Após destaque sucinto de temas centrais de Friedrich Engels, o artigo conflui a passagens notáveis de textos e obras que aludem a ideia de sua elaboração teórica indelével e decisiva para a construção do materialismo dialético e histórico como núcleo central de uma nova perspectiva científica à sociabilidade humana.

A genialidade de Friedrich Engels é inquestionável. E cristalino o caráter científico excepcional de sua teoria em diversas áreas das ciências humanas ou sociais; e também naturais. [1] Ele e Karl Marx desde jovens foram afirmando concepções em ser os postulados científicos paradoxais ou controversos. Assim como marcharam juntos a vida inteira nos combates práticos da atividade revolucionária e fundação do comunismo moderno. Um longo, inovador e dual constructo teórico.

Mais além, a própria – e revolucionária! – formulação de Marx, em na ciência ter-se que se distinguir (na unidade) aparência e essência foi plenamente subscrita e acolhida por Engels. Que assim reitera a assertiva de Marx transcrita nos manuscritos do Livro 3 de O capital:

“Por isso, não admira que de todo se harmonize com as relações econômicas em sua aparência alienada, em que são evidentes contradições absurdas e completas (aliás, toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas); que aí se sinta em casa, parecendo-lhe essas relações tano mais naturais quanto mais nelas se dissimule o nexo causal, e assim correspondam às ideias vigentes”. [2]

É, ademais, deveras conhecida a grande influência que os postulados do materialismo dialético e dos escritos de Engels e Lênin obtiveram entre cientistas renomados no século XX, como os biólogos J.B. Haldane e J. Needham, os físicos como J. D. Bernal e Paul Langevin, psicólogos como H. Wallon, notadamente nos anos 1930. [3] Segundo também Eric Hobsbawm, figuras eminentes das ciências da evolução da vida vieram a “abraçar o marxismo, ou o que é bem mais surpreendente, os escritos de Engels”, entre eles J. B Haldane, Lancelot Higben, C.H. Waddington, além de J. Bernal. [4]    

Polissemia teórica

Como lembrou David Mclellan, [5] Engels adentrou seu talento a vasculhar áreas diversas e íngremes: foi linguista de primeira categoria, importante crítico militar, pelos menos igualou-se a Marx como historiador, foi pioneiro da antropologia e notório influenciador de uma dúzia de partidos marxistas nascentes.

Bem a propósito, num instigante artigo, Quartim de Moraes [6] realça a atualidade do pensamento materialista de Engels sobre a origem da linguagem e da consciência; crítica de concepções idealistas que bus a consciência e destaca-la da natureza e da matéria. Não sendo a consciência anterior à linguagem, a linguagem se constituiria enquanto sua condição social. O que não significa reduzir a história da humanidade às chamadas leis naturais. O próprio Engels diversas vezes rebateu as ideias que buscavam naturalizar as relações sociais: embora seja o homem efetivamente produto da história natural, isso não reduz a humanidade às chamadas leis naturais – argumenta Quartim.

Aliás, como desvela N. de Almeida Filho, [7] notadamente em seu estudo mais polêmico e inovador “Dialética da natureza”, é admirável a consistência e rigor demonstrados na epistemologia engelsiana:

“Isto pode ser ilustrado com a concepção da dialética como ciência das interconexões, plenamente de acordo com a atualíssima teoria de redes, importante capítulo da ciência da complexidade. A isso segue-se a concepção da natureza a partir do conceito de sistema, antecipando a famosa Teoria Geral dos Sistemas, base da ciência da complexidade”.

Dialética sistêmica

Foi de Engels a ideia – em suas críticas ao (dialético) idealismo objetivo de G. Hegel e suas leis – de um princípio: a dialética não é uma lei imposta por seres humanos à natureza ou aos homens e à sociedade, mas uma lei que rege a existência e o desenvolvimento da natureza e das realidades sociais. De acordo com Engels, a dialética é antes do mais, uma propriedade objetiva da natureza.

Como bem interpretam Kun Wu e Qiong Nan [8], Engels também enfatizou que o caráter revolucionário da natureza é o traço fundamental da filosofia dialética, e a teoria dos processos da dialética. Pressupôs que a dialética não reconhece nada absoluto, e tudo é temporário, no processo de geração, mudança, fluxo, extinção e transformação, não importando se se trata de uma coisa natural ou de uma ideia. “A única coisa que a dialética reconhece é o caráter absoluto desta natureza revolucionária” – asseveram Wu e Nan (Idem, 2020). Engels destacou ainda a importância da dialética na pesquisa científica, a partir da mudança do modo de se pensar os diferentes estágios do desenvolvimento da própria ciência humana.

Economia política crítica

Foi o próprio Marx classificou o texto de Engels “Esboço de uma crítica da Economia Política”, de “genial esboço de uma crítica das categorias econômicas”. E, inúmeras vezes, referiu-se a esse texto como uma teorização que o incentivou o estudo da economia política. Nele – afirmo – vê-se insights e antinomias. [9] Ideias fundamentais do “Esboço” repercutiram, ademais, na teorização da obra magna de Marx, assim como aparecem desenvolvidas no famoso estudo de Engels “Anti-Dhuring”.

Ainda antes do “Esboço”, Engels escreve as ‘Cartas de Wuppertal’, [10] publicadas no jornal Telegraph für Deutschland (março e abril de 1839). São observações dele sobre os resultados sociais da emergência da industrialização em Elberfeld e Barmen.  Nas ‘Cartas’, Engels, com largueza de visão, identifica ali também questões vinculadas à relação entre religião e alienação e a exploração da classe operária alemã, relatando ainda a degradação do ecossistema provocada pela ascensão industrialnaquele vale.

Mas é em “O Capital” que a grandiosidade de Engels atravessa o tempo, ensejando, inclusive, de V. Lênin um julgamento claro, simples e sintético. Repita-se logo: a obra magna de Marx não teria chegado a sua versão completa – embora inconclusa em várias passagens – sem a colaboração magnífica de Engels, que trabalhou sobre os amontoados de sus ‘hieróglifos’ manuscritos. Foi Lênin quem atribuiu a Engels a importância que ele mesmo a si secundarizava, escrevendo logo a seguir a sua morte:

“Marx morreu sem ter conseguido completar a sua obra monumental sobre o capital. Contudo esta obra estava já terminada em rascunho e Engels, após a morte do amigo, assumiu a pesada tarefa de redigir e publicar os tomos II e III de O Capital. Editou o tomo II em 1885 e o tomo III em 1894 (não teve tempo de redigir o tomo IV).  Estes dois tomos exigiram um trabalho enorme da sua parte. O social-democrata austríaco Adler observou muito justamente que, editando os tomos II e III de O Capital, Engels ergueu ao seu genial amigo um grandioso monumento no qual, involuntariamente, tinha gravado também o seu próprio nome em letras indeléveis. Estes dois tomos de O Capital são, com efeito, obra de ambos, de Marx e Engels”. [11]

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Friedrich Engels, aos duzentos anos de seu nascimento tem sido homenageado expressivamente, sendo importantíssimo que assim seja. Mas nem sempre se tem sido fiel à fabulosa fortuna teórica engelsiana – extremamente avançada e exemplar conjugação com a prática revolucionária -, muitas vezes reduzindo-se a elaboração de suas obras à vulgata. [12]

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1.“Mas quando Adam Smith, o Lutero econômico, fez a crítica da Economia anterior a ele as coisas já haviam mudado muito. O século havia se humanizado, havia-se feito valer a razão e a moral começava a invocar seus títulos eternos. (…)Quando a Economia liberal havia feito tudo o que podia para generalizar a hostilidade mediante a dissolução das nacionalidades e converter a humanidade em uma horda de bestas ferozes – e que outra coisa são os concorrentes? – que se devoram umas e outras simplesmente porque cada uma delas trabalha movida pelos interesses da demais” (“Esboço de crítica da economia política”, [1843-4], em: ‘Karl Marx e Friedrich Engels – Escritos econômicos vários’, Espanha, Grijalbo, 1975, pp. 7-8)

2.“Na realidade, nas fábricas inglesas encontramos todo o leque de salários, desde meio xelim até quarenta xelins e mais; na “Crítica” paga-se um só tipo de salários, onze xelins. Na realidade, é a máquina que vem substituir o trabalho manual na “Crítica’ é o pensamento. (‘A sagrada família. A crítica da ‘crítica crítica’. Contra Bruno Bauer e consortes”[1844]. Lisboa, Presença/Martins Fontes, s/d p. 27.)

3. “A história da classe operária na Inglaterra inicia-se na segunda metade do século passado, com a invenção doa máquina a vapor e das máquinas destinadas a processar o algodão. Tais invenções, como se sabe, desencadearam uma revolução industrial que, simultaneamente, transformou a sociedade burguesa em seu conjunto – revolução cujo significado histórico só agora começa a ser reconhecido”. (“A situação da classe trabalhadora na Inglaterra” [1845]. São Paulo, Boitempo, 2019, p.45; grifo nosso).

4.“As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideala das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação (“A Ideologia Alemã”, Marx-Engels, [1845], São Paulo, 2007, Boitempo, pp. 47-80)

5. “A existência de ideias revolucionárias numa determinada época pressupõe desde já a existência de uma classe revolucionária, sobre cujos pressupostos já foi dito anteriormente o necessário (p. [35-7]) (Ibidem).

6.“A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de existência; esta é a classe dos burgueses, ou a burguesia. A classe dos que nada possuem, os quais, em virtude disso, estão obrigados a vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de existência necessários ao seu sustento. Esta classe chama-se a classe dos proletários, ou o proletariado” (“Princípios básicos do comunismo”, [1847], Marx-Engels, Obras Escolhidas, Tomo I, Lisboa, Avante!, 1982).

7.“A burguesia despiu da sua aparência sagrada todas as atividades até aqui veneráveis e consideradas com pia reverência. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela.

(…)A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas. A conservação inalterada do antigo modo de produção era, pelo contrário, a condição primeira de existência de todas as anteriores classes industriais. O permanente revolucionamento da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos distinguem a época da burguesia de todas as outras *. Todas as relações fixas e enferrujadas, com o seu cortejo de vetustas representações e intuições, são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se”. (“Manifesto do Partido Comunista”. Marx-Engels’, [1948], Lisboa, Avante!, 1997, p. 39, 2ª edição).

8.“O que é muito mais importante do que a ação principal de 1866 é o ascenso da indústria e do comércio, dos caminhos-de-ferro, telégrafos e da navegação oceânica a vapor na Alemanha a partir de 1848. Conquanto este progresso ainda fique atrás do que no mesmo tempo foi feito em Inglaterra e até na França, para a Alemanha ele é inaudito, e fez mais em vinte anos do que antes fizera um século inteiro. A Alemanha só agora entrou a sério e irrevogavelmente no comércio mundial. Os capitais dos industriais multiplicaram-se rapidamente, a posição social da burguesia elevou-se em conformidade. A característica mais segura de florescimento industrial, a falcatrua, instalou-se em ampla medida e acorrentou condes e duques ao seu carro triunfal. Capital alemão constrói agora caminhos-de-ferro russos e romenos — que a terra lhe seja leve! — em vez de como há quinze anos os caminhos-de-ferro alemães andarem a mendigar junto de empresários ingleses’ (‘Nota prévia à ‘Guerra dos camponeses alemães’, [1870(50)], Marx-Engels, Obras Escolhidas, Tomo II, Lisboa, Avante!,1982).

9.“E, em primeiro lugar, qual era o estado da Alemanha no dealbar da revolução?

A composição das diferentes classes do povo que formam o alicerce de toda a organização política era, na Alemanha, mais complicada do que em qualquer outro país. Enquanto, em Inglaterra e em França, o feudalismo havia sido inteiramente destruído ou, pelo menos, como no primeiro país, reduzido a umas poucas formas insignificantes por uma classe média rica e poderosa, concentrada em grandes cidades e, particularmente, na capital, a nobreza feudal na Alemanha tinha conservado uma grande porção dos seus antigos privilégios. O sistema feudal da tenência prevalecia quase em toda a parte. Os senhores da terra tinham mesmo conservado a jurisdição sobre os seus tenentes. Privados dos seus privilégios políticos, do direito de controlar os príncipes, tinham preservado quase toda a sua supremacia medieval sobre o campesinato dos seus domínios, assim como a sua isenção de impostos. O feudalismo era mais florescente em algumas localidades do que em outras, mas em parte alguma, a não ser na margem esquerda do Reno, estava inteiramente destruído. Esta nobreza feudal, então extremamente numerosa e em parte muito rica, era considerada, oficialmente, como o primeiro “estado” do país. Fornecia os funcionários superiores do governo, comandava quase exclusivamente o exército.

A burguesia da Alemanha não era de longe tão rica e concentrada como a de França ou de Inglaterra. As antigas manufaturas da Alemanha tinham sido destruídas pela introdução do vapor e pela supremacia em rápida extensão das manufaturas inglesas; as manufaturas mais modernas, que arrancaram com o sistema continental de Napoleão, estabelecidas em outras partes do país, não compensaram a perda das antigas, nem foram suficientes para criar um interesse manufatureiro forte o bastante para impor as suas necessidades à atenção de governos ciosos de qualquer extensão de riqueza e de poder não nobres” (‘Revolução e contrarrevolução na Alemanha’, [1852], Marx-Engels, Obras Escolhidas, Tomo II. Lisboa, Avante!, 1982).

10. “Estudei até agora uns 36 cadernos [do Livro 1 de ‘O Capital’], e lhe parabenizo por haver encontrado um método que te permite, sem omitir nada, explicar de forma simples e quase concreta os problemas econômicas mais complicados, pelo simples fato de colocá-los e, seu lugar e situá-los em seus verdadeiros contextos. Parabenizo-te igualmente pela exposição realmente excelente pelo conteúdo da relação entre trabalho e capital – apresentado aqui pela primeira vez, com todas as questões anexas e de forma completa.

(…) Por outro lado, nesta exposição (especialmente ‘Cooperação e manufatura’), há alguns pontos que não me parecem todavia muito claros e nos que não pude precisar a que fatos se refere o desenvolvimento, que segue sendo muito geral. (…) mas tudo isso tem pouca importância: o principal é que esses senhores economistas não encontrarão, em nenhum lugar um ponto débil por que possam abrir uma brecha em seu trabalho” (Carta de Engels a Marx, 23 de agosto de 1867, em: “Cartas sobre el Capital”, Barcelona, Laia, 1974, p. 136).

11. “É num curso circular eterno que a matéria se move, curso circular que só completa a sua órbita em espaços de tempo para os quais o nosso ano terrestre já não é mais escala suficiente; um curso circular, em que o tempo do desenvolvimento mais elevado, o tempo da vida orgânica e, mais ainda, o da vida de seres autoconscientes e conscientes da Natureza é medido tão apertadamente como o espaço em que a vida e a autoconsciência vêm a vigorar; um curso circular, em que cada modo finito de existência da matéria — seja ele sol ou nuvem de vapor, animal singular ou género animal, combinação ou dissociação química — é do mesmo modo transitório e em que não há nada de eterno senão a matéria que eternamente se altera, que eternamente se move, e as leis segundo as quais ela se move e altera. Mas, por mais frequente e por mais inexoravelmente que este curso circular se complete no tempo e no espaço; por mais milhões de sóis e de terras que possam nascer e perecer; por mais tempo que possa levar até que num sistema solar se estabeleçam, só num planeta, as condições da vida orgânica; por mais seres orgânicos inumeráveis que tenham que surgir e sucumbir antes de que, do meio deles, se desenvolvam animais com um cérebro capaz de pensar e encontrem, por um curto lapso de tempo, condições capazes para a vida, para, então, serem também exterminados sem piedade — temos a certeza de que a matéria, em todas as suas transformações, permanece eternamente a mesma, de que nenhum dos seus atributos se pode perder, e de que, por isso, também com a mesma necessidade férrea com que exterminará de novo da Terra a sua flor suprema, o espírito pensante, terá de novo que o produzir, nalgum outro sítio e noutro tempo (“Introdução à dialética da natureza”, [1876], Marx-Engels Obras Escolhidas, Lisboa, Avante!  Tomo III, 1985).

12.“Chegamos, pois, à conclusão de que é o Sr. Dühring a única pessoa que quer mistificar as coisas quando afirma que a negação da negação é uma quimera analógica, inventada por Hegel, emprestada do campo da religião, e calcada sobre o mito do pecado original e da redenção. Muito antes de saber o que era dialética, o homem já pensava dialeticamente, da mesma forma por que, muito antes da existência da palavra escrita, ele já falava. Hegel nada mais fez que formular nitidamente, pela primeira vez, esta lei da negação da negação, lei que atua na natureza e na História, como atuava, inconscientemente, em nossos cérebros, muito antes de ter sido descoberta. E se o Sr. Dühring fica aborrecido com um tal nome, e quer realizar o processo, sem que ninguém saiba que o está realizando, ainda é tempo de inventar um nome melhor. Mas se o que deseja é apagar a própria operação do pensamento, deverá, antes, encontrar o modo de expulsar esse processo da natureza e da história e, para isso, deverá inventar uma matemática na qual -a X -a não deve dar  a2 e na qual seja proibido, sob penalidades diversas, o cálculo diferencial e integral” (“O Anti-Dhuring”, [1878], Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 121).

13.“O socialismo moderno é, pelo seu conteúdo, antes do mais o produto da visão (Anschauung), por um lado, das oposições de classe, que dominam a sociedade hoje, entre possuidores e não-possuidores, capitalistas e operários assalariados, por outro, da anarquia que domina a produção. Mas, pela sua forma teórica, aparece a princípio como um prolongamento, levado mais adiante e pretensamente mais consequente dos princípios estabelecidos pelos grandes iluministas [Aufklärer] franceses do século XVIII. Como todas as novas teorias, começou por ter de partir do material de pensamento que encontrou, embora a sua raiz estivesse nos fatos econômicos materiais.

(…) Levar a cabo esta ação libertadora do mundo é a vocação histórica do proletariado moderno. Aprofundar as suas condições históricas, e assim a sua própria natureza, e deste modo levar a classe chamada à ação, a classe oprimida, a consciência das condições e da natureza de sua própria ação, é a tarefa da expressão teórica do movimento proletário, do socialismo científico” (“Do socialismo utópico ao socialismo científico” [1880], Marx-Engels, Obras Escolhidas, Lisboa, Avante! Tomo III, pp. 128 e 168).

14. “Esta redescoberta da originária gens de direito materno como estádio anterior da gens de direito paterno dos povos civilizados tem para a história primitiva a mesma significação que a teoria do desenvolvimento de Darwin para a biologia e a teoria da mais-valia de Marx para a economia política. Ela permitiu a Morgan pela primeira vez uma história da família em que, à partida, estão fixadas, grosso modo, pelos menos os estádios clássicos de desenvolvimento tanto quanto o material conhecido o permite. Que, com isto, começa uma nova história do tratamento da história primitiva, é claro aos olhos de todos” (“A Origem da família, da propriedade e do Estado”. “Prefácio à quarta edição alemã (1891)”, Lisboa, Avante!, 1985, p. 225).

15. Não há, portanto, como aqui e além por comodidade se quer imaginar, um efeito [Wirkung] automático da situação económica, mas os homens fazem eles próprios a sua história, mas num meio dado que a condiciona, sobre a base de condições efetivas que encontram [já], entre as quais, as económicas — por mais influenciadas que possam ser pelas [condições] políticas e ideológicas — são, contudo, em última instância, as decisivas e constituem o fio condutor que as percorre e que, só ele, leva ao entendimento” (“Carta a W. Borgius”, 25 de janeiro de 1894. Lisboa, Avante!, Marx-Engels, Obras Escolhidas, Tomo 3, 1985, p. 566).

*Uso, similarmente, à categoria filosófica como descrita no nosso Dicionário Houaiss: máxima ou sentença que, em poucas palavras, explicita regra ou princípio de alcance moral; apotegma, ditado. Já no Dicionário de Filosofia de Nicola Aabbagnano aparece como sendo uma proposição que exprime de maneira sucinta uma verdade, uma regra ou uma máxima concernente à vida prática. A nosso juízo, as doze formulações de Engels aí se enquadram, sempre orientadas pela máxima de Lênin, Apud Engels!

“O mesmo acontece – prossegue Engels – com as verdades eternas” (…)Para Engels, a verdade absoluta compõe-se de verdades relativas. [Malinovski. Alexandre Alexandronivitch] Bogdánov é relativista. Engels é dialético” (Materialismo e empiriocriticismo. Notas críticas sobre uma filosofia reacionária”, V. Lènine, Lisboa, Avante”!, 1982, p. 101).

NOTAS

[1] Sem dúvida, o melhor e mais sério estudo sobre Friedrich Engels, publicado até hoje no Brasil é “Friedrich Engels e a ciência contemporânea” (Salvador, Edufba, 2007) – cujo título expressa-o com rigor -, organizado por Mauro Castelo Branco de Moura, Muniz Ferreira e Ricardo Moreno. Doravante referenciado como FECC.

[2] Ver: “O materialismo dialético e a ciência dos anos 30”, Mauro Ceruti, em: “História do marxismo”, vol. IX, Hobsbawm, E. (org.), Rio de janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 315-8, 2ª edição.

[3] Ver: “Ciência: função social e mudança no mundo”, em: “Tempos fraturados. Cultura e sociedade no século XX”, E. Hobsbawm, São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p.202.

[4]  “O Capital”, Livro 3, vol. VI, Rio e Janeiro, Civilização Brasileira, p. 939).

[5] Ver a ótima ‘Apresentação’ de Augusto Buonicore de FECC, p. 11.

[6]Ver: “A contribuição de Engels à elaboração do marxismo clássico: linguagem, consciência técnica”, J. Quartim de Moraes, FECC cit., pp. 152-55. Quartim desmonta, brilhantemente, as teses dos anti-engelsianos discípulos Luckacs, às pp. 155-59.

[7] Ver: “Engels e a ciência contemporânea”, Naomar de Almeida Filho, em: FECC, op, cit., p. 115.

[8] Ver: “The Contemporary Value of Engels’ Dialectics”; aqui: 31

1 Escola de Humanidades e Ciências Sociais, Universidade Xi’an Jiaotong, Xi’an, China; 2 Centro Internacional de Filosofia da Informação, Universidade Xi’an Jiaotong, Xi’an, China. Em: “Jornal Internacional de Ciência de Sistemas e Matemática Aplicada”, Pequim, maio de 2020.

[9] Para um enfoque de aspectos do denomino ‘antinomias’, ver o elucidativo artigo de Renildo Souza “A contribuição de Engels para a crítica da economia política”, em FECC, op. cit. pp. 29-52.

[10] Ver o interessante artigo “O jovem Engels e a situação da classe trabalhadora em Wuppertal”, de F. Cotrim.

Aqui:https://hcommons.org/deposits/objects/hc:20500/datastreams/CONTENT/content

[11] Ver: “Friedrich Engels”, V. Lénine, Lisboa, Avante!, Obras Escolhidas, Tomo 1, 1985.

[12] Por exemplo: considero filologia barata, além de arrogância intelectual ilimitada, a propagação feita por alguns membros pesquisadores do importante centro de pesquisas “Mega2”, de que Engels alterou, em diversas partes e interpretações, a partir da conversão dos Manuscritos originários, o sentido do Livro 3 de O Capital. Engels mesmo respondeu a isso. Há muito, muito…

No Prefácio de Engels ao Livro 3 de O Capital, 4 de Outubro de 1894, Engels discorre que “naquele momento eu não tinha noção das dificuldades” que as seções mais importantes trariam. Onde, ficavam tanto mais longos e intricados, os períodos dos manuscritos, “em que se expressavam ideias in statu nascendi” (estado nascente) para Marx. “Comecei meu trabalho ditando, para obter uma cópia legível, todo o manuscrito a partir do original, que mesmo para mim era difícil de decifrar”, o que lhe tomou bastante tempo. Diz ele ainda: “Limitei-me ao mínimo necessário e, na medida do possível, tentei conservar o caráter da primeira versão, sempre que a clareza permitia”.

E esclarece, a seguir, Engels:

“Onde minhas alterações ou acréscimos não são meras correções estilísticas ou onde tive de reelaborar o material fático fornecido por Marx, para dele extrair conclusões próprias, ainda que, o mais possível dentro do espírito marxiano. Toda a passagem foi colocada entre chaves e assinalada com minhas iniciais”.

Especificamente sobre a construção teórica da LTQTL, Engels afirma que, no Capítulo 3,

“foi encontrada uma série inteira de elaborações matemáticas incompletas, além de um caderno quase completo, da década de 1870, em quer se expunha em equações a relação entre a taxa de mais-valor e a taxa de lucro”. Acrescentando ainda que seu amigo “Samuel Moore…, assumiu a tarefa de elaborar para mim esse caderno, para o que ele, como antigo matemático de Cambridge, estava mais habilitado”. Ver: “O Capital”, Livro III, São Paulo, Boitempo, pp. 32-49).

AUTOR
 
A. Sergio Barroso é médico, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Campinas (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB e diretor da Fundação Maurício Grabois (FMG)