A campanha eleitoral de 2018 foi deflagrada com fatos auspiciosos às forças progressistas e de esquerda. Pesquisas eleitorais não apenas atestam o crescimento do apoio e a queda da rejeição a Lula, mas sugerem a provável presença de Fernando Haddad no segundo turno quando apresentado como candidato de Lula na hipótese de impedimento deste. Ao mesmo tempo, vem a público o estrondoso pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU. O órgão multilateral recomendou ao Estado brasileiro, por meio de liminar, que “não o impeça [Lula] de concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos cabíveis perante os tribunais tenham sido concluídos em processos judiciais justos”.

Quebra da legalidade internacional

A recomendação da ONU decorre do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ao qual aderiu o Brasil em 1992. O país ainda assinou dois protocolos facultativos ao pacto, incorporados à legislação pátria pelo decreto legislativo nº 311 de 2009. O país reconhece, assim, a legitimidade jurisdicional do Comitê de Direitos Humanos para julgar eventuais violações ao PIDCP. Como explicou recentemente o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, toda vez que o Legislativo brasileiro aprova um tratado internacional, este ganha o status de “norma com vigência supralegal, na jurisprudência dominante do STF. Vale mais do que lei ordinária e complementar, por força do art. 5°, § 2°, da Constituição” (1). Em outras palavras, o pacto da ONU encontra-se, na hierarquia jurídica, em posição superior à de leis como a da Ficha Limpa.

O PIDCP abriga o mesmo princípio inscrito no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988 com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É o princípio da presunção de inocência, que goza de relativa universalidade na tradição democrático-republicana. Não há, contudo, qualquer motivo razoável para se pensar que o preceito será acolhido pelas autoridades do Estado brasileiro. Afinal, por que iriam os tribunais superiores de nosso país seguir o entendimento da ONU quando já se recusaram, em tantas oportunidades, a cumprir idêntica determinação prevista na Constituição Federal de 1988?

No entanto, ao contrário da narrativa adotada pelas forças de sustentação ao projeto neoliberal — que transbordam feito espuma tóxica dos ministérios e agências do governo Temer —, está claro que a decisão da ONU vincula obrigatoriamente os poderes públicos brasileiros. Descumpri-la acarretará nova quebra da legalidade, desta vez junto ao sistema das Nações Unidas. Tampouco cabe alegar, como fez o Ministério da Justiça, uma suposta “interferência externa” sobre a soberania nacional. Afinal, foi por sua soberana vontade que o Brasil aderiu ao pacto proposto pela ONU. A violação da soberania não se daria pelo cumprimento, mas precisamente pelo descumprimento daquilo que o próprio país, por meio de seus poderes constituídos, considerou justo e legítimo (2).

O saudoso Renato Archer — político, militar e intelectual maranhense, primeiro ministro de Estado da Ciência e Tecnologia — enumerava duas condições imprescindíveis à viabilização de um autêntico projeto nacional: planejamento de longo prazo e atuação internacional capaz de lhe dar respaldo (3). Archer sabia do que falava. Como pupilo dileto do célebre embaixador San Tiago Dantas, não desconhecia o valor estratégico do prestígio internacional. Nenhum país consegue impor seus interesses sem cultivar boas relações e ambiência favorável. A negligência em relação a esses aspectos é já, em si mesma, reveladora da qualidade da nova hegemonia liberal-conservadora, assim como de seus quadros dirigentes.

A liminar da ONU representa o ápice de um processo que já se desenrola há certo tempo: a ampliação do isolamento internacional do ciclo político neoconservador deflagrado no Brasil em 2016. Esse desgaste pode ser conferido quase diuturnamente no noticiário internacional. A preocupação com o Brasil não ocorre por acaso. Em contexto de avanços da extrema-direita no plano mundial, o certame eleitoral brasileiro ganha importância transcendente. Uma guinada brasileira a la Trump, com eventual vitória de uma candidatura como a de Jair Bolsonaro, teria peso suficiente — pelas dimensões do país e por sua posição de líder da América Latina — para influenciar a correlação de forças em todo o mundo.

É assim que, a cada artigo publicado em jornais como Times ou Guardian, mais se esgarçada a legitimidade do campo neoconservador em nosso país. Reforça-se progressivamente em todo o mundo, mas também internamente, a impressão de que vivemos um período de exceção e anomalia institucional, com a hipertrofia do complexo policial-judiciário e dos poderes midiáticos que se agigantam, bloqueando alternativas legítimas, reprimindo anseios e escolhas, sufocando, enfim, a boa e velha política democrática, naquilo que Giorgio Agambem (4) definiu como totalitarismo moderno. Nesse paradigma, dispositivos do estado de exceção são apresentados como técnica normal de governo, configurando-se um campo em que a aplicação da lei é suspensa, embora as normas jurídicas, como tais, permaneçam formalmente válidas.

O Centauro maquiavélico

Desde Gramsci, pelo menos, sabe-se que o poder político, nas modernas sociedades civis, envolve mais do que coerção. O italiano evocou a metáfora maquiavélica do Centauro (5) — figura híbrida da mitologia grega, metade ferina, metade humana — para descrever a dupla natureza do poder político. Este se compõe de força e consenso, autoridade e hegemonia, violência e civilidade. Em síntese, o poder político encontra-se assentado não apenas em mecanismos coercitivos, mas também na legitimidade. A força bruta pode muito, mas não pode tudo. É necessário trabalhar, a todo tempo, no plano dos significados, buscando justificar e validar determinado projeto político.

Em nossos dias, embora não sejam novas, tornam-se ainda mais evidentes as conexões entre discurso e poder. Verifica-se, mesmo, a imbricação entre esses dois aspectos, com a crescente importância política dos funcionamentos simbólicos. A situação contemporânea coloca com força, como problema chave da prática política, a questão dos valores e da ideologia, fontes de prestígio e vigor político. Nesse contexto, é necessário buscar sempre a mais eficiente combinação entre hard e soft power. O abandono do poder discursivo — a liderança exercida através do pensamento — conduz inevitavelmente à falência de um projeto político.

Reside em última instância nas intrincadas relações entre discurso e poder a principal chave explicativa para os movimentos que se ensaiam na presente batalha político-eleitoral. O ciclo iniciado com o golpe de 2016 sofre hoje, de maneira precoce e acelerada, verdadeira sangria de legitimidade. Se no plano internacional esse processo encontra-se em estado avançado, no plano interno caminha de maneira lenta, mas firme. O povo brasileiro parece acordar, aos poucos — ainda grogue —, do “boa noite cinderela” que lhe foi ministrado pelos meios de produção massiva de valores, ideias e comportamentos. O despertar da consciência nacional tem sido catalisado por dois fatores: (a) a percepção do caráter enviesado e parcial dos processos tocados no âmbito da operação lava-jato, repletos de inconsistências e ilegalidades, e (b) o acirramento do debate programático de ideias e propostas para o Brasil, que avança com o processo eleitoral e torna-se premente à medida que se aproxima o 1º turno das eleições.

A emergência do primeiro fator já podia ser constatada — ao menos pelos mais atentos — a partir de pesquisas realizadas nos últimos meses. Chamo atenção para o Barômetro Político, enquete realizada pelo Instituto Ipsos em parceria com o jornal O Estado de S.Paulo, cuja metodologia, interessante e diferenciada, permite medir variáveis não eleitorais que possuem incidência sobre o jogo eleitoral (6). É o caso da popularidade do juiz Sérgio Moro, cuja imagem praticamente confunde-se com a da operação lava-jato. A aceitação de Moro caiu de 69%, em maio de 2017 — antes da condenação de Lula em segunda instância —, para 41% atualmente, após ter visitado taxas de 37% em junho deste ano. A rejeição do juiz alcança hoje 48%, mas já chegou a 55% em seu pior momento, logo após a prisão de Lula. Moro não é candidato, é verdade, mas esses números dizem muito do humor dos eleitores em relação ao processo político recente, que teve a operação lava-jato como protagonista.

A mesma pesquisa Ipsos que revela a queda acentuada da popularidade de Moro apresenta Lula como o candidato mais apoiado (47%) e menos rejeitado (51%). Todos os seus adversários tiveram, em agosto de 2018, rejeição muito maior: Ciro Gomes, 65%; Jair Bolsonaro, 61%, mesmo número de Marina Silva. Geraldo Alckmin alcança, no survey, a estrepitosa marca de 70% de rejeição, atrás apenas dos 74% de Fernando Henrique Cardoso e dos 94% do presidente Michel Temer.

Igualmente significativos, embora pouco badalados pela imprensa, são os resultados da pesquisa de percepção pública sobre os significados do encarceramento do ex-presidente Lula. Realizada pelo mesmo Instituto Ipsos e publicada em 14 de abril de 2018 — pouco após a prisão do líder petista —, a pesquisa revela que 69% das pessoas acham que Lula teve alguma participação nos esquemas investigados pela lava-jato. No entanto, apenas 57% consideravam o ex-presidente culpado dos crimes atribuídos a ele, e um número ainda menor — metade dos entrevistados — era favorável à prisão do ex-presidente. Ao mesmo tempo, 73% concordavam com a frase “os poderosos querem tirar Lula da disputa eleitoral”, e 55% pensavam que “a lava-jato persegue Lula”.

Como entender esses números aparentemente contraditórios? A chave para essa compreensão pode estar nas intrincadas conexões entre verdade “epistêmica” e verdade “sociológica”. Ao que tudo indica, estamos diante de um modo bastante peculiar de relacionamento entre essas duas dimensões. Ocorre que, embora a causa do combate à corrupção seja vista como “justa” pela sociedade — e a lava-jato seja, aos olhos de muitos, eficaz nesse propósito —, essa percepção parece coexistir com a ideia de que a operação é mobilizada para propósitos inconfessáveis. Sedimenta-se, na compreensão popular, uma distinção entre o que é verdadeiro do ponto de vista jurídico-formal (“Sim, ao que tudo indica Lula fez algo errado”) e o que é justo do ponto de vista político-prático (“Mas, por todo o contexto, e para o bem do país, ele não merece ser condenado”).

A variável programática

Quanto ao segundo fator mencionado acima, a questão programática, é necessário sublinhar, antes de mais, aquilo que, por óbvio que pareça, muitos ainda preferem esquecer: não estamos diante de uma eleição indireta no Congresso Nacional — decidida em larga medida pelas lideranças partidárias — ou de um julgamento no Tribunal Federal da 4ª Região. Ao contrário de semelhantes jogos de cartas marcadas, uma eleição direta abrange enorme complexidade de elementos e atores, trazendo à tona, com frequência, os acertos e desacertos, as congruências e incongruências de uma narrativa política.

O que dizer ao povo? Mais especificamente, como poderão as forças defensoras da chamada Ponte para o futuro — nome que camuflou, nos últimos tempos, o velho programa neoliberal — apresentar-se de maneira desvinculada do rejeitado governo de Michel Temer? Segundo se lê na imprensa, a principal chapa da direita, encabeçada por Geraldo Alckmin — candidato no qual o mercado financeiro aposta a maior parte de suas fichas — tentará desatar-se do governo Temer. Se conseguir, estaremos diante de façanha digna de um “alckmista”. Afinal, seu partido não apenas ostentou inúmeros ministérios no governo Temer, como também apoiou privatizações predatórias como a da Embraer; regozijou-se com a redução do salário mínimo; lambrecou-se com a PEC “do fim do mundo” e a redução dos investimentos em educação, ciência e tecnologia, e aboletou-se na primeira fila do trem da reforma trabalhista e de outros ataques aos direitos dos trabalhadores. Como se não bastasse, a coalizão liderada por Alckmin mais parece uma gigantesca “arca de Noé” da fauna cativa do governo Temer.

Ainda que tudo corra como espera o mercado financeiro, e Geraldo Alckmin — catapultado por sua generosa aliança e seu inigualável tempo de TV — consiga chegar ao segundo turno, terá de enfrentar um debate programático polarizado ao extremo, que tende a assumir ares plebiscitários. É claro que a campanha tucana tentará fazer desse momento um referendo sobre os desacertos do governo Dilma, mas há forte tendência de que o centro do debate seja a Ponte para o futuro, fracassado programa apresentado como panaceia em 2016. Nesse caso, o programa neoliberal seria inevitavelmente contrastado com as conquistas e realizações do ciclo de governos progressistas que vigorou no país entre 2003 e 2016.

Tudo somado e descontado, não é absurdo constatar que, por incrível que pareça,  a candidatura de Jair Bolsonaro — malgrado suas insanáveis fragilidades — pode ser a mais conveniente para as elites conservadoras em eventual disputa de 2º turno. Nem tanto por ser hoje a mais apoiada e menos rejeitada — pois isso pode mudar —, mas sobretudo porque, entre os candidatos viáveis da direita, Bolsonaro é o que tem condições reais de demarcar com o governo de Michel Temer, da mesma forma que, hoje sabemos, Trump mostrou-se o candidato republicano mais bem talhado para demarcar com o establishment na eleição norte-americana.

Atentos a essas tendências, setores das elites econômicas já cogitam desembarcar na candidatura de extrema-direita. E, sinto-me tentado a destacar, seria cômico assistir à direita yuppie sendo devorada pelo monstro das profundezas que ela própria criou. Mas é aí que sobrevêm, para o campo liberal-conservador, novos e mais profundos dilemas: afinal, vale a pena vencer com Bolsonaro? A questão pode parecer, a muitos analistas políticos, de uma ingenuidade pueril. Afinal, diriam, para o campo conservador qualquer coisa vale a pena, desde que impeça a volta ao poder de um projeto democrático-popular.

Com efeito, a história não deixa de dar razão a quem pensa dessa forma.  Em seus estudos sobre a experiência fascista na Itália, o pensador marxista peruano José Carlos Mariátegui mostra como, diante da polarização entre o movimento operário e os camisas negras, a burguesia italiana sequer titubeou: assustada com as chances da revolução, não apenas estimulou, mas financiou e armou as brigadas fascistas, empurrando-as a uma postura truculenta contra a esquerda e as organizações trabalhistas.

No entanto, por mais importante que seja vencer as eleições, elas não representam o armagedão; há sempre um day after. Uma vez no poder, os movimentos de cunho fascistoide não se limitam a conservar o status quo; dedicam-se a renegar o presente e restituir o passado. Truncam, dessa forma, o funcionamento normal do liberalismo econômico e das instituições burguesas. Renegam “o tipo transacional de Estado capitalista e empresário: tendem a restaurar o tipo clássico de Estado coletor e gendarme” (7). É claro que a alta burguesia não se inclina por esse tipo de programa, e é nesse momento que ganham nitidez os traços ambíguos de seu comportamento diante do fascismo político. Como explica Mariátegui,

[…] Enquanto a reação se limita a decretar o ostracismo da Liberdade e a reprimir a Revolução, a burguesia bate palmas; mas logo, quando a reação começa a atacar os fundamentos de seu poder e de sua riqueza, a burguesia sente a necessidade urgente de censurar seus bizarros defensores. (8)

Sempre se poderá dizer que o protofascismo de Bolsonaro é mais “proto” que fascismo, que Bolsonaro é conservador apenas na política e nos costumes, que o programa do economista Paulo Guedes é mais do mesmo liberalismo radical. Mas a verdade é que as coisas não se separam tanto assim. Há muitos aspectos do funcionamento normal da economia capitalista e das instituições burguesas que não são do domínio estrito da política econômica, mas incidem sobre ela. E é por isso que são reais os dilemas das elites econômico-financeiras quando confrontadas com candidaturas como a de Bolsonaro. Um eventual governo da extrema-direita traria de volta a desejada estabilidade? Ou apenas detonaria novo ciclo de turbulência política, ademais agravado pela degradação da imagem de um país que se coloca na contramão das augustas tendências civilizatórias?

Dilemas insolúveis

São crescentes os sinais de que as forças do golpe de 2016 vão navegar, girar e perambular; perambular, girar e navegar, e acabarão novamente confrontadas com aquela que é a fonte última de todos os seus impasses: a questão programática. Em face do terrível embaraço de defender um programa que não pode ser exposto ao escrutínio popular — pelo menos não sem ser maquiado até o ponto de tornar-se irreconhecível —, a nova hegemonia liberal-conservadora caminha para dilemas cada vez mais profundos.

Em situação tal, a fim de evitar aquela que pode ser uma estrondosa e humilhante derrota, é possível que não reste às forças conservadoras outra alternativa senão dobrar a aposta em seus próprios fundamentos, apelando, uma vez mais, à judicialização da política e, no limite, a novas golpes contra a legalidade. Dizia Marx, referindo-se às ambivalências da legalidade burguesa, que “a espada que a devia proteger [à burguesia] tem que pender ao mesmo tempo sobre a sua própria cabeça como a espada de Dâmocles” (9).

Desnudadas em seus intentos antipopulares pela resistência democrática, as forças do autoritarismo 4.0 são arremessadas a todo momento contra as falésias rochosas da Constituição de 1988 e de seções democráticas do ordenamento jurídico. Obrigam-se, dessa forma, à quebra da legalidade liberal-burguesa — e, diga-se, também da normatividade jornalística, como fica claro no vergonhoso silêncio da grande mídia em relação à liminar da ONU. Não é possível seguir esse caminho de forma proveitosa para quem busca o lago de águas plácidas da governabilidade inconteste. Pelo contrário: ao levar a cabo novas e mais ousadas medidas de exceção, a dominância conservadora perde nacos de prestígio e eleva seus próprios dilemas a novo patamar. Ainda que dobre a aposta no uso da força bruta e vença as eleições, governará o país em cenário de contestação crescente — uma contestação enraizada, afinal, no próprio caráter antinacional e antipopular de seu programa político.

Titanic imponente, porém fragilizado pela própria qualidade da matéria-prima de que se constitui, o bloco conservador apressa-se em singrar as águas do processo político brasileiro rumo à consecução da plenitude de seus inefáveis objetivos. Nem parece dar-se conta de que navega em águas turvas, ponteadas de icebergs e outros perigos. Parafraseando Gonçalves Dias, valham-nos os versos d’O gigante de pedra (10), em que nosso poeta maior afirma:

Com soberba indiferença […]

Nem vê que duras desgraças,

Que lutas de novas raças

Se lhe atropelam aos pés!

A fim de efetivar seus desígnios, a ditadura judicial-midiática deixou pelo caminho um rastro de hipocrisia e iniquidades. É agora chamada a um acerto de contas com seus próprios desajustes ontológicos, e começa a colher o resultado do que plantou. Um resultado que brota dia a dia sob a forma de dilemas insolúveis. Todos eles podem ser reduzidos a um único: quanto mais perde legitimidade, mais o bloco conservador é obrigado ao uso da força bruta; quanto mais usa a força bruta, mais se condena à perda de legitimidade. Não é preciso ser adivinho para perceber que esse círculo não se pode retroalimentar indefinidamente.

Fábio Palácio é jornalista, professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão.

Notas:

(1) ARAGÃO, Eugênio. “O direito de Lula concorrer à eleição e o amesquinhamento de obrigações internacionais do Brasil”. Diário do Centro do Mundo  [online]. 18 ago. 2018. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-direito-de-lula-concorrer-a-e….

(2) Os mesmos que hoje veem “interferência indevida” da ONU jamais enxergaram qualquer problema nas controversas missões de “cooperação” que o Ministério Público brasileiro estabeleceu nos últimos anos com seu congênere norte-americano, como parte de seu ativismo na operação lava-jato. Em nosso país, firmar cooperações com Estados estrangeiros é função do Poder Executivo. Não é demais lembrar que surgiu de uma dessas “cooperações” — como reconheceu o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot —, a denúncia que culminou na condenação, a 43 anos de prisão, do almirante Othon Pinheiro da Silva, um dos pais do programa nuclear brasileiro. Othon é o homem por trás da construção das ultracentrífugas de urânio que tanta preocupação acarretaram ao complexo industrial-militar norte-americano.

(3) Cf. AZEVEDO, Fábio Palácio de. Renato Archer, 90 anos : legado e atualidade. São Paulo: Fundação Maurício Grabois / Ed. Anita Garibaldi, 2012. p. 67.

(4) AGAMBEM, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.

(5) GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Volume terzo – Quaderni 12-29. Edizione critica dell’Istituto Gramsci – A cura di Valentino Gerratana. 2ª edizione. Torino: Giulio Einaudi editore, 1977. p. 1576.

(6) Para acessar os dados da pesquisa Barômetro Político Estadão-Ipsos, Cf. BRAMATTI, Daniel. “Jair Bolsonaro é desaprovado por 64%, afirma Ipsos”. O Estado de S. Paulo [online]. 23 jun. 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/

noticias/eleicoes,bolsonaro-e-desaprovado-por-64-afirma-ipsos,70002362989. Mesmo datada de junho, a matéria contém gráficos que trazem as atualizações mensais da pesquisa até agosto de 2018.

(7) MARIÁTEGUI, José Carlos. Biología del fascismo. Lanús Oeste: Nuestra América, 2012. p. 24.

(8) Id. Ibid. p. 49.

(9) MARX, Karl. “O 18 de Brumário de Louis Bonaparte”. In: Marx e Engels: Obras Escolhidas. V. I. Portugal/URSS: Avante!/Progresso, 1982. p. 458.

(10) DIAS, Gonçalves. “O gigante de pedra”. In:__________. Poesia e prosa completas. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.