O vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, participou no dia 29 de julho, em São Paulo, do Seminário de Estudos Avançados promovido pela Escola do PCdoB João Amazonas e pela Fundação Maurício Grabois. 

Em uma longa e densa fala, Sorrentino abordou temas que serão debatidos no processo do próximo 14º Congresso Nacional do PCdoB, a ser realizado em novembro deste ano. O dirigente comunista dividiu sua fala em três partes: na primeira parte, intitulada Saídas e Perspectivas para o Brasil, ele apresenta parte do conteúdo do documento congressual, com uma análise política da conjuntura atual pós-golpe e do ciclo progressista dos governos Lula e Dilma; na segunda parte, Sorrentino relata o que propõe o PCdoB aos brasileiros neste momento de crise e, na terceira parte, avaliada por ele como mais complexa, são tratadas as polêmicas sobre a estratégia política necessária para tirar o país da encruzilhada histórica em que se encontra e como o PCdoB se situa nestas polêmicas.

O vice-presidente nacional do PCdoB enfatizou a questão nacional. “Tem centralidade a questão nacional, a saber, a do desenvolvimento e do fortalecimento do Estado Nacional como impulsionador do desenvolvimento soberano, fonte da autodeterminação do país. Tal luta representa forma da luta de classes aguda no mundo contemporâneo, antiimperialista e anti-neoliberal”, afirmou.

Para Sorrentino, “ou o país dá um novo passo mais elevado para completar o seu projeto nacional de desenvolvimento, ainda incompleto, com caráter soberano, democrático e popular, ou a nação vai se degradar em crescente dependência, até mesmo subordinação, às cadeias globais de valor e divisão internacional de trabalho de um ponto de vista periférico, sob a égide da mais poderosa força do nosso tempo, que é o sistema financeiro”.

Nova ordem neoliberal

O vice-presidente do PCdoB também destacou que, a partir de 2003, com o início do ciclo progressista a partir da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, inaugurou-se uma fase inédita para o país, de certa forma até inesperada, na qual foi possível combinar desenvolvimento nacional, crescimento econômico, distribuição de renda e ambiente democrático. Ele destaca que a esquerda, nestes 12 anos, mostrou que tinha capacidade de governar com êxito. Sorrentino ressalta, porém, que essa obra desmoronou rapidamente. “Nos últimos dois anos, voltamos a um patamar que julgávamos superado completamente’, afirma, dando como exemplo o aumento expressivo da quantidade de moradores de rua em grandes cidades como São Paulo, “algo que não se via nestas proporções desde a década de 80”, afirma.

“A questão que se abre é que todo um ciclo político foi posto em questão, não apenas o ciclo progressista dos governos Lula e Dilma, mas todo o ciclo da Nova República, iniciado com a Constituição de 1988”, afirma Walter Sorrentino. “Estamos diante de uma transição que não se sabe quando nem como irá se resolver’ diz. 

Para ele, o golpe que tirou Dilma Rousseff do poder provocou a desmoralização da democracia brasileira, interna e externamente. “O golpe vem de longe, não foi improvisado, foi longamente preparado, se voltou contra o êxito do nosso projeto. Mas o golpe não era inevitável. Ele se tornou possível por causa de erros estratégicos e de condução cometidos pela força política principal que liderou este ciclo de governos progressistas. O golpe teve colaboração internacional, promovido em conluio com agentes nacionais de Estado ligados a agências internacionais e isso tinha como pano de fundo a cobiça sobre o pré-sal”, afirma, acrescentando que setores do judiciário, destacadamente o chamado “partido da Lava Jato”, com apoio da mídia, tiveram papel de destaque na promoção do golpe.

Sorrentino destaca que o Brasil vive um “vazio político”, sem desfecho à vista, com um ambiente político conflagrado. “O próprio mercado avalia que só haverá ambiente confiável para se retomar investimentos em 2019”, diz. Ele destaca também que, neste momento, a mobilização política do povo não está dando conta de virar o jogo. “Então as contradições, as distensões do campo adversário, por poucas que sejam, tem uma importância grande”, afirma o dirigente comunista.

Ele ressalta que “a resistência dos movimentos sociais e do campo progressista faz o que pode e o que deve, mas não conseguiu, até este momento, acumular força necessária para avançar com bandeiras como a das Diretas Já”, restando como desafio imediato a luta contra as reformas e garantir a defesa do Estado Democrático de Direito. 

Para o dirigente comunista, a disputa política atual entre os dois campos opostos não é um jogo de soma de zero, onde o que sai de um fortalece o outro. “Não está acontecendo isso, e uma das causas principais é o profundo desalento da maioria silenciosa, acossada pelo desemprego e pelo empobrecimento. Esta população não vê saídas e não se vê representada nos políticos. A antipolítica é que se torna o escoadouro nessa hora”, afirma Sorrentino.

Frente ampla liderada pela esquerda 

Ao apontar os caminhos para superação da crise, Walter Sorrentino apresenta propostas que o PCdoB defende neste momento. “A saída é a oposição firme ao governo golpista e à sua agenda neocolonial, antipopular e antidemocrática. Visa a acumular forças para derrotá-los e criar condições para as forças patrióticas e populares reconquistarem o governo da República. Para isso, é necessária a união de vastas forças em frente ampla, tendo por núcleo a esquerda, mas alcançando largos estratos políticos e sociais do campo progressista e democrático dos setores jurídicos, da intelectualidade e da cultura, e disputando setores econômicos empresariais em busca da retomada do crescimento econômico e dos interesses nacionais”, afirma Sorrentino, ressalvando que “só a esquerda, apenas, não terá forças” para isso, cabe a ela, “ser o núcleo consequente que norteie a Frente Ampla, como base inclusive para coalizões política capazes de governar em torno de uma agenda pactuada e pública”.

“Qual a essência do novo rumo que o PCdoB deve disputar?”, questiona Sorrentino, respondendo, ele mesmo, com uma consigna lançada pelo governador do Maranhão. “O Flávio Dino resume estas consignas centrais dos pilares do projeto de forma muito interessante: Nação, Produção, Educação. Acrescendo a esta tríade a Valorização do Trabalho.  No centro disso, está em primeiro lugar o papel do Estado para induzir o desenvolvimento nacional, carente de vigorosa agenda de Estado para democratizar as instituições e universalizar direitos da cidadania”, afirma.

A maior parte da fala de Sorrentino foi baseada no documento abaixo, que reproduzimos na íntegra:

 

 

(Foto: Cezar Xavier)

SAÍDAS E PERSPECTIVAS PARA O BRASIL

CICLO DE ESTUDOS AVANÇADOS

JULHO 2017

Walter Sorrentino, vice-presidente nacional do PCdoB

PRIMEIRA PARTE

1.     SAÍDAS E PERSPECTIVAS PARA O BRASIL é o tema do 14º Congresso, visto numa abordagem concentrada. Lida com um momento de grandes incertezas e ameaças aos interesses do Brasil, à democracia e aos direitos do povo, sob a égide da agenda neoliberal do PSDB-PMDB, partidos que encabeçaram o golpe parlamentar, e do consórcio que sustenta o governo ilegítimo de Temer. Esta Conferência não trata de explanar o documento congressual, mas pressupõe os temas e teses ali apresentadas e, consequentemente, implica a sua prévia leitura. Quer mais é debater as posições do PCdoB como parte das polêmicas da esquerda brasileira. Quanto à orientação política, ligará num continnuum a tática e a estratégia: tática sem balizas estratégicas é casuística; estratégia que não se realiza nas táticas é coisa para prateleiras. Quer dizer: é preciso ver as águas turbulentas, mas principalmente perscrutar o horizonte.

2.     O tema relaciona-se com uma questão de fundo, a categoria de ENCRUZILHADA HISTÓRICA definida pelo PCdoB. Ela se constituiu desde o esgotamento do Nacional-Desenvolvimentismo, a chamada Era Vargas, no final dos anos 1980, cujos sinais vinham já do período da ditadura instalada em 1964. Em síntese, significa que ou o país dá um novo passo, mais elevado, em completar seu projeto nacional de desenvolvimento soberano, democrático e popular, ou a nação se degradará, subordinada às cadeias globais de valor e à divisão internacional do trabalho, sob a égide rentista, da globalização neoliberal e imperialista, em condição subordinada e sem capacidade de fazer a inteira defesa de seu interesse nacional e dos interesses do povo brasileiro, que demandam fortalecer o Estado Nacional.

3.     Não obstante a Constituinte democrática de 1986, isso ocupou duas décadas de transição tumultuada, primeiro com o fim da ditadura, depois com a implantação da agenda neoliberal por Collor e a seguir FHC (que pregava o fim da Era Vargas). Foram chamadas as duas décadas perdidas para o país. O programa de privatizações e desnacionalizações, desregulamentações, desproteção social e desemprego estrutural arruinou o país. Nasceu o Plano Real em substituição do falido pacto inflacionário, quando se impôs o tripé macroeconômico e promoveu uma efetiva agenda de Estado para torná-lo funcional aos propósitos da agenda neoliberal. Entre outros crimes, impulsiona-se aí o rápido processo de desindustrialização da economia brasileira, que não foi devido apenas à terciarização da economia, mas sobretudo em função de uma política de câmbio contrária ao interesse do país. Bresser chama isso de populismo cambial, que apreciou permanentemente o Real em detrimento da indústria nacional. Como se sabe, isso perdurou até nos governos Lula e Dilma.

4.     Com o ciclo de 4 governos progressistas aberto em 2003, se levou o enfrentamento da situação a um inédito nível. Pela primeira vez na história política e econômica brasileira, coincidiram o desenvolvimento nacional, a distribuição de renda e a democracia. Foram 195 anos de vida independente para alcançar esse marco, o que demonstra o quanto são fortes as tenazes a garrotear o interesse nacional e a luta do povo brasileiro. Em poucos anos, uma obra de vulto começou a ser realizada. O país alinhou uma política externa altiva e ativa, inteiramente funcional ao lugar do Brasil no mundo para promover o desenvolvimento nacional – nisso se destaca a relação com os BRICS; recuperou-se a noção e a força do papel do Estado para induzir o desenvolvimento; inédita escala foi alcançada na distribuição de renda e inclusão social, combinando empregos, renda do trabalho e direitos sociais com o maior nível de participação democrática do povo na vida da nação.

5.     No entanto, desmoronou rapidamente tal obra e, com isso, todo um ciclo político é posto em questão: não apenas o do ciclo progressista como também o da própria Nova República instituída com a Constituição de 1988. O país ficou profundamente desarranjado em todos os setores da sociedade e da vida nacional. Entende-se, assim, que se confrontaram desde os anos 1980 dois caminhos antípodas face à encruzilhada, polarizados por PSDB e PT. O golpe do impeachment expôs cruamente a encruzilhada. Não se tratou de mera alternância de governos, mas de dois rumos opostos: o país precisa decidir se quer ir pro Norte ou pro Sul. 

6.     O golpe vem de longe e foi longamente preparado. Voltou-se contra o êxito do projeto aberto em 2003. Mas não era inevitável, e se tornou vitorioso devido a insuficiências estratégicas e erros de condução. O golpe teve colaboração externa promovida em conluio com agentes nacionais de Estado, ligada à cobiça do Pré-Sal e do regime de partilha, que levou a interceptações das comunicações da Petrobras e da presidente Dilma Rousseff, a mesma que já houvera sido sinalizada com a presença da IV Frota dos EUA em mares do Sul. Foi promovido por um consórcio de forças com PSDB-PMDB no comando, de modalidade parlamentar, coonestado pelo Judiciário, com apoio empresarial e, especialmente, da mídia golpista. Foi um atalho ao poder, sem votos, das forças derrotadas em quatro eleições anteriores.

7.     Teve como grande ponta de lança a ação da Operação Lava Jato no combate à corrupção com métodos falsos, partidarizados, que atentam contra o sistema político representativo e contra o Estado de democrático de direito no que respeita às garantias constitucionais fundamentais e do direito penal. Causa grave prejuízo ao interesse nacional fragilizando empresas estratégicas para o país e alvo da cobiça internacional. O protagonismo político da Lava Jato é indevido, desequilibra a ação dos poderes da República e cria um embrião de poder paralelo. São atores políticos que esperam pescar nas águas turvas da anti-política. A Lava Jato, em conluio com a Globo, é o “partido” mais agressivo do consórcio golpista.

8.     Em um ano pós-golpe, agravou-se a situação do país. A recessão econômica já é a mais prolongada da história do país: a economia recuou mais de 7% até agora. A crise social – mesmo considerando a dura realidade histórica de desigualdade social – é galopante neste pouco mais de doze meses pós-golpe: a renda média caiu mais de 10% e o desemprego é crescente. Direitos fundamentais foram cassados pelo governo e Congresso – o teto de gastos, a CLT e a terceirização, os direitos sindicais e da previdência estão no alvo próximo. O Brasil ficou “barato”: as empresas estão endividadas e são desnacionalizadas, concessões estratégicas ao desenvolvimento do país são realizadas na bacia das almas para o capital estrangeiro. Enquanto isso, a crise fiscal é medonha – devido ao congelamento da economia e da arrecadação – e significa crescentes e graves carências para a população em geral.

9.    No plano político e institucional, o país ficou conflagrado em radicalizada luta política de classes, com elevado grau de desorganização das referências políticas. As instituições confrontam-se entre si e mesmo no interior de cada uma delas. Aprofunda-se a crise democrática e de representação do sistema político. A Lava Jato começa a sofrer freios em sua sanha, mas precisa-se dela para encurralar Lula. A sociedade cultiva um baixo sentimento de estima nacional, promove-se o descaso com a democracia e as instituições representativas, eleva-se a recusa à política e aos partidos políticos, semeia-se o desalento na sociedade. É um sistema de contradições de geometria irregular e variável, nó difícil de deslindar e alinhar. O país pode ter até três presidentes durante o mandato conferido pelas urnas em 2014!

10.  Então, vive-se num interregno político onde o instituído está ruindo e nada novo ainda nasceu em seu lugar – período em que, malgrado a hegemonia política do consórcio golpista, nenhuma força política consegue hegemonizar uma saída perante a sociedade. Daí decorre uma conjuntura de incertezas, um impasse político cujo desfecho é essencialmente imprevisível.

11.   No momento, o quadro é marcado por crise do governo Temer, que vive fora das leis da gravidade. Pode cair ou não; Maia pode assumir ou não. Um xeque-mate a Temer se poderia dar em poucos lances mais, sobretudo com a retirada do apoio do PSDB ao seu governo. De todo modo, Temer seria um espectro de presidente se se mantiver. O campo de forças que sustentou o impeachment dividiu-se taticamente porque os setores que o integram buscam sobrepor-se uns aos outros quanto às saídas imediatas e para as eleições de 2018. O mercado apoia as reformas e Meirelles, tenta blindar a economia da crise política. Manter Temer ainda é, para o setor financeiro, a solução menos custosa, haja vistas as palavras de Setúbal, do Itaú. As “reformas” são o lucro maior da burguesia brasileira para o futuro; mas o custo presente é a trajetória ascendente da dívida pública e o crescente déficit fiscal. Articularam-se enquanto isso para a agenda da austeridade no conflito distributivo capital x trabalho, lucros x salários, para recompor suas margens de lucro e aguardar o fim do ciclo recessivo. Já apontam que, em boa hipótese, a confiança para investir e promover crescimento só estará à vista mesmo em 2019. Não obstante a inflação em queda, pelo congelamento da economia, os juros e amortizações da dívida pública consomem 45% do orçamento federal.

12.  As palavras chaves da hora são os progressivos desarranjos e dissensões na base do governo, que se operam em razão direta com as pactuações tramadas para dar saídas à crise. Os pactos nascentes parecem sempre em estado larvar, mas quando se fazem visíveis é porque já estão em vias de se efetivar. O campo governista não tem aderência social, mas é forte no Congresso. Segue unido em frente ampla em torno do essencial: as “reformas”, impedir Diretas Já e buscar impedir a candidatura de Lula (ou no mínimo minar as condições de vencer). Pactuam-se saídas pelo alto, para a hipótese de não mais se precisar de Temer por se tornar muito custoso ou desnecessário após as reformas; ou mesmo para 2018, em arranjos que têm por eixo PSDB e DEM, já evidentes. De todo modo, parece que o curso político tira de vez a chance do PMDB encabeçar a eleição presidencial: vale mais uma vez o estigma de que foi alvo por parte da plutocracia e inteligentzia paulista: a sua satanização devido ao clientelismo, patrimonialismo, estatismo, populismo, nacionalismo retrógrado e tudo o mais…, verdadeiro capeta político.

13.  A resistência democrática e progressista, da esquerda e dos movimentos populares, faz o que pode e deve. Ainda não conseguiu a necessária força, unidade e mobilização política popular para avançar na proposta de Diretas Já. Na prática, sabe ser isso improvável. O objetivo maior dessas forças é a paralisação ou derrota das “reformas” trabalhista e previdenciária e a defesa do Estado democrático de direito. A luta contra as reformas, de fato, mobilizaram as jornadas de luta dos trabalhadores e do povo. Mas a derrota na reforma trabalhista e a condenação de Lula em primeira instância não produziram grandes jornadas.

14.  As mobilizações evoluem em ondas, não em linha ascendente permanente. A luta entre os campos opostos não é jogo de soma zero, no qual o que sai de um passa para o outro. O principal problema é o desalento da maioria silenciosa acossada pela empobrecimento e desemprego. Não vê saídas e não se vê representada nos políticos. A anti-política torna-se, nesse ambiente, grande adversário da esquerda progressista para mobilizar politicamente o povo e, por isso mesmo, insuflada pelo partido da Lava Jato-Globo. A sociedade indica nas pesquisas o que pensa de Temer – 5% de aceitação! – e das Diretas Já, 83% de aprovação e em crescimento. Mas as manifestações políticas não aparecem para essa ampla maioria como instrumento para levar a termo o que afirma querer nas pesquisas. Mesmo assim, é certo que num ambiente político conflagrado sempre haverá reviravoltas motivadas por fatores contingentes.

15.  Para as forças populares, um debate excruciante será o resultado dos processos contra Temer. Se de fato o pacto adversário avança, e se as ruas não conseguem catalisar Diretas Já, o país vai a eleições indiretas pelo Congresso de um novo presidente, com um mandato-tampão até 2018. As balizas para enfrentar essa hipótese serão ainda uma vez invocar a soberania do voto popular o quanto antes, paralisar ou derrotar as “reformas” e bater-se pela normalidade político-institucional que permita a disputa democrática de rumos para o país o quanto antes. É na política que se constroem saídas. A radicalização polarizada conflagrará mais ainda o país sem eleições diretas. Por isso, nada nesta hora pode ser indiferente às forças da resistência, no sentido de explorar contradições e minorar a ofensiva conservadora, embora com clareza e firmeza de pertencimento de campo político, e fazer prevalecer a política democrática que permita dar saídas à crise sob a soberania do voto popular.

SEGUNDA PARTE 

16.  Essencialmente, o que propõe o PCdoB aos brasileiros nesta hora? A saída é a oposição firme ao governo golpista e à sua agenda neocolonial, antipopular e antidemocrática. Visa a acumular forças para derrotá-los e criar condições para as forças patrióticas e populares reconquistarem o governo da República. Para isso, necessária a união de vastas forças em frente ampla, tendo por núcleo a esquerda, mas alcançando largos estratos políticos e sociais do campo progressista e democrático dos setores jurídicos, da intelectualidade e da cultura, e disputando setores econômicos empresariais em busca da retomada do crescimento econômico e dos interesses nacionais. Só a esquerda, apenas, não terá forças para retomar os caminhos democráticos pelo desenvolvimento soberano e distribuição de renda. Mas cabe a ela, a esquerda, ser o núcleo consequente que norteie a Frente Ampla, como base inclusive para coalizões política capazes de governar em torno de uma agenda pactuada e pública.

17.  A mobilização política do povo – em especial dos trabalhadores, das mulheres e da juventude – é o fator mais decisivo para reverter a desfavorável correlação de forças atual e é necessário articular à Frente Ampla braços de mobilização política e social do povo, como a FBP. A isso se conjuga a luta institucional para ampliar a resistência, isolar o inimigo principal a cada situação e dividir para neutralizar segmentos da frente conservadora. A luta em defesa da democracia e do Estado democrático de direito é o ponto de partida da frente ampla, em defesa das garantias constitucionais, da normalidade das relações políticas e institucionais que reordene a disputa democrática de rumos para o Brasil, em defesa do sistema político representativo e da atividade político-partidária.

18.  O fundamento da linha geral da proposta dos comunistas está sintetizado no lema do Congresso: Frente Ampla e Novos Rumos para o Brasil – democracia, soberania, desenvolvimento, progresso social. Se entende pois que, para além da e para fortalecer a resistência, as forças progressistas precisam apresentar perspectivas ao país, esperanças de um novo amanhã: um novo programa para tirar o país da crise e retomar o projeto progressista e uma reconfiguração da esquerda para retomar o diálogo, a confiança e os votos da maioria do povo e setores vitais da Nação. A unidade não prescinde da necessária luta de ideias com métodos justos para criar convergências programáticas e táticas.

19.  As propostas do PCdoB têm por base o Programa Socialista, mediante o caminho do Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Seus pilares são a defesa da soberania nacional e da democracia; o desenvolvimento econômico com valorização do trabalho e diminuição das desigualdades sociais e regionais; a proteção do meio ambiente com desenvolvimento sustentável; e a integração com parceiros da América do Sul. Abarca as reformas estruturais democráticas do Estado nos sistemas político, jurídico, financeiro e tributário, além das reformas sociais na questão urbana, agrária, da saúde e da educação e, no plano da sociedade, a democratização dos meios de comunicação. 

20.  Novos rumos dependem da herança que se receberá. Uma mirada de conjunto indica que está sendo implantada uma nova ordem política, econômica e social no país, de caráter ultraliberal, autoritário e neocolonial. Medidas de exceção vão sendo implantadas e poderes descontsituintes atuam mesmo na vigência formal da Carta de 88. O legado das contrarreformas põe em pauta revogar as mudanças constitucionais, reconstitucionalizar direitos e até disputar, a partir de uma vitória eleitoral a presidente, a convocação de nova Constituinte em correlação de forças mais favorável às reformas estruturais democráticas, à democracia e aos direitos do povo.

21.  Teremos que partir também das lições da derrota política do ciclo progressista de governos do PT. Num debate inicial, o PCdoB considera que foi erro grave manter intacta a estrutura conservadora do Estado nacional. É intrigante uma força de esquerda na direção de governo progressista sequer ter pautado uma agenda de Estado, em funcionalidade com o desenvolvimento, os interesses nacionais e populares. Na ausência disso instituiu-se um republicanismo desvinculado de um projeto de nação, que comprometeu o equilíbrio entre os poderes, fortaleceu corporações de agentes públicos e gerou anomalias de exceção que incidiram na realização do golpe.

22.  Os governos do PT não tinham maduro um projeto nacional de desenvolvimento nem uma estratégia consistente para abrir-lhe caminho. Igualmente, não se realizaram e nem se disputaram na sociedade as reformas estruturais democráticas – poderia não haver inicialmente correlação de forças iniciais favoráveis, mas o caso é que sequer se disputou a sociedade para invertê-la e educar as massas populares. Assentou o fundamento de êxito na questão democrática da cidadania, e na questão social, da distribuição de renda e inclusão social – o que aliás foi exitoso. O hegemonismo o fez incorrer em erros e distorções, como o de minimizar o papel de um núcleo de esquerda no comando de ampla coalizão política e não partilhar decisões com aliados estratégicos – mais próprio de um projeto de poder do que de nação. Essas foram as limitações estratégicas da força dirigente principal dos governos progressistas. 

23.  O capítulo das alianças é também fundamental. A esquerda, naquelas condições, nem venceria nem governaria sem alianças, para constituir maioria no Congresso Nacional e na sociedade. Polarizar as forças políticas de centro foi uma necessidade e êxito, sem o quê o governo não teria tido força para realizar o conjunto de conquistas, mesmo considerando que o centro foi ao mesmo tempo um freio em reformas mais profundas. Mas a maior parte do PT parece contestar isso, aberta ou veladamente, o que é outro fator central da luta, ou seja, as concepções leninistas na formulação da orientação tática. O fator mais crucial não é apontado em suas reflexões: deixar de lado o bloco de esquerda para nortear programaticamente a coalizão.

24.  Pela positiva, Novos Rumos dependem essencialmente do que queremos ser como nação e povo, bem como da capacidade de formular estratégias maduras para trilhar os caminhos necessários. Um projeto dessa natureza demanda um ciclo político vigoroso, de esforço sustentável e persistente, de 20-25 anos, tanto quanto possível tornado irreversível com medidas estruturais. Por isso, evidentemente, o passo inicial é forjar a maioria política e social necessária para empalmar o governo central da República. O PCdoB considera necessário portanto, conformar a partir da Frente Ampla um bloco político histórico para constituir poderosa base social e nova maioria política para vencer nas urnas, na mobilização popular e na luta de ideias, em prol dos interesses do Brasil, do povo e da democracia.

25.  Recolhendo essas vertentes, considere-se que o Brasil é maior que a crise e tem condições de enfrentá-la, bem como para induzir outro patamar de afirmação como nação, um novo ciclo civilizatório na vida nacional. Possui grande território, população e PIB. Logrou alcançar a terceira revolução industrial, mediante o modelo de substituição de importações no âmbito do nacional-desenvolvimentismo, e constituiu uma cadeia industrial integrada, de médio porte, a mais bem-sucedida fora dos países centrais no século 20, excluída aí a URSS sob o socialismo. É uma potência energética, de matriz variada e limpa, ambiental e maior reserva de biodiversidade do mundo. É potência agrícola, seu agronegócio é pujante. Tem um povo laborioso, miscigenado e uno, forjado numa cultura original, falante de uma única língua.

26.  Os obstáculos estratégicos residem, entre outros, nas tenazes que o atam ao sistema financeiro internacional e subordinação às cadeias globais de produção como parte periférica da divisão internacional do trabalho. Também no caráter conservador do Estado brasileiro, de índole antidemocrática e antipopular, que foi minado no ciclo da Nova República pelo papel das corporações que o sequestram. (A Operação Lava Jato é uma expressão acabada e perigosa disso). E o baixo sentimento nacional de sua elite, extensiva às camadas médias altas, que concebem o país o segmento dos 30% da sociedade que usufruem rendas e direitos. 

27.  Hoje o Brasil tem riscos e oportunidades na geopolítica internacional para dar esses passos. A crise capitalista mundial expõe novos impasses da globalização neoliberal e ameaça o desenvolvimento autônomo e soberano das nações em desenvolvimento. A vitória de Trump nos EUA e do Brexit na GB expressam esses impasses, expondo o reacionarismo agressivo, xenófobo e homofóbico que capitalizou por meio do voto ressentido dos trabalhadores em ambos os casos, contra efeitos nefastos da onda ultraliberal. Representará a desmoralização de tratados e instituições internacionais, promoverá o protecionismo, guerras comerciais e cambiais em defesa de sua economia e poderio. 

28.  Por outro lado, e ao mesmo tempo, aumenta a margem de manobra para países como o Brasil. Ocorre uma transição no cenário internacional, com a emergência de novos polos de poder colocando em xeque a atual ordem mundial unipolar pelo imperialismo estadunidense, que veem o declínio relativo de sua hegemonia. A China Socialista surge como a maior economia do mundo e como potência, ao lado da recuperação do poder nacional da Rússia, e o destacado papel do BRICS, em ação coordenada. O eixo euroasiático consolida projetos de desenvolvimento compartilhados, como é a iniciativa da Nova Rota da Seda – Um cinturão, Uma Rota – liderada por China e Rússia, enquanto o Tratado Trans-Pacífico, entre outros, é desfeito pelo protecionismo do governo Trump. Ainda no plano externo, os BRICS e o entorno sulamericano representam também vantagem estratégica, para induzir investimentos e financiamentos em infraestrutura e impulsionar o comércio.

29.  Nessas bases, as perspectivas demandam novas opções estratégicas para o país. O horizonte indica um capitalismo de Estado, sob direção de forças progressistas. Para o PCdoB isso é o novo projeto nacional de desenvolvimento, novo nacional-desenvolvimentismo que abre caminho para as transformações maiores, a transição ao socialismo que, em última instância, é o único sistema que poderá assegurar a autodeterminação e soberania popular, o desenvolvimento para combater as desigualdades sociais e regionais, a democratização mais profunda para as forças chamadas a liderá-lo: os trabalhadores e o povo. 

30.  Flávio Dino resume as consignas dos pilares do projeto assim: Nação, Produção, Educação. Boa pegada, acrescendo Valorização do Trabalho.  No centro disso, está em primeiro lugar o papel do Estado para induzir o desenvolvimento nacional, carente de vigorosa agenda de Estado para democratizar as instituições, universalizar direitos da cidadania. É preciso recompor os fatores de dinamismo da economia nacional, que vem sendo abalados neste último ano, que implica em especial: a) recuperar a engenharia pública para o poder público elaborar projetos, planejar e conceber as obras – o que exige acelerar a leniência das empresas de grande engenharia envolvidas na Lava Jato; b) a vigorosa defesa da Petrobras e do Pré-sal sob regime de partilha e de políticas competitivas de conteúdo local.

31. Isto posto, medidas cruciais são:

32.  a.   Capacidade de induzir altas taxas de investimentos públicos e privados, financiando-os com o reposicionamento do papel do sistema financeiro público e privado, das estatais e, também, de concessões e parcerias público-privadas em sintonia com o desenvolvimento nacional. O BNDES é um grande trunfo estratégico, assim como as relações com os BRICS. Parte das reservas internacionais poderá ser utilizadas para o investimento. Esses passos exigem uma nova política macroeconômica que vise a promover investimentos em infraestrutura, inovação e na esfera social, reduzir estruturalmente a taxa real de juros, manter sob controle a trajetória da dívida pública e manter a moeda em patamares favoráveis ao crescimento.

33.  b.   Reverter a desindustrialização brasileira que também significa reverter a sua desnacionalização. Tanto Carlos Lessa quanto Gilberto Bercovici e Pedro Celestino (da ANE) o Brasil constituiu a mais avançada e bem sucedida cadeia industrial integrada em países periféricos – para Celestino, a cadeia ainda permanece. A industrialização foi a base para a mobilidade social ascendente, como visto no passado e requerido no presente. Uma economia exportadora de bens primários não alcança renda para distribuir a todos os brasileiros. Quem industrializou o país foi o Estado brasileiro; para Bercovici, um projeto nacional necessitará reestatizar empresas e setores. O Petróleo foi estratégico para a indústria, não como commoditie. O mesmo, em outras condições ocorreu na China e Índia, onde o Estado tem forte papel e as economias são mais fechadas em fazer a defesa de seus interesses. Afirma ainda que a desindustrialização é a base de todos os desinvestimentos correlatos em curso no país – não há por que produzir aço, energia, telecomunicações se não for para a indústria instalada ou a expandir. É uma deformação, nos lembra Bercovici, que o empresariado industrial não invista na indústria, mas direciona investimento para o sistema financeiro, ou seja, tem cultura rentista. Exemplos fortes disso: CSN tem 2 bilhões em caixa, mas não moderniza sua planta; “indústrias grandes” usaram dinheiro do BNDES para ampliar suas plantas fora do país. Do mesmo modo, indica, não adianta Ciência e Tecnologia sem indústria.

34.  b. Para a reversão, é preciso adotar regime de câmbio que impeça a apreciação do Real e outras medidas no mesmo sentido, com vistas a combater o que Bresser Pereira denomina a “doença holandesa”. Igualmente, é preciso recuperar o hiato da indústria brasileira rumo à quarta revolução industrial, com estratégias envolvendo educação, ciência, tecnologia e inovação. Na nova maioria política será preciso incorporar o pacto entre as forças e interesses do trabalho e da produção, isolando os setores rentistas nacionais e internacionais, os mais agressivos contra a soberania do país.

35.  c.   Valorização do trabalho e elevação da renda do trabalho. É a medida mais estrutural para reduzir a desigualdade social. A política de elevação do salário mínimo, nos governos Lula e Dilma, foi, de longe, a medida de maior impacto social no último ciclo, permitiu expandir o mercado interno e sustentar os espasmos de crescimento do PIB que verificamos.

36.  d.   Revolucionar a oferta de educação pública, de qualidade. A questão educacional é essencial para que as futuras gerações sejam dotadas de valores e maior civismo; tenham maior nível cultural e visão multilateral do mundo onde vivem. É importante fator de mobilidade social e base para a igualdade de oportunidades. Ademais, o nível educacional do conjunto da população é fator determinante para a produtividade geral da economia, e portanto, para o projeto de desenvolvimento.

37.  e.   Valorizar a Agricultura brasileira, desde o agronegócio até a agricultura familiar. Desde 2011 há crise na economia primária exportadora. Os alimentos vêm da agricultura familiar, não do agronegócio. O vasto território brasileiro, a abundância de água e sol, aliado à excelência científica e tecnológica de nossos institutos de pesquisa agrícolas, tem permitido que o Brasil seja um dos maiores produtores de alimentos e proteína animal, em contraste com a esdrúxula situação de poucas décadas atrás em que éramos importadores. O campo brasileiro é fator de pujança e força do poder nacional e permite nosso país jogar papel chave no equilíbrio e na segurança alimentar do mundo. Mas, pondera Bercovici, a agricultura não deve ser agronegócio, ou seja, só negócio e não agroindústria. O agronegócio gasta o que ganha, compra insumos das empresas multinacionais. Não é ligado à indústria, não tem interesse nas ferrovias para escoar produção porque tornou-se proprietária das frotas de caminhões.

38.  f.    Realizar as obras de infraestrutura que aumentam a competitividade brasileira, integrem o país e em sinergia com os vizinhos sul americanos – desenvolvimento da matriz energética, portos, estradas, ferrovias e de mobilidade urbana, visando escoamento da produção e integração nacional. O mesmo quanto a investimentos sociais, cadeia importante que estimula a economia e a formação de recursos humanos diferenciados. A base para isso é retomar a capacidade de investimento público – revendo o draconiano teto de gastos – e privado – reduzindo fortemente as taxas de juros -, ademais de reposicionar o sistema bancários e financeiro para financiar a expansão em infraestrutura.

39.  g.   Fortalecer a defesa nacional, aparelhando as FFAAs e estimulando a base industrial de Defesa. A base de nossa política nacional de Defesa deve ser desenvolvida. Primeiro, pela dupla missão de nossas Forças Armadas num país com nossas características, relativas, por um lado, à defesa da soberania e da integridade territorial, contra ameaças externas, e por outro lado, relativa a contribuição à coesão e a difusão dos valores cívicos e nacionais e a tarefas de integração nacional e contribuição ao desenvolvimento.

40.  h.   A transformação de nosso país precisará estar ancorada fortemente em ciência, tecnologia e inovação, sem o que, mostra a experiência internacional e a nossa própria trajetória de desenvolvimento no século XX, o desenvolvimento não é consistente. O Brasil erigiu esforços significativos para estruturar complexo e diversificado sistema de CT&I na segunda metade do século XX. No ciclo político recente, com decisiva contribuição de quadros de nosso Partido, avançamos a definição de arcabouço legal e institucional moderno para avançar ainda mais.

41.  i.    Nossa Política Externa deve estar voltada para uma dupla missão. Por um lado, de atuar para criar condições internacionais – no âmbito da transição em curso no sistema internacional – mais favoráveis ao curso de nosso projeto nacional de desenvolvimento, desarmando constrangimento e potencializando oportunidades. Por outro lado, o papel do Brasil é decisivo para impulsionar a multipolarização no sentido da reforma do anacrônico sistema vigente dos pós guerra fria, que não representa mais o balanço de forças no mundo contemporâneo. 

TERCEIRA PARTE

42.  Essa orientação comporta, como tudo em política, disputa de posições, ou seja, a unidade e luta entre as forças de afinidade progressista com as bandeiras da esquerda. Vasta unidade demanda vasta luta de ideias, diria. Alguns temas candentes são: a) a do caráter da Frente Ampla; b) a própria orientação a adotar quanto às eleições presidenciais já ou em 2018; c) o caráter da hegemonia necessária; d) os eixos estratégicos de um projeto para o Brasil e a centralidade da questão nacional e da unicidade do povo brasileiro. São questões que não unificam a esquerda e, às vezes, são antigas polêmicas.

43.  Vejamos um rápido panorama da esquerda política e social. O PT vem de seu importante Congresso. Faz movimentos de vulto para reerguer-se e tem em Lula um ativo político poderoso. Sua presidente proclama “volta às origens”, que inclui afirmar que se orgulha de não ter ido ao Colégio Eleitoral que derrotou a ditadura. Os balanços desse Congresso são variados entre as correntes, mas um certo denominador comum atribui a principalidade dos erros cometidos à condução de Dilma presidente e às alianças realizadas, que visa a manter a unidade do partido.

44.  Lula, perseguido odiosamente, é candidato a presidente da República. Precisa obter justiça na segunda instância para ver seus direitos garantidos. Sendo a âncora principal de esperança neste momento – embora as pesquisas não indiquem necessariamente uma previsão das eleições presidenciais – polariza todo o quadro político e é o grande candidato ou eleitor de 2018. Entretanto, insiste num discurso petista.

45.  O PDT tem Ciro candidato. Tem um projeto nacional em mente, por ora sem alianças, e joga no campo progressista. O PSB está em disputa: parte de sua bancada e força social busca reaproximar-se do campo da centro-esquerda. A FBP tem papel definido e forte na mobilização popular contra as reformas, por Diretas Já e Fora Temer, alinhada com a esquerda política, o PT e PCdoB. O Fórum das Centrais Sindicais, quando unido, é poderoso. A FPSM busca protagonizar uma nova candidatura presidencial, uma “nova esquerda” 

46.  Um tema é que, para agrupar forças excepcionais para a situação excepcional do país, é nevrálgica a concepção da Frente Ampla. Frente Ampla em defesa da soberania nacional, dos direitos do povo e da democracia não é frente ampla de esquerda apenas um pouco além da aliança PT-PCdoB, como prevalece entre a esquerda filo-petista. Nem tampouco União Nacional, como se não houvesse alvos a derrotar. Ela pode se dar no âmbito de uma pauta comum na resistência, sem caráter orgânico fixo, mas também pode adquirir organicidade se evolui a unidade, tendo uma intervenção política organizada em torno de uma agenda básica ou mínima imediata para o país, com forte frente de mobilização política da sociedade (já disponível) e, até mesmo, adquirir expressão eleitoral para sustentar uma candidatura presidencial unitária ou em alianças pactuadas em comum. 

47.  Isso incide sobre o segundo tema, as eleições presidenciais. Há três hipóteses básicas: a crise atual se arrasta e aprofunda, com ou sem Temer – no limite extremo põe-se em risco até mesmo as eleições em 2018; a crise fica larvando e se fazem eleições em 2018; a mobilização política do povo permitiria eleições diretas já. A mais provável, de longe, é o segundo cenário. Os atuais detentores do governo não se apresentarão fracos, ao contrário. Risco enorme, como já ressaltado, é descambar para a anti-política: nulos, brancos, abstenções e grande votação de candidatos arrivistas ou “não-políticos”. Isso posto, candidaturas presidenciais são legítimas e necessárias – o PCdoB também as almeja. Dada a situação de defensiva e acumulação de forças para a resistência, elas podem cumprir grande papel de esperança para o povo, como é o caso de Lula candidato. Mas começar por nomes de candidatos, sem uma agenda definida nem compartida com vastas forças para além da esquerda, dificulta a unidade. O risco é ficarem todos aprisionados numa tática que é reativa, (no interesse do PT), esperando 2018 em detrimento de maior união de forças. Nessas horas se revelam, ou não, a fibra e caráter político das grandes lideranças. O que se espera é visão estratégica: o Brasil está sangrando e a esquerda, sozinha, não pode salvá-lo. Nomes de candidatos derivam da reformulação programática e haverá hora apropriada para debatê-los unitariamente, tanto quanto possível.

48.  Como pano de fundo das opções dessas forças partidárias está o desenlace da reforma política nos próximos dois meses. Financiamento público poderá passar. Voto em lista fechada não reúne qualquer maioria. O sistema eleitoral do “Distritão” acabará de fritar o sistema partidário e salvará alguns dos atuais deputados da base: é o que mais beneficia o PMDB e o centrão. O melhor recuo seria manter o voto em lista aberta, com o ganho estratégico de manter o sistema proporcional. O Distritão com futuro distrital misto, opção tucana, está marcado para elitizar ainda mais o sistema partidário, onde o PT espera reunir mais forças em torno de si, e junto com o PMDB e PSDB seguirem polarizando um sistema político cujo ciclo já se esgota. O PCdoB depende vitalmente da configuração final da reforma. De todo modo, reforma mesmo para um novo ciclo político ficará para após devolver a soberania do voto popular.

49.  Em todos os casos incide o terceiro tema, sobre o caráter da hegemonia. Se sinalizar hegemonismos, próprios de projetos de poder exclusivista, não há unidade. Se a luta prevalece sobre a unidade, não há frente. Se houver só unidade descaracterizam-se as forças integrantes. Hegemonia é o centro da estratégia e é ciência e arte construí-la como liderança política, intelectual e moral do bloco histórico, que se sobreponha aos interesses partidistas, sem negá-los, invoca clareza estratégica e justas concepções táticas. Imaginemos uma situação em que se propõe uma formação política e social frentista, como foi a ANL, por exemplo. Vou chamar a hipótese de um “Congresso do Povo” que encabeçasse o debate e formulação de uma agenda para tirar o país da crise e pudesse, até mesmo, se apresentar como alternativa eleitoral unitária ou de unidade pactuada em 2018. O que seria melhor para o país? O que seria melhor para a esquerda? Por que não é levantada essa bandeira, exatamente? Casos como esse ocorreram quando os comunistas eram força hegemônica na esquerda: desde Dimitrov na Europa e a ANL no Brasil em 1935, às revoluções da China e Vietnã, até os exemplos ainda remanescentes do Frente Amplio do Uruguai e o CNA da África do Sul e representaram grande avanço histórico!

50.  Entretanto, o mais difícil sempre foi decifrar a esfinge dos eixos estratégicos da revolução brasileira para a consecução de um projeto para o Brasil. É nosso último tema. O PCdoB tem balizas estratégicas e programáticas para se orientar nesse grande embate. Suas raízes estão fincadas desde 1922 na luta antiimperialista, democrática e social. Com as atualizações necessárias face à evolução brasileira, persistiram na reorganização revolucionária de 1962 e foram aprimoradas em sucessivas fases até o Programa Socialista vigente hoje. O centro desse Programa é o de um NPDN, e no DNA comunista entrelaçam-se três eixos estratégicos para essa gesta: a luta pelo desenvolvimento autônomo e soberano do país, de nítido caráter anti-imperialista; a luta popular contra a desigualdade social e pelos direitos sociais; a luta pela profunda democratização do Estado e da sociedade. O PCdoB tem sua história entrelaçada a esses eixos.

51.  Hoje, com a derrota estratégica do socialismo e na luta por engendrar uma nova luta pelo socialismo, a globalização neoliberal segue como ameaça em subordinar o país aos países centrais imperialistas, mas, como já referido, aumentou a margem de manobra do país para sua autodeterminação. Por isso, tem centralidade a questão nacional, a saber, a do desenvolvimento e do fortalecimento do Estado Nacional como impulsionador do desenvolvimento soberano, fonte da autodeterminação do país. Tal luta representa forma da luta de classes aguda no mundo contemporâneo, antiimperialista e anti-neoliberal. É a forma que permite compor em torno de si os eixos da luta de classes democrática e pela cidadania, a luta social e contra a desigualdade social, pois estas só se realizam mediante a integração a um projeto de desenvolvimento soberano. Não se produz maior igualdade de condições sociais num país neocolonizado ou dependente; não se produz renda suficiente para distribuir em uma economia exportadora de produtos primários; não se produz democracia e cidadania sem ambos esses componentes. Não avança o projeto nacional sem desenvolvimento e não avança o desenvolvimento sem o papel do Estado. Em suma, é internacionalista a luta pelo fortalecimento da soberania nacional plena num país submetido à dependência neocolonial.

52.  Sempre esteve no âmago dessas polêmicas o papel da burguesia brasileira. Ela não mostra propensão à altura para dirigir um projeto nacional com a índole proposta. Tem baixo sentimento nacional e sabe-se sem forças para enfrentar grandes corporações mundiais com a proteção de seus respectivos Estados nacionais. Atua como classe coesa no conflito distributivo – central na relação entre a burguesia e os trabalhadores, a luta lucros X salários. Mas as ameaças e impasses da globalização, assim como a margem de manobra que isso abre para o país, já referida, a coloca uma disjuntiva, soçobrar como  “burguesia importadora” com interesses apenas rentistas e voltados para o exterior, ou persistir em manter-se na esfera da acumulação interna – ainda que em íntima relação de dependência com a esfera financeira – defendendo o cobiçado mercado interno brasileiro e afirmar-se na dura competição internacional sob as cadeias globais de produção. No setor produtivo e mesmo no setor financeiro nacional – porquanto ainda dominado por estatais ou grupos nacionais – esse conflito é visível já que grandes corporações podem alienar por completo seus interesses empresariais.

53.  É longa a história da diáspora na esquerda brasileira sobre esse tema. No período de modernização conservadora acelerada no país, após 1930, a hegemonia na esquerda era constituída pela estratégia nacional-popular, onde prevaleceu o trabalhismo (entre suas facções à direita, centro e esquerda) e os comunistas, que a ligaram indissoluvelmente à questão democrática e que nem sempre acertaram em relação ao sentido da gesta de Getúlio Vargas. O PCB se perdeu não apenas devido à crise ideológica no campo comunista, mas também por abandonar o Programa de 1954 em função da Declaração de Março, cuja démarche foi entronizar a questão democrática – depois considerada valor universal – e abandonar o campo nacional-popular. Quanto aos antigos pecebistas, boa parte de seus quadros derivou à direita (Goldman, Aloysio Nunes, Roberto Freire etc).

54.  Isso daria frutos até a luta contra a ditadura, quando se exacerbou a questão democrática, em duas vertentes da social-democracia: à direita, o PSDB, depois partido dos interesses rentistas no país; à esquerda, o PT, com forte eixo social – demonstrado durante os 13 anos de governo. A tônica no eixo democrático e social fez-se hegemônica no ciclo da Nova República. PT e PSDB polarizaram a política nacional desde então, sendo o PT o partido mais vigoroso da esquerda. (Claro que outros fatores contingentes atuaram nessa direção, sobretudo os graves atentados contra o PCdoB e a prolongada clandestinidade de 63 anos no total de sua existência já quase centenária.

55.  Por isso não deixa de ser curioso ou confuso o argumento de “volta às origens” proclamado pelo PT. Werneck Vianna e Haddad, ambos numa perspectiva weberiana, indicam as dificuldades de avaliar a trajetória do PT. Vianna afirma que o PT se perdeu quando abandonou a estratégia democrática e social, rompendo a possibilidade de alternância com o PSDB, tendo voltado ao “nacional-popular” com o lulismo – daí a volta às origens! Haddad, por sua vez, diz que o PT errou estrategicamente porque abandonou a luta central do Brasil, contra o patrimonialismo: ao invés da crítica às ilusões sobre o caráter do Estado, teria aderido ao papel tradicional de fazer política e aberto mão de seu principal eixo estratégico – daí a volta às origens. É algo relacionado ao fato de que a esquerda, transformada pela luta democrática contra a ditadura, acaba por aderir a teses anti-Estado, de verniz liberal, que está na raiz comum do PT/PSDB. Quem explora bem isso é o José Luis Fiori. O ranço antimilitarista confunde-se com a pregação do fim da era Vargas e no argumento sobre o patrimonialismo.

56.  Evidentemente, em meio a unidade e luta, o PCdoB também sofreu os efeitos do hegemonismo do PT (foram sempre governos do PT, pois não?) e não demarcou suficientemente com alguns desses erros. Isto vem ao fina, porque o mais importante para nossa argumentação é a conclusão sobre nossa identidade, não suficientemente realçada. Identidade do PCdoB invoca a representação dos trabalhadores, de caráter revolucionário (mesmo quando persegue reformas), a marca de comunista, marxista e leninista, o partido do socialismo, dotado de concepção tática ampla, radical e flexível a um só tempo, forjador de grandes frentes táticas ou estratégicas. Mas, no curso da luta política, invoca sobretudo o que propõem à sociedade, firmado em seu Programa. Essa é a questão vital que permanece: a relevância política do PCdoB está em ocupar um lugar definido e saliente em torno de sua proposta programática, tendo por centro o NPDN, e dar a isso dimensão de massa, intelectual e eleitoral. A assimilação do Programa para a atuação cotidiana, em todos os terrenos, foi uma batalha ainda não vencida pelos comunistas. 

57.  Uma outra chave, paralela a essas reflexões, é o da unicidade do povo brasileiro, que envolve grande esforço de debate político e luta de ideias na luta social. O Brasil acumulou enormes desigualdades sociais e regionais em sua formação, deformações mesmo no seio da sociedade marcada por prolongado escravismo e patriarcalismo, que redundam, hoje mais que nunca, em lutas das mais variadas índoles, ligadas às identidades, reparações, emancipação, direitos civis e difusos variados. Representam contradições no seio do povo e que precisam ser incorporadas e ligadas a um projeto nacional de desenvolvimento que lhes dê guarida.

58.  As causas são justas e inevitáveis, mas se prestam cada vez mais a estratégias políticas que negam um projeto de nação e a própria unicidade do povo brasileiro. Sobretudo na luta social, os comunistas devem disputar justas estratégias junto a essas causas e segmentos sociais. Hoje há novas forças à esquerda que radicalizam todo o “retorno às origens” do PT (PSOL), mas também promove “novas” estratégias que reforçam a luta em torno de coletivos de subjetividades e identidades, condenam o “fetichismo da classe trabalhadora” dos partidos da esquerda tradicional e sua vocação ao poder de Estado. Tentam, contra toda a implausibilidade, explorar a negação da política largamente hegemonizada pelos conservadores, em nome de uma pregação moralista que não apresenta nenhum projeto de nação para o povo brasileiro.

59.  É hora de terminar. Para o PCdoB a unidade é a bandeira da esperança. Na história brasileira, quando se uniram vastas forças com clareza de objetivos e unidade de ação no rumo do interesse maior do Brasil e do povo, elas venceram. O caminho de uma frente ampla de índole nacional, popular e democrática, centrada em retomar em novas condições o projeto nacional de desenvolvimento, revela clareza estratégica e tática, pelo que é respeitado e prestigiado o PCdoB. Mas ele precisa ter força para disputar esse rumo junto à esquerda, a sociedade e os setores vitais da nação brasileira, no rumo de uma Frente Ampla para a resistência ao descalabro brasileiro e um novo projeto nacional de desenvolvimento. É nisso que devemos ser capazes de nos diferenciar e afirmar nossa identidade própria.