeachment.

A mesma referência demoníaca apareceu alguns dias após a votação do impeachment ter sido acolhido pelo Senado Federal, em 11 de maio. Em um grande encontro de pastores em Santa Catarina, Feliciano exibiu uma mensagem gravada de Michel Temer, já como presidente interino, especificamente para aqueles religiosos. Após a mensagem, Feliciano fez a seguinte oração:

Conseguiram colocar no nosso país um motivo de guerra: brancos lutam contra negros, religiosos contra ateus, pobres contra ricos, índios contra roceiros. E neste momento nós decretamos que este espírito que divide o país está sumindo daqui. Porque um tempo de unidade, de prosperidade vai cair sobre a nação brasileira […] Nós ordenamos que todos os demônios desaparecerão de nossa nação e decretamos que o Brasil é do senhor Jesus.

Trata-se de um discurso político em forma de oração ou uma oração como discurso político, mas ambos operando na lógica de um inimigo que precisa ser destruído. A oração de Feliciano diagnosticou um ambiente de cisão social — que um marxista petista poderia nomear como luta de classes resultante das gestões do PT. Na narrativa de Feliciano, as cisões “bolivarianas”, comunistas e “lulopetistas” serão superadas pela conciliação que, para ele e outros tantos empreendedores morais, visa à contenção dos avanços do ateísmo comunista e da moralidade secular.

Na mesma lógica de destruição do inimigo, mas com maior belicosidade, o deus do deputado Jair Bolsonaro (PSC/RJ) se confunde e se retroalimenta do símbolo Brasil, que é compreendido em termos de nação e de soberania (militar, de forma mais restrita). O resultado é um deus comprometido com uma ordem nacional anticomunista, autoritária e militar. Ele declarou em seu voto:

[…] Perderam em 1964. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve… Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff! Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, por um Brasil acima de tudo, e por Deus acima de todos, o meu voto é sim!

O deputado federal Jair Bolsonaro, conhecido por posições fascistas, como o elogio feito a um torturador, e não apenas ao regime militar, migrou para o PSC, partido de Feliciano e de outros deputados da Assembleia de Deus. Após a votação da Câmara, Bolsonaro foi batizado pelo pastor Everaldo (candidato à presidência em 2014 pelo PSC) no rio Jordão — o mesmo onde João Batista batizou Jesus. Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha, assim como Garotinho, não são evangélicos que foram para a política, mas, o contrário, eles estenderam suas bases para esse universo religioso por meio de atos rituais e narrativas de conversão.

A família e os bens de deus

A decisão a favor da admissibilidade do processo na Câmara dos Deputados, com maioria qualificada (dois terços), foi submetida posteriormente à aceitação do Senado Federal por maioria simples, no dia 12 de maio. A presença evangélica no Senado é bem mais tímida do que na Câmara. São apenas três em um universo de 81 senadores. Dois discursos merecem destaque.

O senador Magno Malta em seu voto articulou três temas do debate público atual: a família, o aborto e maioridade penal.

Eles [militantes dos direitos humanos] querem matar a família porque são ávidos por legalizar o aborto nesta terra. A família tradicional nada vale pra eles. Redução da maioridade, nem falar. Para eles, se um sujeito conseguir sobreviver a um aborto, pode matar, pode estruprar [sic], pode sequestrar porque até os dezessete anos estão protegidos.

Educação quem dá é pai e mãe. Escola abre janela para o conhecimento […] Porque professor e professora, no máximo, têm obrigação de educar os seus filhos, e não os meus. Os meus educo eu […] Eles não querem família dentro desta participação. Mas é preciso chamar a família, que é o nascedouro de todas as coisas.

Esses trechos do seu discurso referem-se aos projetos que contam com sua condução no Senado Federal e que ficaram mais em evidência em 2015 e por quase todo o ano de 2016 devido à condução de Cunha na presidência da Câmara dos Deputados. São eles, o Estatuto da Família e Escola sem Partido (que engloba o combate à denominada ideologia de gênero). Este último tem como local de disputa os conteúdos escolares com impacto nas escolhas políticas e na moralidade dos adolescentes e jovens, como se encontra no início da declaração de Bolsonaro citado anteriormente: “Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve…”

O outro voto do Senado foi de Marcelo Crivella (PRB/RJ), sobrinho do bispo Edir Macedo. Diferente da Câmara, os discursos dos senadores poderiam durar até quinze minutos, mas Crivella utilizou pouco mais do que quatro minutos. Sua fala foi tímida e em tom pastoral,13 enfatizando a crise econômica e a necessidade do julgamento de Dilma ser considerado um ato justo, e não justiceiro. Na verdade, Crivella pareceu buscar jogar pouca luz sobre si, afinal o PRB, ligado à Igreja Universal, participou dos governos petistas desde 2002 e foi um dos últimos partidos a abandonar o governo Dilma a poucas semanas da votação na Câmara. Um dos últimos movimentos políticos de Dilma foi procurar o bispo Macedo para que o PRB não abandonasse a coalisão. Macedo teria dito, apenas, que oraria por ela e seu governo.

Crivella e o PRB deslizaram sem sobressaltos da coalizão presidida pelo PT para a do PMDB pós-impeachment. O discurso apoiador das políticas redistributivas passou a reverberar o catecismo do “Estado mínimo”. Ressalte-se, entretanto, a pouca ênfase nas questões morais. Vide os poucos projetos apresentados pelos deputados do PRB na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que é alvo da ação preferencial da Assembleia de Deus.14 Os interesses da Igreja Universal envolvem mais as gestões dos negócios, principalmente nos meios de comunicação.

O deus derrotado

Por outro lado, aqueles que votaram contra o impeachment, regra geral, apontaram para três aspectos: o crime de responsabilidade da presidente não configurado, o caráter golpista do processo jurídico-político e o fato daquela sessão ter sido conduzida por um presidente corrupto. As poucas referências a deus entre os que votaram contra o impeachment, nove vezes, visaram condenar a evocação a deus e aos familiares para justificar o voto. Como exemplo, Patrus Ananias (PT/MG) declarou:

Colegas deputadas, deputados, na minha já sexagenária caminhada de militante político e social cristão jamais vi e ouvi tantas afrontas ao segundo, ao quarto, ao sétimo mandamentos da lei de Deus…

Esses mandamentos são: o uso do nome de deus em vão; honrar pai e mãe; e não roubar.

A primeira parte do discurso de Ananias teve o objetivo de censurar religiosamente o uso do nome de deus durante as declarações de voto que o antecederam. Mas, na segunda, ele fez referências aos programas sociais dos governos petistas como o Bolsa Família, o cuidado com os pobres etc. Trata-se de políticas redistributivas em boa medida herdeiras da tradição católica do petismo, que encontrou na Teologia da Libertação e nas Comunidades Eclesiais de Base, nos anos 1980, uma fonte política-religiosa potente. Na conjuntura atual o setor “igrejeiro” do PT tem pouca capacidade de mobilização dos mais vulneráveis frente aos apelos da religiosidade evangélica. O deus de Patrus Ananias é o perdedor do processo político em curso.

Mas a política também é o lugar da traição, da conspiração, da corrupção. Se no jogo discursivo de demonização Feliciano referiu-se às “trevas”, sinonímia de diabólico, Glauber Braga (PSOL/RJ) declarou:

“Eduardo Cunha, você é um gângster. O que dá sustentação à sua cadeira cheira enxofre”. Cunha ouviu esta e outras duras acusações em cadeia nacional, mas sempre se mantendo calmo e determinado.

E assim os discursos políticos foram parcialmente atravessados pela linguagem religiosa, que englobou e se articulou a valores mais tradicionais como família e nação. Ao final da sessão, 367 deputados votaram a favor da abertura do processo de impeachment, 137 contrários, sete abstenções e duas ausências. Posteriormente foram realizadas duas sessões no Senado Federal: a primeira para a aceitação do processo, por maioria simples, no dia 12 de maio, e a segunda para o julgamento final, no dia 31 de agosto, que resultou na condenação de Dilma Rousseff por 61 senadores a favor e vinte contrários.

A onda quebrada

Em linhas gerais, a maior parte dos deputados federais que evocaram deus estão politicamente comprometidos com pautas que apontam para uma moralidade pública mais reguladora, para uma economia menos estatizante e mais pró-mercado e para uma política de segurança mais repressiva e punitiva. A descrição da cena da votação do impeachment na Câmara dos Deputados é uma visada da conjuntura atual com ênfase nas linhas de força que configuram o que tem sido nominado no debate público como “onda conservadora”. A religião, as religiões, os religiosos fazem parte desse movimento mais amplo, sendo constituintes e constituídos por ele. Nem todos evangélicos são conservadores, assim como a pauta conservadora vai além dos evangélicos conservadores. Dela participam também católicos, outras religiões e não religiosos.

Na verdade, o que se configura como onda é um emaranhado de vários jogadores em diferentes tabuleiros. Daí sugerir pensá-la de forma quebrada em vetores que resultam de processos sociais desiguais, assimétricos e com temporalidades distintas, mas que na conjuntura atual articularam-se em torno de um inimigo comum. O país passa por mudanças em diferentes dimensões e escalas da vida política, social e cultural que caminham em direções variadas, mas que estabeleceram conexões parciais, ora por afinidade ora por estratégia, conformando um movimento mais geral. São forças sociais que encontram representação no Congresso Nacional e que na crise política trabalharam a favor do impeachment de Dilma Rousseff.

Ronaldo de Almeida é professor do Departamento de Antropologia da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almeida, Ronaldo de. “Religião em transição”. In: Martins, Carlos Benedito; Duarte, Luiz Fernando Dias (Orgs.). Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Antropologia. São Paulo: Anpocs, 2010. pp. 65-83.

Almeida, Ronaldo de; Barbosa, Alexandre. “Transição religiosa no Brasil”. In: Arretche, Marta (Org.). Trajetórias da desigualdade: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Ed. Unesp, 2015.

Freston, Paul. Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Tese (doutorado) — Instituto de Filoso- fia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.

Giumbelli, Emerson. Símbolos religiosos em controvérsias. São Paulo: Terceiro Nome, 2014.?Gonçalves, Rafael Bruno. O discurso religioso na política e a política no discurso religioso: uma análise da atuação da Frente

Parlamentar Evangélica na Câmara dos Deputados (2003-2014). Tese (doutorado) — Instituto de Estudos

Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016?Machado, Maria das Dores Campos. Política e religião: a participação dos evangélicos nas eleições. Rio de Janeiro: FGV

Editora, 2006.?Mariano, Ricardo. “Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores: secularização e pluralis-

mo em debate”. Civitas, v. 16, n. 4, pp. 710-728, 2016.?Velho, Otávio. Besta-fera: recriação do mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

NOTAS:

[1] Ou equivalentes: “cristianismo”, “cristão”, “Nossa Senhora”, “Brasil”, “povo brasileiro”, “país”, “pais”, “esposas”, “filhos”, “netos” (muitos destes últimos identificados pelo nome próprio).

[2] “Golpe” começou a ser empregado no voto do 120o deputado pró-impeachment. Este foi um momento de inflexão nos discursos.

[3]  Velho, 1995. ?

[4]  O deus cristão (católico e evangélico) foi o elemento com valor comum, que se estendeu a um teísmo mais alargado como na citação do deputado Floriano Pesaro do PSDB/SP ao “grande arquiteto do universo”, cuja referência é a Maçonaria.

[5]  João, 14:2. ?

[6]  Almeida, 2010. ?

[7]  Giumbelli, 2014. ?

[8]  Freston, 1993. ?

[9]  Salmos, 33:12. ?

[10]  Almeida;Barbosa,2015. ?

[11]  Mariano, 2016. ?

[12] Freston,1993; Machado,2006.

[13] O uso retórico de parábolas e provérbios deram ao seu discurso um caráter mais indireto e com tom de sabedoria. Seu posicionamento político foi declarado de forma muito metafórica. Crivella foi ministro da Pesca no primeiro mandato de Dilma, entre 2012 e 2104. Posteriormente o PRB assumiu o Ministério dos Esportes e a responsabilidade de realizar as Olimpíadas, em 2016.

[14] Gonçalves, 2016.

Este artigo faz parte de um especial que se propõe a apresentar visões de pensadores brasileiros sobre as várias crises que atingiram o Brasil, suas origens e perspectivas. Seus artigos, cedidos exclusiva e antecipadamente ao NexoJornal.com.br, permitem projetar como a história vai olhar para este momento do país. O conteúdo é fruto de uma parceria com a revista “Novos Estudos” (disponível online), do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), criado em 1969 e sediado em São Paulo, este um dos mais importantes think tanks do Brasil. Todos os artigos foram escritos pelos pesquisadores a convite da revista e podem ser lidos na íntegra no site da publicação.