Os principais integrantes dessas classes hegemônicas são grandes proprietários rurais; donos de grandes bancos e instituições financeiras; proprietários de grandes empresas industriais e de serviços; donos de grandes meios de comunicação; os principais rentistas; executivos de grandes empresas nacionais e estrangeiras; seus representantes no Poder Legislativo, no Poder Executivo e no Poder Judiciário.

No caso do Brasil, como no de outros países, desenvolvidos ou não, exemplos desse comportamento são:
 

– as práticas de “engenharia financeira” para evitar ou reduzir o pagamento de impostos;

– a pressão sobre os Governos para reduzir legalmente os impostos que incidem sobre os mais ricos;

– a evasão de impostos;

– os recursos enviados e depositados em “paraísos fiscais”, em geral decorrentes de atividades ilícitas;

– as fraudes praticadas por empresas para obter contratos públicos e em sua execução;

– a conivência dos grandes bancos com a movimentação de recursos provenientes de atividades ilícitas, inclusive do narcotráfico;

– o financiamento de campanhas políticas para eleger indivíduos que vêm a constituir bancadas no Congresso para a defesa de legislação de interesse econômico e político dessas classes hegemônicas.

A sociedade brasileira, composta em sua esmagadora maioria por trabalhadores urbanos (empregados, desempregados e subempregados); trabalhadores rurais sem terra e pequenos proprietários rurais; indivíduos “excluídos”, que recebem o Bolsa Família, cujo valor pode variar de 85 a 195 reais por mês; indivíduos sem teto nas cidades; e, finalmente, a classe média de baixa renda, é extraordinariamente honesta e trabalhadora.
O Brasil não é uma sociedade corrupta pois os brasileiros, em sua enorme maioria, não são corruptos e, ao contrário, são vítimas da corrupção e das práticas ilegais das classes hegemônicas.
A luta contra as ações ilegais praticadas contra o Estado e a sociedade e contra a corrupção é de grande importância, pois em sociedades com extremas desigualdades sociais, a começar pelas de renda e riqueza, somente o Estado pode executar políticas redistributivas, pois as empresas, ONGS e indivíduos não têm a capacidade legal e financeira para atender ao número enorme dos atingidos pelos efeitos das desigualdades.
Todavia, a luta contra a corrupção não pode ser feita contrariando a legislação, e muito menos a Constituição Federal, nem com objetivos políticos.
A “politização” da ação e a publicidade de opiniões na imprensa de membros do Poder Judiciário em todos os seus níveis, desde as Varas de Primeira Instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), de procuradores individuais até a Procuradora Geral da República (PGR) e de agentes da Polícia Federal têm levado a práticas e decisões que agridem os princípios fundamentais do Direito e violam os direitos dos cidadãos.
A pretexto do “excesso” de recursos legais, que pode levar à prescrição de ações, e de atender ao anseio público por “moralidade” e “punição”, juízes de primeira instância, cujo principal expoente é o Juiz Sérgio Fernando Moro, da 13º Vara Criminal Federal em Curitiba, com o auxílio de alguns Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e de agentes da Polícia Federal, cometem uma gama de ilícitos para conseguir extrair delações que acusem determinados indivíduos em troca da liberdade e da redução de penas excessivas impostas por aqueles juízes.
Essas delações são vazadas seletivamente para a imprensa ainda que sequer as investigações tenham sido iniciadas e menos ainda concluídas, ou que haja qualquer sentença definitiva condenatória.
As delações que são “extraídas” através de prisões injustificadas e de longa duração e da imposição em Primeira Instância de penas extraordinariamente longas são delações de indivíduos que, para obter redução de pena, confessam, sob pressão, serem criminosos e que denunciam, muitas vezes sem provas, supostos cúmplices, em especial políticos.
Enquanto isto, os vazamentos ilegais permitidos pelo juiz Sérgio Fernando Moro, e tolerados pelos Tribunais Superiores, insuflam a “opinião pública” contra os indivíduos mencionados em trechos, selecionados, de delações tornados públicos, com estardalhaço, pela imprensa a qual passa a exigir a sua condenação pelo Judiciário.
A Operação Lava Jato, com o consentimento informal das altas instâncias do Poder Judiciário, tem cometido as seguintes infrações legais:
– a ação judicial a partir do argumento de que os “fins justificam os meios”;

– a desmoralização e humilhação pública, por agentes policiais, de suspeitos e acusados (condução

– coercitiva, uso de algemas, ostentação de força);

– a tortura psicológica, com aspectos físicos, (longas prisões, sem culpa formada) com o objetivo de extrair confissões e delações;

– desvirtuamento do uso da prisão provisória;

– a intimidação, através da imposição de penas absurdas, daqueles que são acusados por delatores;

– o vazamento seletivo de trechos de delações, de documentos e de informações sigilosas;

– a “convicção de culpa” arguida pelos juízes como fundamento para condenar acusados;

– a desobediência ao princípio constitucional de presunção de inocência, que é o princípio básico do Estado de Direito, e que deve ser obedecido do início das investigações até o trânsito em julgado de sentença penal;

– a transferência para o acusado do ônus da prova;

– a aplicação absurda da teoria do “domínio do fato”;

– o desrespeito ao amplo direito de defesa;

– o desrespeito à garantia de imparcialidade da jurisdição;

– a sonegação de documentos à defesa de acusados;

– a violação da privacidade da família dos acusados;

– a extensão à família do acusado das consequências sociais da divulgação de suspeitas e acusações;

– a execração pública de delatados, indiciados e réus e a incitação da opinião pública contra esses indivíduos;

– a desobediência ao princípio da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas (Art. 5°, inciso X, da Constituição Federal).

A pretexto do combate à corrupção, à imoralidade, à morosidade dos processos na Justiça e à impunidade, essas práticas têm contribuído para a destruição dos fundamentos do sistema judiciário e de garantias individuais.
A Constituição Federal determina os casos de perda ou suspensão de direitos políticos:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
III. condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
V. improbidade administrativa, nos termos do art. 37, parágrafo 4.

Art. 37. Parágrafo 4:
Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos (…).

A perda dos direitos políticos e de direitos civis, como a liberdade, somente pode ocorrer ao indivíduo que seja considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Todavia, a lei 135, chamada de Ficha Limpa, enumera uma série de situações em que a condenação em segunda instância, por um tribunal colegiado, pode acarretar a perda dos direitos políticos por 8 anos. A expressão “tribunal colegiado”, na realidade, pode significar uma turma de apenas 3 ou 4 juízes de um Tribunal Regional.
A Lei Complementar 135, de 2010, é, portanto, de inconstitucionalidade flagrante, pois viola uma cláusula pétrea da Constituição Federal, que é clara ao determinar “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (Art. 5°, inciso LVII) e, portanto, por não ser declarado culpado não deve cumprir pena.
Por outro lado, duas decisões do STF, uma de fevereiro de 2016, por 7 a 4, e outra de outubro de 2016, por 6 a 5, consideraram constitucional o cumprimento de pena após a condenação em segunda instância. O STF, em realidade, “emendou” um dispositivo constitucional o que não pode fazer por ser competência exclusiva do Congresso Nacional emendar a Constituição.
A Operação Lava Jato tem contribuído para beneficiar os interesses de empresas e Estados estrangeiros no Brasil:
– ao apresentar o Estado como a principal “causa” da corrupção na sociedade brasileira;

– ao apresentar o Estado brasileiro como ineficiente e culpado pelas dificuldades econômicas do país;

– ao “justificar” a necessidade de reduzir ao mínimo a competência e capacidade de ação do Estado;

– ao enfraquecer a capacidade de regulamentação do Estado brasileiro;

– ao justificar o programa de privatização (e de desnacionalização indiscriminada) implementado a toque de caixa pelo Governo Temer;

– ao enfraquecer as grandes empresas brasileiras, de capital nacional e estatais, no mercado brasileiro e no mercado internacional face a megaempresas de terceiros países e

– ao enfraquecer o Estado brasileiro em sua missão e capacidade de promover o desenvolvimento, de fortalecer a democracia, de defender a soberania e em sua ação internacional, inclusive no âmbito dos BRICS.

O objetivo da Operação Lava Jato não é acabar com a corrupção nem na sociedade nem no sistema político e administrativo brasileiro. Se este fosse seu objetivo os juízes, procuradores e policiais seriam discretos e cautelosos em seus procedimentos para evitar a eventual anulação de processos e de sentenças e os Ministros de instâncias superiores coibiriam as atividades ilegais da Lava Jato.
Em realidade, os verdadeiros objetivos políticos, em âmbito nacional, da Operação Lava Jato, em grande medida alcançados, são os seguintes:
– difamar os políticos em geral, em especial os políticos progressistas, e a atividade política;

– desmotivar as forças progressistas em geral;

– desmoralizar os trabalhadores como classe social;

– desmoralizar o Partido dos Trabalhadores como corrupto e apresentá-lo como igual aos demais Partidos;

– identificar o Presidente Lula como chefe de um esquema de corrupção no Brasil e por ela principal culpado;

– difamar e desmoralizar o Presidente Lula e impedir sua eleição.

A solução para a “morosidade” dos processos na Justiça, todavia, poderia e deveria ser atingida por medidas simples:
– absoluta imparcialidade e transparência pública no sorteio dos processos entre Ministros dos Tribunais Superiores;

– cumprimento do prazo limite para devolução dos pedidos de vista de processos feitos pelos Ministros;

– julgamento dos processos pela ordem cronológica de sua entrada nos Tribunais Superiores;
revisão do número de recursos possíveis;

– prazo limite para julgamento final após a data de ingresso do processo no Tribunal Superior.

Por outro lado, o combate eficiente à corrupção implicaria uma reforma política que limitasse a influência do poder econômico nas eleições e na política e de nenhuma forma pode ser feito com desrespeito às leis e à Constituição por alguns juízes que se atribuíram uma “missão salvadora”.
Em realidade, no Brasil se assiste hoje à destruição do Estado de Direito, do Poder Judiciário e da Constituição de 1988 a partir do momento em que, como em 1963, as classes hegemônicas sentiram escapar, ainda que parcialmente, a partir de 2003, o seu controle sobre o sistema político e estarem em risco seus privilégios e seu permanente e histórico comportamento corrupto e ilegal.
Todavia, e finalmente, a luta histórica do povo brasileiro pela democracia, pelo desenvolvimento, pela justiça social e pela soberania prosseguirá, como sempre árdua, e jamais cessará até sua vitória final.

Samuel Pinheiro Guimarães foi  Secretário Geral do Itamaraty (2003-2009) e Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010)