A tradição dos comunistas é de jamais ficarmos neutros em qualquer situação política que seja. Especialmente em eleições. Jamais deixamos de participar em instâncias ou entidades de quaisquer caráter que tenha relação com o povo, em especial sindicatos, por mais adversas que possam ser as condições.

Dezenas de exemplos na história mostram que, em determinados momentos – em eleições ou mesmo em meio a uma guerra –, faz-se uma escolha entre o “mal menor”, para que o “mal pior” (o fascismo/nazismo) vença. Os dois exemplos extremados e mais emblemáticos ocorreram na China e na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial e discorro sobre eles a seguir.

Mas, antes de entrar nesses dois exemplos – e espero que as pessoas conheçam minimamente a história –, quero apenas lembrar de um episódio de fevereiro de 1917, na Rússia, em seus momentos finais do czarismo. Lênin ainda estava no exílio. Mas já comandava a revolução pela força que a sua corrente no Partido já demonstrava ter nesse momento histórico pré-revolucionário.

Em fevereiro, o czar Nicolau Romanov renunciou e uma articulação política ampla colocou como chefe do governo provisório que o sucedeu o grão-duque Miguel Romanov, conhecido como Miguel da Rússia, irmão de Nicolau, que viria a abdicar logo em seguida. Depois dele, tomou posse como primeiro-ministro o príncipe Lvov, menchevique, do então Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR), do qual Lênin participava, que ainda não era “Partido Comunista”.

Mas esse governo também não durou muito e foi sucedido, no mês de julho, por Alexander Kerensky, um dos participantes da Revolução de fevereiro, e que havia sido ministro da Justiça desde o primeiro governo. Ele se considerava um “socialista revolucionário” (e não era nenhuma dessas duas coisas, diga-se de passagem).

Lênin só chegaria à Rússia em abril, quando publicou as suas famosas Teses de abril (1), nas quais ele divaga, sob a ótica marxista, sobre a questão do caráter do governo provisório. Nesse documento, ele levanta a questão da transição, ou seja, a instalação de um governo democrático-burguês, que defende certas liberdades que interessavam aos bolcheviques, mas por meio das quais jamais se poderia caminhar rumo ao socialismo. No entanto, Lênin sabia que a correlação de forças para o lado dos bolcheviques ainda era difícil. Até o nome do Partido não era Comunista como ele proporia nas Teses.

A questão mais importante que ele levanta é a famosa dualidade de poder instalada na Rússia. De um lado, o sistema parlamentar da Duma, típico da democracia burguesa, na qual, até aquele momento histórico, a tática adotada pelo marxismo internacional era dela participar. No entanto, um fenômeno novo estava surgindo na Rússia: os sovietes (uma espécie de comitês populares) e seu poder que se ampliava a cada dia. 

No entanto, os mencheviques e os tais “socialistas revolucionários” tinham maioria nos sovietes, em especial nos mais importantes. Essa correlação de forças desiguais só viria a ser alterada em agosto de 1917, quando os bolcheviques passaram a ser maioria no Soviete de Petrogrado, antes dominado por mencheviques (ala dos trotskistas). A partir daí, a situação se alteraria profundamente. Parecia que as condições objetivas e subjetivas (consciência e partido organizado) começavam a amadurecer, de forma que havia sido superada a forma de governo parlamentar burguês.

Apenas um episódio para que tenhamos uma ideia da correlação de forças completamente desigual entre os chamados “Socialistas Revolucionários” (SR) e os Mencheviques (corrente do POSDR). No dia 17 de junho de 1917, realizou-se na Rússia o 1º Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia. Ele aconteceu no salão principal da Escola Naval de Cadetes na Ilha de Vasilyevsky. 

Havia 1.005 delegados, dos quais 900 eram SR e Mencheviques e apenas e tão-somente 105 eram bolcheviques liderados por Lênin (2). Por este exemplo que aqui menciono, dá para vermos a correlação de forças amplamente desigual a favor de Lênin e dos bolcheviques. 

Para se contrapor então ao “cretinismo parlamentar”, como se diz, burguês, um dos temas centrais das famosas Teses de Abril seria: Todo poder aos sovietes. Só a partir daí é que se criaram as condições para a transição de um governo democrático-burguês para um sistema de revolução socialista. E ainda assim, demoraria mais alguns meses para a revolução, que viria somente em outubro. 

Em seguida a isso, na reunião do Comitê Central do Partido em agosto, com oposição de Trotsky como sempre, Lênin aprova a bandeira da Revolução e tomada do poder, que viria a ocorrer de forma simbólica com a tomada do Palácio de Inverso do Czar na cidade de Petrogrado. O processo revolucionário tem como marco principal a data de 25 de outubro de 1917 (7 de novembro pelo novo calendário).

Percebam que, no mesmo ano – em abril e agosto –, o próprio Lênin apresenta táticas distintas. Levando em conta o que exatamente? A bendita “correlação de forças”, conjunto de três palavras que os comunistas no mundo inteiro – quando aplicam a linha política justa – usam o tempo todo e que alguns, ainda que se proclamem comunistas e batam no peito e se digam “marxistas-leninistas” (sic), em especial os trotskistas, jamais levam em consideração. Querem “fazer revolução” sem que existam as condições, nem sequer as objetivas (materiais), quem dirá as subjetivas (consciência e partido organizado e forte). Isso é idealismo puro e que, na prática, joga contra a própria revolução. 

Este foi o exemplo no caso de os comunistas adotarem a tática de “apoiar o mal menor”, para derrotar “o mal maior” até que a correlação de forças assim o permita, ou seja, de um governo democrático-burguês – desejável sempre, claro – para um governo de caráter revolucionário e socialista; o qual na atualidade não temos a menor condição de vermos implantado.

Exemplos da aplicação da tática em momento de guerra

Vejamos o caso de 1933, na Alemanha antes de Hitler, quando ainda os sociais-democratas da República de Weimar (1920) governavam o país. Como os comunistas do Partido Comunista da Alemanha os tratavam? Eles diziam que os membros e militantes do PSD eram “sociais-fascistas”. Faziam encarniçada oposição como se estes fossem o maior inimigo do povo e da Nação, ainda que tenham dado ao país a melhor Constituição da sua história, que preserva muitos de seus artigos até os dias atuais, depois de passados cem anos.

Depois apareceu um obscuro cidadão chamado Adolf Hitler, que havia sido cabo no exército alemão na I Guerra Mundial. Inexpressivo, é bem verdade, um verdadeiro idiota. Border line, como se diz em psicanálise. Mas com a maior verve que se pôde assistir até aquele momento, em meio ao desemprego de 40%, desvalorização total da sua moeda (o marco) e a humilhação que o Tratado de Versalhes (França e Inglaterra, em 1919) havia imposto à Alemanha. 

Lembremo-nos que Woodrow Wilson – que presidia à época os EUA, que ainda não eram imperialistas e nem hegemônicos no campo capitalista – havia apresentado a sua famosa carta com 14 pontos, cujo sentido geral tinha como título “a paz sem vencedores”. As potências vencedoras rejeitaram dez desses 14 pontos, tanto que os EUA não são signatários da humilhação de 1919 (3), chamado Tratado de Versalhes.

Pois bem, prosseguindo na caminhada histórica, em 1933, Adolf Hitler – que já tinha estado preso na década anterior, mais precisamente em 1925 e escrito na cadeia o seu famoso livro antissemita e anticomunista chamado Mein Kampf (minha luta), com mais de 700 páginas, do qual não recomendo a leitura para ninguém – havia conquistado 43% dos votos, fazendo individualmente a maior bancada pelo seu então Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSADAP na sigla em alemão). Ganharia, assim, o direito de ser indicado chanceler para formar o governo. Comunistas e sociais-democratas fizeram, somados, 30% da votação apenas (4). 

Presidia o país Paul von Hindenburg, que havia presidido a República de Weimar, dos sociais-democratas. Ele era claramente um social-democrata. Seus assessores mais próximos diziam-lhe que deveria nomear Hitler chanceler (equivalente a primeiro-ministro). Hindenburg resistia. Mas dobrou-se pelos argumentos de que Hitler poderia ser facilmente controlado quando no exercício do poder (sic). Hindenburg foi derrubado em 1934, a Polônia invadida em 1939 e a história, daí em diante, todos conhecem.

A bandeira da Frente Ampla

Os comunistas viram claramente que jamais conseguiriam vencer o nazismo sozinhos. Levantaram a bandeira tradicional da “Frente Ampla”, que se materializaria em cada país europeu ocupado de maneira distinta e com amplitudes diferentes, claro. Essa frente teria de ser amplíssima. O único ponto que unificasse todas as correntes políticas deveria ser contra o nazismo. Não se tratava de acertar contas com a burguesia, nem de destruir o capitalismo e construir o socialismo. Nada disso. Tratava-se, sim, de derrotar o nazifascismo. Até a burguesia liberal capitalista, se quisesse lutar contra os nazistas, poderia participar da Frente.

Os três “grandes da época” (Roosevelt, Stálin e Churchill) reuniram-se por duas vezes. Na primeira delas, o camarada Joseph Stálin, comandante em chefe do glorioso Exército Vermelho – o verdadeiro e grande vencedor da Segunda Guerra –, juntamente com Winston Churchill (um anticomunista empedernido) e Franklin Delano Roosevelt (FDR, um social-democrata keynesiano), reuniram-se na cidade de Teerã, capital do Irã. 

O segundo encontro ocorreu em Yalta (na Crimeia, território da antiga Rússia). Dois arqui-inimigos do socialismo que queriam de qualquer forma destruir a URSS e se possível liquidar Stálin. Mas isso não seria possível. Aliás, permitiu-se que Hitler chegasse até onde chegou para ver se ele realizaria essa tarefa, objeto de desejo e sonho de todos os capitalistas.

Não se sabe se é verdade o fato que conto a seguir; mas contado tantas vezes, até pensamos que possa ter de fato ocorrido. Em determinado momento, na primeira Conferência em Teerã, Churchill, dito cristão, teria levantado a questão: “por que não convidamos o papa para a nossa próxima reunião?” E Stálin teria respondido: “quantas divisões blindadas tem o Papa?”. E a isso todos se calaram.

O segundo exemplo que quero apresentar ocorreu também em meio à uma guerra civil, no caso. Trata-se da guerra popular travada pelo Exército de Libertação Popular de Mao Tsé-tung contra os anticomunistas do Kuomintang, sob a liderança do general Chiang Kai-Sheck, que travavam essa batalha desde a década de 1920, pelo controle territorial e pela República. Mao, claro, defendia a Guerra Popular armada para a implantação do socialismo.

No entanto, um fato completamente inusitado ocorreu a partir de 1931 (e perdurou até 1933), por coincidência no mesmo ano da vitória eleitoral (ainda que relativa) de Hitler na Alemanha. O Japão do Imperador Hiroito decide invadir a Manchúria, importante região da China. E só viria a sair de lá com o final da Segunda Guerra; e libertada que foi também pelo Exército Vermelho soviético. 

Mas o que ocorreu após a ocupação da Manchúria? Representantes dos dois comandantes em guerra, um contra o exército do outro, decidem, em 1936, após a criação da Frente Unida da China, suspender os ataques entre si. E passam a atacar o inimigo invasor, comum entre eles. Finda a Segunda Guerra, derrotado o Japão, voltaram a guerrear até 1949, quando, em 1º de outubro desse ano, os comunistas vencem e chegam a Pequim (5).

Que lições podemos extrair desses dois importantes exemplos? Mais uma vez a velha correlação de forças. E avaliarmos corretamente como os embates se apresentam a cada momento é tarefa primordial pelos que primam pela análise dialética marxista. 

No caso da China, não teria sido possível aos comunistas derrotarem ao mesmo tempo os invasores japoneses e os anticomunistas. Fizeram uma aliança tática, circunstancial, momentânea. Não foi para governar juntos. Mas para derrotar um inimigo maior. De meu ponto de vista, esse é um exemplo histórico magnífico, ainda que sui generis.

A Frente Ampla na atualidade

No entanto, para muitas pessoas, esses dois grandes exemplos históricos de nada valem. O que vale é o momento. O melhor mesmo seria dizer ao povo: “olha, não se iludam, nestas eleições no primeiro e segundo turnos, nenhum partido, que não seja os de esquerda, presta”.

Aqui cabe uma pequena parada para entendermos o significado desse conceito. Para determinadas pessoas que se proclamam de “esquerda” e algumas até “marxistas-leninistas” (como certos líderes trotskistas), esquerda mesmo são apenas PCB, PCO, PSTU e UP (sic). 

Essas agremiações não elegeram sequer um único vereador em todo o Brasil (entre as 57.608 vagas em disputa) e tiveram exatos e apenas 64.983 votos (6). Muitos dos documentos internos dessas organizações chamam a tríade PT, PCdoB e PSOL de “partidos burgueses” (sic).

Outros setores, ainda que se digam de esquerda, indicam que, além desses quatro micropartidos “ultraesquerdistas”, a Frente de Esquerda não deve ser mais ampla do que incluir aí os três partidos  digamos, da chamada “esquerda tradicional” (PT, PCdoB e PSOL). Se uma frente dessa natureza fosse constituída para 2022 e se a votação de vereadores que tivemos em 2020 fosse igual, o percentual que essa frente faria seria de 10% dos válidos nacionais.

Por fim, ainda convivemos com pessoas do nosso campo de esquerda – e nem sempre a maioria das direções do PT e PSOL admite essa amplitude – se incluirmos nessa possível Frente de Esquerda, além dos micropartidos, a tríade tradicional e somássemos a votação do PSB, Rede e do PDT – para vereador neste ano de 2020 – ainda assim chegaríamos a ínfimos 20%. Ou seja, 10 partidos de uma chamada “esquerda ampliada”, não fariam mais que um quinto dos votos válidos no Brasil. 

Não se vence uma eleição presidencial com essa votação. A depender do cenário, se a direita e o chamado centro político lançarem duas candidaturas, poderemos vir a ter de escolher um menos ruim na segunda volta, pois dificilmente chegaríamos ao segundo turno. 

Pelo menos em termos de votação nos partidos de centro e centro-direita, para o cargo de prefeito no primeiro turno apura-se que eles amealharam 65,34% dos votos válidos e a extrema-direita bolsonarista 14,64% (o grande derrotado nestas eleições foi mesmo o bolsonarismo e seu neofascismo em decadência) (7).

Desde a vitória do Bolsonaro em 2018, o Comitê Central do PCdoB aprovou a proposta de uma resolução pela formação de uma Frente Ampla para derrotar o neofascismo/bolsonarismo no Brasil. Muitos, no campo da esquerda, por certo, torceram o nariz, talvez pela convicção que devem ter de que derrotarão o fascismo com uma frente só de esquerda. 

No entanto, a vida nos mostrou nesses dois anos de (des)governo que a Frente precisa ser Amplíssima para derrotar o fascismo, que segue ainda com força e com a caneta de nomeações, com os meios de comunicação; de forma que Bolsonaro pode chegar a 2022 ainda como favorito (pesquisas recentes indicam que ele tem em torno de 35% de apoio firme).

Os comunistas e parte do PT sempre afirmaram que os três grandes blocos de forças políticas no país – esquerda, centro e direita – eram, grosso modo, um terço cada. Isso talvez possa ter sido verdade em outros momentos. Quando Lula partiu para a sua quarta candidatura, em 2002, sabe-se que ele teria dito ao PT: se eu não puder indicar meu vice, não sairei candidato. 

Pois bem, o resto todos sabem. Indicou o maior empresário têxtil nacional, um burguês “traidor e explorador de trabalhadores” no dizer de muitos textos de jornais e partidos esquerdistas. E foi o melhor vice-presidente da história, depois do grande Jango, que virou presidente. Que fez Lula? Ganhou o centro! E governou com o chamado “centrão” (que na prática é direitão), reelegeu-se em 2006, elegeu sua sucessora em 2010 e a reelegeu em 2014. E venceria as eleições presidenciais de 2018 não fosse o golpe. Tudo isso com uma aliança ao centro.

Os números dos três blocos de forças políticas no país agora estão todos na mesa. A esquerda ampliada (vejam bem, PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT, Rede e os quatro micropartidos) teve exatos 20% dos votos validos, ou seja, não chegamos ao tal um terço dos votos que supúnhamos ter. A direita radical, é bem verdade, encolheu barbaramente. O que cresceu de forma exponencial foi o centro político e a centro-direita, que ultrapassaram a casa dos 65%. 

Qual a nossa capacidade neste momento de ampliarmos o arco de alianças? Muito pequena. Além de termos uma boa parte do nosso campo resistindo em aceitar até PSB, PDT e Rede, que dirá outros de centro e de centro-direita. Para essas correntes políticas, isso nunca ocorrerá. Não bastasse tudo isso, em centenas de cidades em primeiros e segundos turnos, essa frente, mesmo pequena e estreita, nem sequer conseguiu ser formada.

Posicionamentos em outros países

Não quero aqui enchê-los de números. Mas vale a pena rememorarmos as eleições – em primeiro turno –, na França, ocorridas em abril de 2017. A grande maioria da esquerda, unida em torno de Jean-Luc Mélenchon, não conseguiu ir ao segundo turno, realizado em 7 de maio. Os dois candidatos eram Emmanuel Macron, um capitalista e neoliberal, e Marine Le Pen, também tudo isso, além de uma fascista. 

Que fizeram os partidos de esquerda, em especial os comunistas? Chamaram o voto crítico em Macron. E os trotskistas e grupos ditos ultra-esquerdistas? Chamaram voto nulo ou abstenção, com o discurso de que “os dois são a mesma coisa”, que seriam “farinha do mesmo saco”, ou ainda “nenhum presta”. Isso não é e jamais foi verdade em tempo algum. Em qualquer tipo de eleição, em qualquer nível que se possa estudar. 

Ao chamar o voto crítico em Macron, toda a esquerda (lúcida e consequente) da França o fez não para governar com ele, mas para barrar o fascismo. E, desde o dia da sua posse, vem fazendo dura e encarniçada oposição ao seu governo.

Por fim, vale a pena analisarmos as eleições dos EUA, ocorridas em 3 de novembro de 2020. Em todas as minhas participações semanais, em dezenas de programas em TVs de streaming, o tempo todo eu tentava explicar o porquê de o Partido Comunista dos EUA, o Partido de Ângela Davis, chamar o voto em Joe Biden. 

Todos sabem que lá não há dois turnos. A escolha do “menos ruim” deve ser feita já no primeiro e único turno. E toda a esquerda estadunidense fez a mesma coisa. Em especial os 20% da esquerda do Partido Democrata, que se intitulam Democratic Socialist of America, DAS (Socialistas Democráticos dos Estados Unidos). E venceram. Os comunistas vestiram camisetas, usaram bonés, bottons, fizeram comícios onde isso foi possível que isso ocorresse. Mas jamais participarão do governo Biden e lhes farão oposição desde a sua posse em 20 de janeiro de 2021.

Também naquele caso, jamais se pode dizer que ambos são a mesma coisa, que ambos são iguais. Não são e sabemos disso. Mas, parte da esquerda – não saberia dizer o tamanho dessa fatia, lá e aqui – está convicta de que nenhum dos dois presta e que seria impossível indicar ao eleitorado qual seria o “menos ruim”. 

De forma que chama ou a neutralidade, ou que cada eleitor escolha em quem votar, ou que votem nulo ou branco. Um verdadeiro absurdo e sem nenhuma tradição da ação dos comunistas no mundo inteiro. Ainda bem que lá isso foi residual e Biden conseguiu vencer por mais de sete milhões de votos à frente de Donald Trump, neofascista (em números redondos o resultado final foi de 81 milhões para Biden e 74 milhões para Trump). E comunistas e outros setores farão oposição ao Biden em todas as suas medidas contra o povo e em plano mundial.

Nestas eleições cresceu o Centrão (que na verdade é “direitão”), mas surgiu também um centro político, que jamais foi fascista, e até usa legendas do campo direitista (e são dezenas), mas jamais apoiaria a reeleição de Bolsonaro. E o critério para a formação dessa frente ampla deve ser de oposição ao bolsonarismo.

Observações gerais sobre as eleições municipais

Em função dos artigos que li e das entrevistas às quais assisti nas várias TVs de streaming que acompanho, pelos canais do YouTube, tomei nota de várias observações, as quais publico a seguir: 

1. Boa parte da mídia televisada e seus jornalões impressos, mais uma vez, decretam a morte do PT e particularmente a aposentadoria precoce de seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, o maior presidente que este país já teve na sua história. 

Por certo estou em completo desacordo com esse tipo de avaliação. Muito ao contrário. O PT não só não caiu, em comparação com 2016, como alcançou algumas importantes vitórias. E, mesmo sem ter ganho diretamente prefeituras de alguma capital, está coligado ou apoiou vários prefeitos que venceram as eleições em segundo turno, em especial no conjunto das 95 maiores cidades do país com mais de 200 mil eleitores.

2. Em função da legião enorme de abstenções, somadas aos brancos e nulos, jogaram fora mais de 44 milhões de votos, projetando um índice ABN de 37,31%, ou seja, a cada 10 eleitores inscritos, praticamente quatro jogaram fora seu voto (8) (houve cidades, como o Rio de Janeiro no segundo turno de prefeito, o índice ABN ultrapassou 50% do eleitorado inscrito).

3. Entre os dois mais importantes partidos na esquerda tradicional no Brasil – PT e PCdoB –, é preciso registrar que ambas as suas direções nacionais adotaram a tática eleitoral nacional de “lançar candidaturas a prefeito/a no maior número possível de cidades”. 

Minha opinião inicial é de que talvez tenha faltado “calibragem” nessa orientação, de forma que na maioria dos municípios, em especial muitas capitais e cidades com dois turnos, isso foi levado às últimas consequências, sem caminho de volta no sentido da formação de unidades amplas das forças progressistas, com a retirada aqui e ali de nomes postos com vistas à unificação. 

Na maioria dos casos, isso era deixado para o segundo turno. Em 29 cidades, das 57 que tiveram segundo turno, as duas candidaturas eram do campo conservador. Em que medida isso ocorreu pelo fato que a esquerda dividiu-se em várias candidaturas já no primeiro turno?

4. Uma das observações mais importantes diz respeito ao discurso adotado nas campanhas nas grandes cidades – mas isso ocorreu também nas médias e pequenas. A eleição foi “nacionalizada”, com a discussão de temas nacionais e às vezes até internacionais, quando os/as eleitores/as queriam ver mesmo as propostas dos e das candidatos/as para a sua cidade, relacionadas às questões mais concretas e do dia a dia da vida dos munícipes.

5. Devemos levar em conta a bem sucedida experiência de Belém onde, já no primeiro turno, a maioria dos partidos de nosso campo unificou-se em torno da candidatura de Edmílson Rodrigues do PSOL, que já governara essa cidade por duas vezes. 

No segundo turno, mais alguns partidos foram agregados. Ainda assim, a diferença de votos não foi tão grande, mostrando-se uma eleição difícil. Da mesma forma, essa experiência foi quase bem-sucedida em Porto Alegre, ainda que o PSOL e o PDT tenham optado por lançar candidaturas próprias no primeiro turno. Mas unificou-se bastante no segundo turno. Ali, já se sabia que seria uma batalha renhida, pois todas as forças de direta e mesmo de centro unificar-se-iam contra a candidatura da jovem Manuela, do PCdoB com um vice do PT.

6. A experiência de Recife é digna de registro, ainda que não seria apropriado entrarmos no detalhamento dos problemas de campanha em si, na medida em que temos esperanças de que o tempo haverá de cicatrizar eventuais feridas que ficaram das eleições municipais de 2020. 

Apenas quero registrar que o PT integra o governo do estado de Pernambuco, do governador Paulo Câmara, do PSB, assim como integra a Frente Popular, fundada pelo saudoso Miguel Arraes. Segundo as informações que me chegaram, o PT de Recife e do estado indicou a coligação com o PSB, cuja candidatura a prefeito seria do jovem João Campos, deputado federal de 26 anos. 

Infelizmente, a deputada federal Marília Arraes recorreu ao Diretório Nacional do PT, que acatou o seu recurso e a confirmou como candidata. Isso acarretou um racha considerável no Partido dos Trabalhadores de Pernambuco, que fez com que o presidente do Diretório Municipal de Recife acabasse renunciando por discordar dessa tática. 

Em minhas análises, no primeiro e no segundo turno, sempre dizia que qualquer um dos dois candidatos que vencesse, a prefeitura estaria em nosso campo. Mas, infelizmente, a maioria das análises que ouvi, vi e li, indicava como um verdadeiro absurdo o PDT e o PCdoB, estadual e nacional, apoiarem o PSB recifense. Achei absolutamente legítima essa eleição, por mais de cem mil votos de diferença, com a esperança de voltarmos a construir a unidade popular na cidade e no estado, com vistas a 2022.

7. Os casos de São Paulo e Rio de Janeiro são também merecedores de atenção de nossa parte. Em ambas as cidades, a esquerda não saiu unificada. No caso de São Paulo em particular, ainda se conseguiu que Boulos/Erundina fossem ao segundo turno, que ganhou apoio integral e firme do PT e do PCdoB, além da Rede (o PSB do ex-governador Márcio França não indicou voto). 

A batalha foi dura, mas os 40% dos votos de Boulos foram bastante positivos. No caso do Rio, me parece que o erro veio desde a renúncia a se candidatar do deputado Marcelo Freixo (PSOL), que não só unificaria praticamente toda a esquerda, mas teria chances reais de ser o segundo colocado para termos uma opção no segundo turno. 

De qualquer forma, tanto o PT quanto o PCdoB não se omitiram no segundo turno. Sem nenhum acordo eleitoral com o candidato do DEM, Eduardo Paes, indicaram o voto crítico aos seus eleitores, para barrar o “mal pior” que era a candidatura à reeleição de Crivella, da extrema-direita bolsonarista e fundamentalista evangélico. E Paes venceu de forma estrondosa, derrotando fragorosamente a extrema-direita.

Perspectivas para 2022

Nesta parte final deste ensaio, pretendo abordar dois aspectos. Um primeiro deles é uma análise no atual estágio da movimentação das candidaturas, apresentando todas elas e seu potencial eleitoral. E viabilidade. Em seguida, pretendo falar sobre blocos e/ou campos eleitorais que podem vir a ser formados para a disputa de 2022.

O primeiro aspecto que quero abordar é – como materialista dialético que sou – a forma de análise concreta que temos de desenvolver da realidade concreta: levar em conta a atual correlação de forças na política. E nem sempre vinculado diretamente ao resultado numérico das eleições. Explico. Analisarmos a realidade atual com a mesma ótica que tínhamos quando dos acontecimentos de 2016 – golpe – e 2018 – eleição do neofacista –, é absolutamente equivocado. Simplesmente pelo fato de que ambas as realidades estão absolutamente superadas e não existem mais. 

O Brasil daquela onda bolsonarista/neofacista que foi criada artificialmente pela Rede Globo, de ódio ao PT e aos partidos progressistas, de demonização da política, de fortalecimento do próprio Bolsonaro, já não existe mais. Não que agora as coisas estejam tranquilas, mas seguramente o neofascismo não tem mais a força que já teve. E os números falam por si claramente. Os blocos em que, desde o centro até a extrema-direita, estão divididos (já mencionados cima) têm divergências entre si que podem e devem ser exploradas pelos partidos progressistas.

Ainda que a esquerda não tenha recuperado seu potencial eleitoral que já teve no passado, conseguiu segurar a queda com relação ao ano de 2016. Mas o grande fator que dá musculatura ao campo progressista tem relação com o seu programa para o Brasil. 

As propostas do nosso campo são indiscutivelmente as melhores para o país. A direita sempre teve e sempre terá dificuldades de defender seu programa claramente privatista, de enfraquecimento do estado, de capitalismo neoliberal, de entreguismo de nossas empresas ao imperialismo. Como defender, por exemplo, a privatização do SUS? 

Também em nosso campo, os nomes são os mais palatáveis, os que têm maior destaque, projeção, melhores propostas, mesmo que nem exista ainda uma unidade entre todos eles. No campo do PT, temos o ex-presidente Lula, o mais forte de todos os candidatos, e Fernando Haddad, com o recall de 2018 muito forte, onde teve no segundo turno 47 milhões de votos. 

Temos ainda o eterno candidato Ciro, do PDT. Temos ainda a possibilidade de Flávio Dino, do PCdoB e a Manuela, de Porto Alegre. Temos a sempre candidata Marina Silva, da Rede, que perdeu mais de 90% de seu antigo capital eleitoral pelos erros cometidos. Temos o Guilherme Boulos, do PSOL, fortalecido pela sua ida ao segundo turno. Temos o nome do outsider, ainda no MDB, Roberto Requião.

No campo da direita, são poucos os nomes com alguma viabilidade. Fora o próprio Jair Bolsonaro (sem partido), candidatíssimo à reeleição –, se chegar até 2022 no cargo. Temos João Dória (PSDB), que saiu fortalecido das eleições e controla a máquina do PSDB. Fora isso, que outros nomes estão postos? Sérgio Moro? Completamente desmoralizado com suas cada vez mais desastrosas decisões pessoais (aceitar ministério no governo neofascista e agora entrar de sócio de escritório de recuperação judicial que tem a Odebrecht como cliente que ele ajudou a falir). 

Tem o Luciano Huck, que a rede Globo vem tentando fabricar em seu caldeirão de maldades. Não se viabiliza. Artista não tem potencial eleitoral, não tem base, estrutura partidária, prefeituras e milhares de vereadores. E seu programa? Como defender os pobres, estando entre os mais ricos do país? Que outros nomes? Um verdadeiro deserto de nomes com grande potencial e um deserto de ideias e propostas para o desenvolvimento nacional e a diminuição da desigualdade.

A questão é: devemos discutir desde já um nome que possa unificar todas as legendas progressistas existentes no país e mais uma possível composição com o centro político e a direita não fascista, sob a hegemonia da esquerda? A meu ver é precoce esse debate, ainda que todos os analistas insistam em analisar os pré-candidatos e sua viabilidade. 

De meu ponto de vista, ainda que não seja correto colocarmos uma candidatura que se proponha unificada de todo um campo progressista mais o centro político, preciso deixar registrado também que só vejo um nome capaz de unificar quase todos os dez partidos da chamada esquerda ampliada: Luiz Inácio Lula da Silva. 

Por isso, também sob meu modesto ponto de vista, a campanha pelos direitos políticos de Lula é questão central, e deve ser abraçada por todos. Lula não tem capacidade apenas de unificar grande parte ou até a totalidade da esquerda. Tem também a capacidade – infinitamente maior que Ciro, que tenta isso há tempos – de atrair o centro político.

No caso específico de Ciro Gomes, que há tempos se desgarrou do campo da esquerda, ainda que tenha um programa nacional-desenvolvimentista, patriótico e democrático, seu discurso tem sido atacar sistematicamente Lula, o PT, a esquerda e vários blogues progressistas que possuem canais de streaming no YouTube. E faz esse movimento na ilusão de que será apoiado pelo centro e pela direita. Isso não ocorrerá. E pior: ele ficará cada dia mais isolado.

Como unificar toda a esquerda ampliada (pelo menos dez partidos)? Como mencionei, a volta dos direitos de Lula é parte disso. No entanto, isso poderá não ocorrer. A mesma burguesia que ainda mantém o neofascista na presidência pode decidir – ela controla o Supremo, ou não? – que a suspeição do “juiz” Sérgio Moro não deva ser colocada em votação (está parada há dois anos) ou até colocá-la em votação e derrotá-la com maioria de votos.

Nesse sentido, precisamos dar passos seguros, firmes e desprendidos, de chamar uma reunião com a direção nacional de todos os dez partidos mencionados inicialmente. Formarmos – se for possível – uma espécie de Coordenadoria Nacional – que alguns chamam de Mesa Nacional – e iniciarmos imediatamente o diálogo entre nosso campo. De avaliação da conjuntura, de avaliação das eleições e perspectivas.

Em um segundo momento – definido o número exato de partidos que topam essa conversa –, devemos discutir sobre quais seriam nossos objetivos e táticas para 2022, mas em especial a questão de uma plataforma mínima de pontos e compromissos (isso não seria ainda um programa de governo para o Brasil). 

Por fim – e isso não deveria ultrapassar junho de 2021 – deveríamos discutir uma espécie de protocolo e método de definição de um nome que unifique esse campo. Para isso, poderíamos lançar mão – como disse no meu ensaio anterior – das chamadas Prévias Cidadãs, apresentadas em 2016 pelo historiador Célio Turino (9).

Para finalizar, quero mencionar que tenho visto, nos últimos tempos, comentaristas e analistas políticos e mesmo altos dirigentes do Partido dos Trabalhadores (chamado “fogo amigo”) insistirem na esdrúxula tese de uma “aposentadoria” precoce do presidente Lula, que encontra-se no auge de sua maturidade política. Muitas vezes compara-se Lula com Mandela. Do ponto de vista de seu papel na história, como estadista, como presidentes, e isso é bastante pertinente.

No entanto, há uma diferença umbilical. Quando Mandela foi preso pelo regime de Apartheid na África do Sul em 1963, ele era uma espécie de chefe da guerrilha sul-africana, chamada A lança da Nação (Umkhonto we Sizwe, na língua Zulu). Mandela entrou para a prisão como um revolucionário, avesso a qualquer conciliação. Saiu da prisão após 27 anos, em 1990, muito moderado, conciliador. Fez a transição na África do Sul.

Mas e Lula? A prisão que ele teve em 1981 foi relativamente pequena. E isso não moldou a sua consciência. No entanto, os 580 dias na cadeia em Curitiba, onde ele virou um leitor voraz de livros, depois de sua libertação ele é claramente uma outra pessoa, com uma consciência política muito mais elevada do que quando entrou na prisão. Vejo que Lula compreende melhor a questão da centralidade da luta anti-imperialista (10).

Os cinco campos políticos

Em um ensaio que escrevi anteriormente, como se fosse a primeira parte deste atual trabalho, detalhei a força de cada partido existente no cenário político nacional, sua votação em números absolutos e relativos (percentuais). Apontei perspectivas sobre a superação da cláusula de barreira draconiana existente, que vigerá plenamente em 2030 (3% dos válidos) (11).

Pretendo aqui dar prosseguimento a essa análise, descrevendo quais são os partidos, seus votos e sua força em cada um dos cinco campos que classifiquei os partidos existentes no país. Veremos a seguir.

1. Campo da esquerda ampliada – É composta pelos partidos mais clássicos e tradicionais de esquerda, de forma assumida, como PT, PSOL e PCdoB. Nesse bloco incluo ainda o que venho chamando de micropartidos da ultraesquerda, como PCB, PCO, PSTU e UP. Por fim, PSB, PDT e Rede – que nem todas as forças e correntes de esquerda no país concordam que sejam incluídos neste bloco. Esses partidos obtiveram, juntos e somados, para vereador exatos 18.556.426 votos ou 20,01%.

2. Centro político – Aqui também não há consenso entre analistas políticos de quais partidos poderiam levar este epíteto de “centro”. Fizemos a opção de incluir neste campo o Cidadania – antigo PPS e ex-PCB –, PV e PSD (de Gilberto Kassab). Esses partidos obtiveram juntos e somados 12.153.292 votos ou 13,11%.

3. Centro direita – Aqui também usei essa denominação, ainda que alguns analistas chamem este campo de “direita neoliberal”. São eles: MDB, Podemos (ex-PHS e ex-PTN), PSDB, DEM e o Novo. Esses partidos tiveram juntos e somados 24.240.604 votos ou 26,14%.

4. “Centrão” – Aqui sabemos que esses partidos são do campo da direita. Mas, como sua atuação é bastante distinta da dos partidos do bloco anterior, seguimos usando essa mesma nomenclatura que os “imortalizou” na imprensa brasileira. São eles: PP, PL (antigo PR), PTB (12), Solidariedade, Avante (ex-PTdoB), PROS, PTC, DC (ex-PSDC), PMN e PMB. Estas 10 organizações partidárias tiveram juntas e somadas 24.192.744 votos ou 26,09%.

5. Extrema-direita – Alguns chamam de partidos “bolsonaristas”. É claro que são sempre polêmicas e relativas todas essas classificações, mas temos que partir de algo para nossa análise. Integram esse campo os partidos: PSC, PSL (pelo qual Bolsonaro foi eleito, do qual já se desligou), Patriotas (ex-PEN), Republicanos (ex-PRB, de propriedade da Igreja Universal do Bispo Edir Macedo) e PRTB. Esses partidos tiveram juntos e somados 13.578.972 votos ou 14,64% dos votos válidos.

Aqui fazemos dois comentários. O primeiro sobre uma época em que quase todos de esquerda diziam que o Brasil era dividido em três partes – esquerda, centro e direita –, com um terço de votos cada uma delas. Quem ganhar o terço do meio, ganha a eleição e governa o país. 

No entanto, isso não se confirmou. Toda a esquerda ampliada hoje não passa de 20%. A extrema-direita – classificação nova que dividiu o campo direitista – ficou reduzida a 14%. O centro e a direita tradicional, além de terem crescido muito, têm somados 53,04%, ou metade dos válidos (mais de 48 milhões de votos). 

Apenas para efeitos de raciocínio sobre a amplitude da frente: como vimos, toda a esquerda ampliada fez 20% dos votos. Se ela ganhar o que aqui chamamos de centro, a soma de ambos atingiria 33,12% dos votos, o tal um terço dos voos e ainda assim, corre-se o risco de virmos a ter duas candidaturas de direita em um segundo turno. 

Outro comentário importante é sobre a questão que deve ser o corte central, no que diz respeito a uma política de alianças, seja para presidente do Brasil e, mesmo agora, por exemplo, que temos visto para a eleição para presidente da Câmara dos Deputados. O corte central deve ser: quem defende a democracia e quem não a defende. 

E, claramente, o campo bolsonarista, e ele como pessoa, são profundamente antidemocráticos. Dito de outra forma, colocar como linha de corte para saber com quem conversamos ou não, relacionados aos episódios do impedimento da presidente Dilma em 2016, também não deve ser a linha tática do campo oposicionista. A defesa da democracia deve ser o centro.

Sobre as candidaturas já postas 

Mesmo que tenhamos defendido que toda a esquerda ampliada (dez partidos) se sente à mesa, converse, fixe um programa mínimo e estabeleça um protocolo e método de como definir um nome unificado para disputar as eleições em 2022, é preciso reconhecer que existem muitos pré-candidatos já colocados, alguns nessa condição desde 2018.

Aqui também volto a dizer com todas as letras: não vejo outro nome com capacidade de aglutinar toda a esquerda ampliada e ainda atrair o centro político que não seja Luiz Inácio Lula da Silva, que segue ainda sem seus direitos políticos plenos. Isso dificulta imensamente a construção de um nome único. 

Nesse sentido, o campo da esquerda mais clássica e tradicional tem vários candidatos. Como o governador Flávio Dino (MA), do PCdoB ou mesmo a Manuela D’Ávila (RS); Guilherme Boulos, do PSOL, que sai fortalecido com a projeção de seu nome ao ter obtido 40% no segundo turno nas eleições municipais em São Paulo. E Lula não saindo, temos o professor Fernando Haddad, que tem um recall muito grande de 2018, com seus 47 milhões de votos no segundo turno.

Quando caminhamos para a chamada esquerda ampliada, teremos a sempre candidata Marina Silva, com o seu Partido Rede Sustentabilidade agora plenamente legalizado. Não se sabe seus projetos pessoais, se sairá ou não candidata novamente, ou se seu partido se coligará com outros. O PSB não tem um nome próprio, mas não teria dificuldades para arrumar um pré-candidato.

Por fim, o sempre candidato Ciro Gomes, hoje filiado ao PDT. Político profissional há décadas, que veio de um berço político conservador (antiga Arena), que, gradativamente, situou-se no espectro político da centro-esquerda. Foi quase tudo na vida: deputado estadual, federal, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará e ministro de Estado. Só não foi senador e presidente da República. Mas tentou três vezes essa condição, em 1998, 2002 e 2018. E está em campanha para candidatar-se pela quarta vez em 2022.

Sua tática eleitoral tem sido desastrosa. Optou por atacar o PT de Lula, o próprio Lula, partidos de esquerda (ainda que nem todos) e até TVs de streaming do campo progressista. Seu claro objetivo tem sido o de mostrar-se palatável para os partidos de direita e centro-direita na esperança de que o apoiem em 2022 e que ele possa ser alternativa aos e às eleitores/as do PT e da esquerda tradicional. 

Nas eleições municipais de 2020, o PDT de Ciro coligou-se com o DEM em várias prefeituras e capitais do Nordeste, sendo a mais expressiva Salvador, Bahia, que tem o vice-prefeito em uma chapa encabeçada pelo DEM de ACM Neto. A esperança de Ciro é de que o DEM, ou mesmo o PSDB, possam vir a indicar um vice em sua chapa, ou mesmo algum grande partido do chamado “Centrão”. 

No entanto, isso é uma doce ilusão. Não só ele não herdará os possíveis votos dos desiludidos com o PT e Lula, como não receberá apoio da direita por esta não estar de acordo com o seu programa que, temos que reconhecer, tem viés desenvolvimentista, patriótico e nacional. 

Mas, infelizmente, a sua decisão de se antecipar no lançamento de sua pré-candidatura e seus constantes ataques a toda a esquerda, ou a maioria dela, vêm dificultando a sua aproximação com esse campo. Este, portanto, seria um segundo campo em construção.

Um terceiro campo, também em construção, mas que caminha para ser consolidado, tentando aglutinar forças dos partidos de centro e de direita (não fascista), é o que vem sendo encabeçado pelo governador de São Paulo, João Dória, do PSDB, partido esse que hoje ele controla integralmente. O PSDB, assim como MDB e DEM, com relação aos anos anteriores, também sofreu uma grande desidratação em termos de votos. No entanto, a máquina governamental de São Paulo não é pouca coisa. 

Por fim, o campo do bolsonarismo ou neofascismo. Não se sabe se Bolsonaro chegará “vivo” politicamente a 2022. Volta-se a falar em seu impedimento – e já são mais de 50 pedidos na Câmara, onde Rodrigo Maia senta em cima de todos eles. As arestas que ele vem criando com vários setores, até mesmo com a burguesia nacional e exportadora, com os constantes ataques à China.

O que temos dito de forma clara quando somos indagados sobre o porquê Bolsonaro não cai apesar de tudo que tem feito. São várias as respostas a essa questão. A primeira diz respeito a um apoio consolidado em 30% a 40% da população brasileira. E mesmo uns 15%, que chamamos de “bolsonarismo de raiz” (neofascistas na sociedade brasileira). Esta pequena parcela – muita ativa nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens instantânea – vai “morrer” com ele, ou seja, irá com ele até o final de seus dias no governo.

Mas, o segundo aspecto, talvez o mais importante, é que simplesmente a burguesia brasileira (que grande parte da esquerda insiste em chamara vagamente de “elite”) não tomou a decisão ainda de substituí-lo, apesar de todo o seu estilo genocida com relação ao combate da pandemia, apesar de seu jeito tosco de se relacionar com a sociedade, de suas declarações estapafúrdias. 

Esse segmento social não está nem um pouco preocupado com isso ou com a imagem do Brasil no concerto das nações. Como se diz em linguagem popular, “estão pouco se lixando” com a imagem do Brasil. 

Desdobramentos e perspectivas

Não é nada fácil construirmos cenários no sentido de estimar como serão as eleições que ocorrerão daqui a quase dois anos. Como pesquisas de opinião e corridas de cavalos, uma foto tirada agora mostrará apenas a realidade de agora. Se tirarmos outra foto mais à frente, poderá haver modificações nas posições dos candidatos e… dos cavalos. Mas vale a pena o exercício analítico. 

Como disse anteriormente, todos os cenários se alteram tendo em vista o fator chamado “Lula”. Se ele disputa, é um cenário e, se ele não disputa, será outro cenário completamente distinto. Na hipótese de – finalmente – o STF julgar a suspeição de Moro no início de 2021, quando voltar do recesso, e tivermos anulado todos os processos farsescos instaurados por Sérgio Moro contra Lula, este poderá colocar-se à disposição de um conjunto muito grande de forças políticas que poderão se reunir em torno de dele. 

Só Lula teria autoridade moral e política para convocar todo o campo que neste ensaio chamamos de “esquerda ampliada” (dez partidos) e, em um segundo momento, o chamado “centro político” e, posteriormente, o campo mais conservador. A construção de um programa será, no campo da esquerda, relativamente fácil. 

É claro que o campo conservador vai querer opinar sobre ele – e devemos ouvi-los. Mas não há como um programa de governo de um Lula politicamente mais avançado, mais consciente e – por que não – mais anti-imperialista, vir a ser menos radical dos que todos os programas dele próprio (2002 e 2006) e da Dilma (2010 e 2014).

Isso liberará uma imensa energia que está represada de todas as nossas forças políticas progressistas e patrióticas. A esse campo se somarão todas as pessoas de todos os segmentos sociais opositoras ao governo neofascista vigente, bem como pessoas desiludidas e desencantadas com Bolsonaro e que até possam ter nele votado manipuladas que foram pelos meios de comunicação. 

O sentimento que tomará conta das pessoas e de todas essas forças será um que apontará na linha de modificar todas as maldades que foram feitas contra o povo brasileiro nesses dois primeiros anos de verdadeira destruição de nosso Brasil. 

O orgulho da Nação voltará a bater no peito de todos os brasileiros. Os meios de comunicação de massa, sempre hostis tanto a Lula quanto à esquerda em geral, procurarão realizar uma cobertura mais equilibrada do processo político em curso. Isso seria o melhor dos mundos para todos nós e para o Brasil.

Até a candidatura posta de Ciro Gomes poderá vir a ficar abalada e mesmo isolada, pois sua tentativa de atrair o centro e parte da direita se mostrará derrotada. Lula é que será o centro da atração e não Ciro, que deve ser procurado e chamado para este campo. A direita terá que decidir se ficará com o campo neofascista ou se poderá aderir ao campo progressista. 

No entanto, tudo isso poderá não ocorrer. Pelo simples fato, como já dissemos, de que o Supremo poderá seguir segurando a votação da suspeição de Moro (o que mais será preciso para que isso fique claro?), ou até mesmo colocar em votação na segunda turma e derrotar Lula por lá mesmo, de forma que a sua situação jurídica possa até mesmo piorar, com o julgamento na terceira instância batendo à porta. 

Essa é uma opção que não pode jamais ser descartada. Se isso ocorrer, ficará claro que a burguesia brasileira terá feito a sua pior escolha, abrindo caminho até mesmo para convulsões sociais. Esperemos que não precisemos chegar a esse cenário.

Os micropartidos ditos ultraesquerdistas (PCB, PCO, PSTU e UP ) insistem em formar uma coligação apenas com o PSOL. Têm resistências até ao PT e ao PCdoB. Não creio que o PSOL caia nesse canto da sereia e se deixe enganar. Parte da esquerda petista (temo que talvez a grande parte) vai defender uma candidatura de esquerda com os micropartidos apenas. Esse campo poderia ser então encabeçado pelo professor Fernando Haddad com uma indicação de vice que poderia ser Flávio Dino, do PCdoB. 

Ciro Gomes, do PDT, seguiria a sua trilha inexorável de tentar atrair o PSB para seu campo, mais o DEM e parte da direita e centro-direita e mesmo o centro político. Aqui é importante registrar que o PCdoB, que sempre defendeu uma frente ampla, ficará em um grande dilema entre manter-se no campo da esquerda mais estreita e na linha de marcar posição com 10 a 20% dos votos ou até apoiar esse campo, podendo também oferecer o mesmo nome de vice, fortalecendo o campo do centro político. 

Como disse, o campo dos setores mais progressistas e patrióticos, com programas mais avançados de governo, poderá se apresentar às eleições de 2022 com duas candidaturas, ambas bastante competitivas. Espero de todas as formas que isso jamais venha a ocorrer, pois corre-se o risco de vermos duas candidaturas direitistas no segundo turno.

O chamado “Centrão” jamais lançaria uma candidatura. Não tem nomes e nem querem isso. Mas poderá vir a ser o fiel da balança com seus dez partidos e seus quase 25 milhões de votos (26%). Pode fechar com Ciro Gomes ou fechar com uma candidatura de direita (não fascista) que poderia ser encabeçada por João Dória, governador de São Paulo, do PSDB. O seu vice, Rodrigo Garcia, é do DEM e receberá o governo de São Paulo, nas mãos a partir de 30 de março (ou próximo disso), por nove meses. Isso não é qualquer coisa. Uma máquina considerável.

João Dória poderá – ou não – atrair todo o Centrão e mais o MDB. Também poderia atrair o Cidadania, o Podemos e o PSD (do Kassab) que poderiam vir a compor com esse campo. Que teria ampla simpatia dos meios de comunicação de massa, da Rede Globo e dos jornalões burgueses ainda existentes (Globo, Estadão e Folha). 

Poderão ver nesse campo a materialização de suas propostas neoliberais capitalistas (financeiras) com certa concessão social, certa rede de proteção e amparo social aos mais pobres. Esse teria sido o seu sonho em 2018, quando rifaram a candidatura de centro de Geraldo Alckmin.

Por fim, o campo do bolsonarismo, que poderá continuar existindo mesmo sem ele – na hipótese de ele ser trocado por algum acordão nacional por dentro do Congresso Nacional, com o “supremo, com tudo”. Na hipótese de Bolsonaro ainda chegar vivo a 2022, ele poderá agrupar os partidos do campo da extrema-direita e até mesmo legalizar o seu Aliança para o Brasil, por onde se candidatará. Um cenário complexo e difícil, mas é exatamente isso que a realidade política nacional hoje está apontando. 

Paralelo a tudo isso, iremos atravessar o ano de 2021 com uma imensa queda no PIB nacional, com a crise econômica que seguirá forte em plano mundial, afetando o Brasil. A pandemia em 2021 não estará controlada. Ao contrário. Não há sistema de imunização mundial que dê conta de conter a propagação do vírus, pois uma grande parte dos países mais pobres não conseguirá imunizar sequer 20% de sua população total. 

Nesse cenário adverso mundial e nacional, mais do que nunca os comunistas devem voltar a colocar de forma clara uma das principais contradições que vivenciamos na atualidade: entre o capitalismo e o socialismo. Isso porque, com a ascensão da República Popular da China como grande potência mundial e como polo de oposição e contrapeso ao capitalismo estadunidense, o mundo poderá seguir rumo à tão desejada multipolaridade. 

Mesmo na adversidade, o futuro será radiante para os povos de todo o mundo que lutam por igualdade, distribuição de renda e riqueza, conforto e bem-estar social. 

1. Esse importante documento, que é um conjunto de diretivas aos comunistas e ao Partido emanadas por Vladimir Lênin após a sua chegada, depois do exílio suíço, a Petrogrado. Disponível, na íntegra, em: <https://bit.ly/2KRlNuX>.

2. Essa informação está na página 310 do livro Lênin, um retrato íntimo, de Victor Sebestyen, da Globo Livros, publicado em 2018 pela Editora Globo

3. Maiores detalhes sobre essa famosa carta, ver em: <https://bit.ly/2Lvn8Ic>.

4. Vejam maiores informações sobre estas eleições em: <https://bit.ly/2JOyx5y>.

5. Estudar esse momento da história chinesa é dever de todos os marxistas. Atentem que Chiang Kai-sheck era contra que essa frente fosse formada, em função da experiência da primeira que havia sido formada na década de 1920. Foi preciso que dois dos seus principais generais o sequestrassem e o mantivessem em cativeiro até que ele cedesse e assinasse o pacto de não agressão. Maiores informações em:  <https://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_Frente_Unida>.

6. De forma precisa, os resultados foram: UP – 27.565; PCB – 17.885; PSTU – 16.783 e PCO – 2.750 votos, incluindo os nominais nos candidatos e votos de legenda. Isso significa 0,06% dos votos válidos em todo o país, em torno de 92 milhões de eleitores.

7. Em um ensaio meu publicado em vários sites no dia 7 de dezembro, pode-se ver com detalhes esses percentuais: <https://bit.ly/37dRbN4>.

8. Em meu livro de 2019, intitulado O comportamento eleitoral dos brasileiros – 1945 a 2018, da Editora Apparte, tenho um capítulo teórico no qual crio um conceito, de base sociológica: o índice que mediria os chamados “não votos”, que alguns autores chamam de “votos perdidos” ou ainda “votos desperdiçados”, páginas de 25 a 33.

9. Célio Turino defendeu essa proposta em 27 de novembro de 2016, publicado no site Outras palavras, do meu amigo e camarada jornalista Antônio Martins e pode ser lido neste endereço: <https://bit.ly/2JUZyE1>.

10. Os 580 dias da prisão de Lula – injusta – foi cumprida entre 7 de abril de 2018 até 8 de novembro de 2018.

11. Meus artigos são publicados em muitos sites e portais. Este pode ser lido aqui, entre outros lugares: <https://bit.ly/37dRbN4>.

12. Vejam nesta matéria da Mônica Bérgamo o estrago que o presidente do PTB, Roberto Jeferson, de extrema-direita e bolsonarista de “raiz”, vem fazendo com sua ação: <http://bit.ly/3qVdXRw>.

* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor de 14 livros, pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TVT, da TV 247, do Canal Resistentes, do Canal Outro lado da notícia e do Canal Iaras & Pagus, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Resistentes, Grabois, Brasil 247 e Outro lado da notícia bem como no blog Vozes Livres.