A ascensão do autoritarismo

A radicalização reacionária dos governos de países como Paraguai, Argentina, Brasil, México ou Honduras começa a gerar polêmica em torno de sua caracterização.  
Nenhum desses regimes resultou de golpes de estado militares, ainda que os casos de Brasil, Honduras e Paraguai tenham surgido através de novos tipos de golpe de Estado, baseados em paródias constitucionais protagonizadas pelos respectivos poderes legislativos – e, quando necessário, em combinação com os poderes judiciário e midiático. No Brasil, a Presidência passou a ser exercida pelo outrora vice-presidente Michel Temer (alçado por um golpe parlamentar), cujo nível de aceitação popular, segundo diversas pesquisas, não vai além dos 3 % da cidadania. No Paraguai ocorreu algo semelhante: o presidente foi derrubado pelo Congresso e substituído por um vice que trabalhou, nas eleições seguintes para a posterior vitória eleitoral de Horacio Cartes, um dos principais arquitetos do golpe e figura de ultradireita claramente vinculada ao narcotráfico.

Em Honduras realizou-se eleições presidenciais em novembro de 2017, na que a “Aliança de Oposição contra a Ditadura” venceu claramente. Contudo, o governo mostrou que o rótulo lhe cai bem e consumou uma das fraudes mais escandalosas que o continente já viu, para decretar a continuidade do ditador Juan Orlando Hernandez.

O caso da Argentina talvez seja o mais curioso. As eleições presidenciais aconteceram em 2015, em meio a uma avalanche midiática, econômica e judicial sem precedentes contra o governo e favorável ao candidato direitista Mauricio Macri. O resultado foi a vitória de Macri por uma pequena margem. Assim que assumiu o cargo, o novo presidente avançou sobre os demais poderes do Estado, e criando um cenário de grande concentração de poder, ao qual se deve reconhecer também a evidente cumplicidade dos meios de comunicação e o apoio do poder econômico, que o leva a ter uma capacidade de controle própria de uma ditadura. Para completar o panorama, o comportamento cada vez más repressivo do governo argentino, que, pela primeira vez desde o fim da ditadura militar, em 1983, decretou a intervenção das Forças Armadas em um conflito interno, através de uma recém constituída “força militar de ação rápida”, integrada por soldados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, além da conformação de uma força operativa conjunta com a DEA (sigla em inglês da Agência Antinarcóticos dos Estados Unidos), utilizando a justificativa da “luta contra o narcotráfico e o terrorismo” . Desse modo, a Argentina se incorpora a uma tendência regional imposta pelos Estados Unidos, de reconversão convergente das Forças Armadas convencionais, polícias e outras estruturas de segurança em policias-militares capazes de “controlar” as populações desses países. Não seguindo o velho estilo conservador de quarteladas, inspirado na “doutrina de segurança nacional”, mas sim estabelecendo espaços sociais caóticos imersos no desastre, precisamente atravessados pelo narcotráfico (promovido e manipulado pelo andar de cima) e outras formas de criminalidade dissociadora, agora baseadas na doutrina da Guerra de Quarta Geração.

No México, como sabemos, se sucedem governos fraudulentos imersos numa crescente onda de barbárie, enquanto a Colômbia convive com uma abstenção eleitoral tradicionalmente majoritária, que chegou recentemente a cerca de dois terços do padrão eleitoral – um panorama adornado pelo muito elogiado Processo de Paz, que levou à rendição das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, agora transformadas em partido político), mas que não mudou a dinâmica de assassinatos políticos e concentração de renda no país. Nestes dois casos, não nos encontramos diante de algo “novo”, mas sim de regimes relativamente velhos que foram evoluindo até chegar hoje a constituir verdadeiros exemplos bem sucedidos da aplicação das técnicas mais avançadas de desintegração social. A tragédia desses países mostra aos que recém chegaram ao inferno o que o futuro lhes reserva.

O panorama fica completo com as tentativas de restauração reacionária na Bolívia e na Venezuela. No caso venezuelano, a intervenção direta dos Estados Unidos busca recuperar (recolonizar) a maior reserva petroleira do mundo no momento em que o reinado do petrodólar (fundamento da hegemonia financeira global do Império) entra em declínio rapidamente, devido à ascensão da China, o maior comprador internacional de petróleo, que busca impor sua própria moeda, respaldada pelo ouro (o petro-yuan-ouro), em aliança precisamente com a Venezuela e outros gigantes do setor energético, como Rússia e Irã.

Na Bolívia, o aparato de inteligência imperial realiza uma de suas conhecidas missões de manipulação, inspirada na doutrina da Guerra de Quarta Geração. Coloca em ação seus apêndices midiáticos locais e globais, tentando criar histeria (neste caso racista) de setores importantes das classes médias brancas e mestiças contra p presidente indígena. Não se trata somente de varrer um governo progressista do mapa, como também de se apropriar das reservas de lítio, as maiores do mundo (segundo diferentes prospecções, a Bolívia contaria com aproximadamente 50 % das reservas de lítio do planeta), peça fundamental na futura reconversão energética global.

Principais características

As atuais ditaduras têm novas características: tentam apresentar uma imagem mais “civil”, com aparente respeito aos ritos constitucionais, mantendo um calendário eleitoral com pluralidade de partidos e outras qualidades de um regime democrático de acordo às regras ocidentais. Por outra parte, não nos encontramos diante de mecanismos explícitos de censura, e se escutam algumas vozes divergentes podem atuar, ainda que marginalmente. Os prisioneiros políticos passam quase sempre por julgamentos onde os juízes os condenam de forma arbitrária, mas aparentando conformidade com as normas legais vigentes. Os assassinatos de opositores são minimizados ou ocultados pelos meios de comunicação, cuja narrativa busca alimentar a confusão onde se diluem as culpas estatais, amalgamando de forma sistemática os crimes políticos e as violências policiais contra pobres, pequenos delinquentes sociais e repressões aos protestos populares

Essa máscara democrática, organizadamente caótica, termina sendo o que realmente é: uma máscara. Para entender isso, basta constatar que os meios de comunicação, transformados em instrumentos de manipulação total da população, estão controlados por monopólios como o grupo Clarín na Argentina, as Organizações Globo no Brasil ou a empresa Televisa no México, cujos proprietários formam parte do estreito círculo do poder. Ou concluir que o sistema judiciário está completamente controlado por esse círculo do qual participam os principais interesses econômicos (multinacionais) discretamente custodiados pelo aparato policial-militar. Os partidos políticos significativos, os meios de comunicação, as grandes estruturas sindicais e outros espaços de potencial expressão da sociedade civil estão estrategicamente controlados (apesar de certos descontroles táticos) a partir de um bem montado mecanismo de repressão, chantagem, crimes seletivos, abusos judiciais, bombardeios midiáticos avassaladores e dissociadores (ou disciplinadores), fraude eleitoral mais ou menos descarada (segundo o problema concreto a resolver), etc.

O novo panorama provocou uma notável crise de percepção, onde a realidade choca com princípios ideológicos, conceptualizações e outras componentes de um “sentido comum” herdado do passado. Não somos vítimas de um rígido enquadramento da população com pretensões totalitárias explícitas na anulação de toda possibilidade de dissenso, buscando integrar o conjunto da sociedade a um simples esquema militar, senão de sistemas flexíveis, emaranhados que não tentam disciplinar a todos e sim desarticular, degradar a sociedade civil tornando-a uma vítima inofensiva, atordoada pela tragédia.

As novas ditaduras não representam projetos nacionais exagerados, próprios dos militares “salvadores da pátria” de outros tempos, ou imagens sinistras como a de Pinochet, tampouco discursos hiperotimistas como o dos globalizadores neoliberais dos Anos 90, ou personagens cômicos como Carlos Menem. Agora é a vez dos presidentes sem carisma, geralmente torpes, chatos, repetidores de frases banais preparadas por assessores de imagem, e que conformam uma rede regional globalizada de “formadores de opinião” made in USA.

Em suma, as ditaduras blindadas e triunfalistas do passado parecem ter sido substituídas pelas protoditaduras cinzentas, que oferecem pouco ou nada à população, protegidas pelo rolo compressor midiático. Por trás (ou, na verdade, por cima) desses fenômenos sempre está o aparato de inteligência dos Estados Unidos e os de alguns dos seus aliados. A CIA (sigla em inglês do principal serviço de Inteligência dos Estados Unidos), a já mencionada DEA, o MOSSAD (serviço de Inteligência israelense), o MI6 (serviço secreto do Reino Unido), dependendo de cada caso, são os que manipulam os ministérios de Segurança, ou de Defesa, ou de Relações Exteriores, as grandes estruturas policiais desses regimes vassalos, e também desenham estratégias eleitorais fraudulentas e táticas de repressão pontuais.

Capitalismo de desintegração

São forjadas assim as complexas articulações dos sistemas de dominação que convertem as elites locais (midiáticas, políticas, empresariais, policial-militares, etc) em aparatos externos integrantes do sistema de poder dos Estados Unidos.

Estas forças dominam sociedades marcadas pelo que poderia ser qualificado como “capitalismo de desintegração”, baseado no saque dos recursos naturais, na especulação financeira, na crescente marginalização da população, e tudo isso de uma forma radicalmente diferente dos velhos capitalismos subdesenvolvidos estruturados a partir das atividades produtivas (agrárias, mineiras, industriais). Não se trata de desconhecer que o velho sistema também estimulava o saque de recursos, ou o banditismo financeiro, embora este segundo tema, ainda que ocupasse espaços no centro do cenário político em alguns países, geralmente era deixado em segundo plano. Não se pode negar, portanto, que a mega exploração da mão de obra e a concentração dos lucros também estavam entre os principais objetivos econômicos diretos daquelas ditaduras.

Tampouco se pode afirmar que as elites dominantes de agora não se interessam pela questão dos salários ou da propriedade da terra. Pelo contrário: desenvolvem um amplo leque de estratagemas destinados a reduzir os salários reais e ocupar territórios. Nos velhos capitalismos, não havia somente produção, mas também especulação e saque. Já o sistema atual tem a base produtiva em retração, devido à pilhagem de desmedida, como uma importantíssima fonte de benefícios. Entretanto, sua preservação e sua reprodução em longo prazo não está no centro das preocupações cotidianas das elites capturadas psicologicamente pela dinâmica parasitária da especulação financeira e seus negócios turvos. Entre outras coisas, porque no atual imaginário burguês já não há espaço para o longo prazo. Suas operações mais importantes estão regidas pelo curto prazo lumpecapitalista. O saque de recursos naturais através da mega mineração a céu aberto, da extração de gás e petróleo de xisto ou da agricultura baseada em transgênicos, todas essas atividades utilizam tecnologias orientadas pela velocidade do ritmo financeiro a serviço de gente que não tem tempo nem vontade de se dedicar a temas como a saúde da população afetada, o equilíbrio ambiental e outras áreas impactadas pelos “danos colaterais” do sucesso empresarial (financeirização do avanço tecnológico, a cultura técnica dominante como auxiliar da pilhagem).

Estes capitalismos de desintegração são conduzidos por elites que podem ser caracterizadas como lumpenburguesias, ou burguesias meramente parasitárias, transnacionalizadas, financeirizadas, oscilando entre o legal e o ilegal, crescentemente dissociadas da produção. São instáveis, não por acidentes da conjuntura, mas sim por sua essência decadente. Por cima delas se encontram as grandes potências e suas elites, embarcadas há tempos no caminho da degradação, num planeta onde os produtos financeiros derivados representavam sete vezes o Produto Interno Global (no fim de 2017), onde somente cinco grandes bancos estadunidenses dispõem de “ativos financeiros derivados” equivalentes a 250 trilhões de dólares (treze vezes o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos), o que significa dizer que a soma da riqueza das oito pessoas mais ricas do mundo é equivalente ao de 50 % da população mundial (os mais pobres).

A formação e incubação dessas elites latino-americanas são o resultado de prolongados processos de decadência estrutural e cultural, de um subdesenvolvimento que incluiu, já há várias décadas, componentes parasitários que se foram se apropriando do sistema, dilapidando, envenenando, apodrecendo, seguindo a lógica determinante do capitalismo global, não de forma mecânica, mas sim impondo especificidades nacionais próprias de cada degeneração social.

Por baixo dessas elites estão as populações fragmentadas, com trabalhadores que estão integrados às normas trabalhistas vigentes estando cada vez mais distanciados trabalhadores informais, precários. Com massas crescentes de marginais urbanos, de pobres e indigentes estigmatizados pelos meios de comunicação, desprezados por boa parte das classes integradas, que vão ficando cada vez menores, à medida em que avançam os processos de concentração econômica e pilhagem das riquezas.

Não se trata, portanto de espaços sociais estancados, segmentados de maneira estável, e sim de sociedades submetidas à reprodução ampliada da rapinagem elitista transnacionalizada, ao processo interminável de transferências de renda dos de baixo para os de cima, e para o exterior, a degradação ascendente da qualidade de vida das classes baixas, mas também de porções crescentes das classes médias.

Alguns autores se referem ao fenômeno qualificando-o de “neoliberalismo tardio”, algo assim como um regresso aos paradigmas ideológicos neoliberais que tiveram seu auge nos Anos 90, mas num contexto global desfavorável a este retorno (ascensão do protecionismo comercial, declínio da hegemonia dos Estados Unidos, etc). Nos encontraríamos então diante de uma aberração histórica, um contrassenso econômico e geopolítico protagonizado por círculos dirigentes obcecados por sua subordinação ao Império norte-americano, interrompendo a marcha normal, racional, progressista e despolarizante que predominava na América Latina durante a década passada. As direitas latino-americanas se encontrariam embarcadas num projeto que vai na contramão da evolução do mundo.

Porém, o mundo não se encaminha na direção de uma nova harmonia, um novo ciclo produtivo, e sim de um aprofundamento de uma crise de longa duração, iniciada há quase meio século. A mesma se caracteriza, entre outras coisas, por uma tendência de queda das taxas de crescimento das economias capitalistas centrais tradicionais e a hipertrofia financeira (financeirização da economia global) impulsando a quebra de normas, legitimidades institucionais e equilíbrios socioculturais que asseguravam a reprodução da civilização burguesa apesar das turbulências políticas ou econômicas. A mutação parasitária-predadora do capitalismo tem em seu centro o Ocidente, articulado em torno do Império norte-americano, e envolvendo também o conjunto da periferia, afetando também as potências como China e Rússia, muito dependentes de suas exportações, para as quais os mercados da Europa, dos Estados Unidos e do Japão são essenciais. É assim que a taxas de crescimento do Produto Interno Bruto da China passaram a uma tendência de desaceleração, e a economia russa se encontra oscilando entre a recessão, a paralisia e o crescimento anêmico.

Um aspecto essencial da nova situação global é o carácter abertamente devastador das dinâmicas agrárias, mineiras e industriais motorizadas tanto pelas potências tradicionais como pelas emergentes, cujos efeitos deixam de ser uma possível ameaça futura para se transformar num desastre presente que se amplifica ao após ano, e já se tornou tragédia iminente.

Tudo isso deveria nos levar à conclusão de que os regimes reacionários da América Latina não têm nada de tardio, de desatualizado, de historicamente fora de lugar, senão que são a expressão da podridão radical de suas elites, de sua mutação parasitária enlaçada com um fenômeno global que as inclui. O que nos permite descobrir não só a fragilidade histórica, a instabilidade dessas burguesias, tão prepotentes (e vorazes) quanto doentes, além das vãs ilusões progressistas negadoras da realidade, que ao qualificar de tardio o lumpencapitalismo dominante, o aceitam como algo anormal, anômalo, a alimentando a esperança do retorno à “normalidade” de um novo ciclo de prosperidade na região, mais ou menos keynesiano, mais ou menos produtivo, mais ou menos democrático, mais ou menos razoável, nem muito à direita nem muito à esquerda, nem tão elitista nem tão populista. O sujeito burguês desse horizonte burguês fantasioso é um produto da imaginação, a marcha real do mundo o transformou num habitante fantasmagórico da memória. Enquanto isso, os grandes “empresários”, os círculos concretos de poder, se entregam de corpo e alma à orgia da devastação, desinteressados pelo longo prazo e o desastre social e ambiental que geram, indiferentes à racionalidade progressista (considerada um estorvo, uma trava populista ao livre funcionamento do “mercado”).

Reações populares e aprofundamento da crise

A grande incógnita é a que se refere ao futuro comportamento das grandes maiorias populares que foram afetadas, tanto do ponto de vista econômico como do cultural, pela decadência do sistema. As elites aproveitaram a desestruturação, as irracionalidades sociais geradas por um fenômeno perverso que atravessou tanto as etapas direitistas quanto as progressistas. Durante os períodos dos governos de direita, liderados por civis ou militares, foram promovidos e garantidos privilégios e abusos de todo tipo, afirmando um “sentido comum“ egoísta, dissociador, que subestimou as identidades culturais solidarias. Mas quando chegaram as experiências progressistas, essas elites utilizaram a degradação social existente, a fragmentação neoliberal que herdaram (enlaçada, em alguns casos, com tradições de marginação muito enraizadas), para impulsar irrupções racistas e neofascistas das classes médias, e às vezes atingindo também os extratos médio-baixos, onde se encontram os pequenos comerciantes e o assalariado integrado (que se sente por cima do assalariado marginado, do precarizado).

Assim, vimos como no Brasil, na Argentina, na Bolívia e na Venezuela como se organizaram mobilizações histéricas de classes médias urbanas neofascistas exigindo as cabeças dos governantes “populistas”. Grupos manipulados pelos meios de comunicação e pelos poderes econômicos que o progressismo havia respeitado, como se isso fosse a condição para pertencer ao sistema (o que depois seria admitido abertamente, silenciado ou negada de forma superficial ou insuficiente).

Agora, as chamadas restaurações conservadoras ou direitistas não estão restaurando o passado neoliberal, e sim instaurando esquemas de devastação nunca antes vistos. Puderam triunfar graças às limitações e covardias de progressismos encurralados pelas crises do sistema que eles pretendiam melhorar, reformar ou, em alguns casos, superar de forma indolor, gradual, “civilizada”.

Mas as crises nacionais não se interrompem, pelo contrário são incentivadas pelos comportamentos saqueadores das direitas governantes, que insistem nas táticas dissociadoras, na confusão coletiva, buscando gerar o ódio social aos pobres. Os meios de comunicação trabalham a pleno vapor atrás de esses objetivos, e como a queda da economia avança empurrada pelas políticas oficiais e pela marcha da crise global, as manipulações midiáticas começam a mostrar-se impotentes diante da maré ascendente de protestos populares. A virtualidade do marketing neofascista começa a ser derrotada pela materialidade das penúrias não só dos pobres como também da classe média, que passa a sofrer com o empobrecimento. Males materiais que, ao se amplificarem, abrem a porta para a rebeldia daqueles que nunca foram enganados e dos que agora se sentem traídos. É assim no Brasil, onde o repúdio popular ao governo de Temer é assombroso, ou na Argentina, onde a imagem que a mídia construiu para Macri começa a se diluir, à medida em que aumentam as demonstrações de insatisfação da cidadania.

A repressão, a militarização dos governos de direita aparece então como alternativa de governabilidade, as dinâmicas ditatoriais desses regimes vão engendrando dispositivos policiais e militares com a esperança de controlar os de baixo, as máquinas de “cooperação hemisférica” vão funcionando com cada vez maior intensidade: operações conjuntas com a DEA, fornecimento de armamento e capacitação para o controle de protestos sociais, multiplicação de estruturas repressivas nacionais e regionais monitoradas pelos Estados Unidos.

Se trata de um combate com final aberto entre forças sociais que buscam sobreviver, e que, ao fazê-lo, podem chegar a engendrar vastos movimentos de regeneração nacional, radicalmente antissistema, e elites degradadas e instáveis, dependentes do amo imperial (que reserva a si o direito de intervenção direta, se as circunstâncias o requerem e permitem), estimuladas por um niilismo portador de pulsões tanáticas.

Publicado em Carta Maior