No último sábado (5/9), a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, foi palco de uma importante iniciativa política que pretende apontar caminhos democráticos e populares para superar as graves crises política e econômica que o Brasil está vivendo.

Movimentos sociais, centrais sindicais e integrantes de partidos de esquerda realizaram a Conferência Nacional Popular no espaço externo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O evento contou com a presença de quase duas mil pessoas das cinco regiões do Brasil. A Conferência debateu temas da conjuntura, elencou propostas para enfrentar a crise e marcou o lançamento da Frente Brasil Popular (veja manifesto ao final desta matéria).
O presidente nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, a presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, e a presidenta da Central Única dos Trabalhadores de Minas (CUT-MG), Beatriz Cerqueira, realizaram a mesa de abertura da conferência saudando lideranças políticas, entidades, organizações e parlamentares presentes.
Stédile reafirmou a vitória nas eleições de 2014 e a necessidade de construir uma agenda para contrapor a ofensiva da direita. “Nós ganhamos o primeiro tempo deste jogo, em outubro de 2014. Agora, as forças de direita tomaram a ofensiva. Vivemos uma crise econômica e política e a burguesia aponta, como saída, o estado mínimo, cortes nas políticas públicas e o realinhamento com os Estados Unidos. Para nós, a saída é construirmos uma unidade conjuntural nesta conferência. Não queremos uma operação Lava Jato a cada dois anos, por isso, defendemos a reforma política, contra o que mais favorece a corrupção, o financiamento privado de campanha”, afirmou o presidente do MST.
A presidenta da UNE, Carina Vitral, defendeu que as forças reunidas pela Frente Brasil Popular devem apresentar seu próprio projeto de política econômica. “Vamos propor a saída para a crise. Quem criou a crise é que pague por ela. Não a classe trabalhadora, a população brasileira. A crise econômica deve ser combatida com a taxação de fortunas. O ajuste fiscal é um programa deles, não nosso. Precisamos sair daqui com uma plataforma para o país. Vamos dizer que os movimentos sociais também têm uma agenda para o Brasil. Vamos construir de forma unitária e seremos vitoriosos, com muita luta e muita mobilização. As ruas não são da direita, sempre foram do povo brasileiro”, afirmou.
Após a mesa de abertura do encontro, a Conferência dividiu-se em grupos para debater os eixos principais que conformam uma plataforma inicial da frente. Ao lado de questões organizativas e de calendário de lutas, os eixos de debate foram: defesa dos direitos dos trabalhadores e dos direitos sociais; a defesa da democracia e por outra política econômica; a soberania nacional e os processos de integração do continente; além da discussão sobre as reformas estruturais e populares.
Frente de esquerda
A Frente Brasil Popular nasce como uma frente de esquerda que vem mobilizando diversas organizações sociais nos últimos meses e objetiva “derrotar a ofensiva das forças conservadoras, propor  outra política econômica, para caminhar em direção à transformações estruturais.”  Segundo documento de convocação da Conferência, o grupo pretende, a partir da elaboração das propostas, realizar ações “contra todas as medidas de política econômica e do ajuste fiscal que retirem direitos dos trabalhadores e que impeçam o desenvolvimento com distribuição de renda”. Igualmente importante para a frente é não aceitar nenhuma tentativa de golpe e retrocesso nas liberdades individuais.
O ex-presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, lembra que seu partido já vem defendendo a criação de uma ampla frente, liderada pela esquerda, desde 2013. “Durante o último congresso, definimos que era preciso um bloco de afinidade de esquerda, formado por partidos, agrupamentos de esquerda, movimentos sociais e personalidades identificadas com este campo. O PCdoB participa dando foco a algumas questões que são fundamentais, como a luta contra o golpismo e pelo respeito à democracia que se traduz, hoje, na defesa do mandato constitucional da presidenta Dilma”. 
Para Renato, outra questão importante é taxar as grandes fortunas, para que os ricos paguem sua parte na crise. “Defendemos a criação de um imposto para financiar a saúde, além de combater o financiamento empresarial em campanhas políticas, que já derrubamos no Senado, e também a defesa da Petrobras e da engenharia nacional”.
Ato político amplo e plural
Ao final da Conferência, um ato político foi realizado com a presença de militantes e dirigentes de partidos como PT, PCdoB, PCO, PSB e PMDB, todos em apoio à pauta progressista e da defesa de direitos e oficializando a criação da Frente. “Estamos organizando uma frente nacional popular e democrática. Queremos dizer à nossa presidenta Dilma que mobilizamos os 54 milhões de votos para o Brasil não cair na proposta neoliberal de Aécio Neves e do PSDB. Ela tem apoio desta Frente que começa aqui e não admite Petrobras privatizada, a precarização pela terceirização e o financiamento privado de campanha. As bases que lhe deram 54 milhões de votos estão aqui representadas e nós estamos com a Dilma porque somos democratas e optamos pelo movimento popular. Mas queremos a Dilma popular, não comandada pelo capital e pelos bancos, representados na figura do Joaquim Levy”, afirmou o senador Roberto Requião (PMDB-PR).
Jandira: a Frente tem importância estratégica
Falando em nome da bancada comunista na Câmara dos Deputados, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que na Conferência estão os representantes da luta do povo brasileiro, que sabem superar toda e qualquer adversidade. “Lutar quando está tudo bem, é fácil. Lutar na adversidade é o nosso grande desafio. A gente luta na adversidade contra uma mídia golpista que tenta apagar a memória do povo brasileiro, porque nós tivemos conquistas sim, que não são conquistas apenas do governo, mas do povo”.
Para Jandira, a Frente tem uma importância estratégica “porque o movimento social, a esquerda, as pessoas que não são de partido nenhum, formadores de opinião, pessoas de universidade, movimento popular… estão entendendo que têm de sair da defensiva, enfrentar a intolerância, a atitude antidemocrática com unidade e com uma agenda política, uma agenda que mostre o caminho que queremos para o Brasil”.
Além da defesa do mandato da presidenta Dilma, Jandira destaca, entre os pontos a serem incorporados nesta agenda, a redução de juros; taxação de grandes fortunas; a regulação econômica da mídia, a defesa dos direitos civis contra o retrocesso e preconceito, uma política desenvolvimentista e uma política industrial incorporando inovação; a redução da jornada de trabalho. “É uma série de plataformas. Cada movimento social traz a sua e devemos afunilar numa agenda comum. Acredito que vai afunilar em dez pontos, uma coisa focada, firme, no sentido de trabalhar com ela no movimento social e também propondo ao governo políticas públicas que se sintonizem com esse eixo que a Frente Brasil Popular vai lançar. Mas a essência é virar a posição defensiva para uma posição de propor, olhar o Brasil para frente”, afirma Jandira.
Sorrentino: consenso das forças avançadas
O vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, também deixou seu recado. Ele iniciou sua fala no ato político lembrando que a Conferência reuniu “as forças do povo brasileiro organizado, com as quais vencemos quatro eleições presidenciais consecutivas”
Segundo Sorrentino, nossa luta e nossos governos deixaram um legado de avanços para a nação e para nosso povo. “Orgulhamo-nos deles e por isso nenhum de nós deve ficar na defensiva em preservar esse legado, com altivez”. O dirigente comunista alertou que mudaram as condições no Brasil e no mundo. “Desde o ano passado vivemos uma grande ofensiva das forças conservadoras, que permaneceu em curso no atual Congresso, contra as bandeiras do povo. (…) Hoje, vivemos dias perigosos para os interesses do povo e da nação, dias em que nossas conquistas desde 2003 estão ameaçadas”
Para Sorrentino, é preciso “opor-se tenazmente à escalada golpista do poderoso sistema oposicionista reacionário que é contra Lula e Dilma, como também é contra o projeto que nós todos, aqui, representamos. (…) Precisamos alcançar um senso de urgência em torno dos acontecimentos, forjar uma poderosa unidade de ação contra qualquer forma de golpear as institucionalidades. E isso não é apenas missão da esquerda política e social aqui presente, como também unir em torno dela amplas forças democráticas, progressistas e patrióticas ou, pelo menos, responsáveis com o país”.
“Mais que nunca é preciso consenso das forças avançadas e eu saúdo, em nome do PCdoB, o que alcançamos neste nosso histórico encontro em que formamos a Frente Brasil Popular. (…)Nosso compromisso com a frente popular é aquele entre parceiros de longas jornadas de luta, com respeito mútuo e métodos de formação de consensos progressivos para unificar nossa luta. Aqui nasce um novo sujeito político, que vai ser protagonista de novos grandes combates. Nossa missão é disputar a agenda política e social junto à sociedade”, afirmou Sorrentino.
Também compuseram a mesa do ato político de encerramento da Conferência: Nivaldo Santana, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Beatriz Cerqueira, da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT-MG), representantes de entidades do movimento negro, de mulheres, LGBT, dos movimentos populares, vilas e favelas, os deputados federais do PCdoB, Wadson Ribeiro e Jô Moraes, o ex-ministro e ex-presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, Tarso Genro (PT), ex-governador do Rio Grande do Sul, os senadores Lindberg Farias (PT) e Roberto Requião (PMDB), os deputados federais Luzianne Lins (PT-CE) e Glauber Braga (PSB-RJ), além de Nilmário Miranda, secretário de Estado de Direitos Humanos de Minas Gerais, representando o governador Fernando Pimentel, entre tantos outros parlamentares e lideranças políticas presentes.
O evento foi encerrado com um ato cultural e apresentação do músico Pereira da Viola.
Próximos passos
O texto base debatido nos grupos temáticos que fizeram sugestões de acréscimos e mu-danças a serem incorporadas no documento final da Conferência deve ser apresentado em reunião de lideranças da Frente no próximo dia 26 de setembro. A orientação é incluir na plataforma da Frente apenas as propostas consensuais.
Também ficou indicada a realização de um Dia Nacional de Lutas no próximo dia 3 de outubro, data em que se comemora o 62º aniversário da Petrobras.
As informações sobre a metodologia de trabalho da Frente, as próximas agendas e as propostas elencadas ficarão disponíveis no site frentebrasilpopular.com.br

Confira abaixo o manifesto aprovado na Conferência:

Manifesto ao Povo Brasileiro
Vivemos um momento de crise. Crise internacional do capitalismo, crise econômica e política em vários países vizinhos e no Brasil.
Correm grave perigo os direitos e as aspirações fundamentais do povo brasileiro: ao em-prego, ao bem-estar social, às liberdades democráticas, à soberania nacional, à integra-ção com os países vizinhos.
Para defender nossos direitos e aspirações, para defender a democracia e outra política econômica, para defender a soberania nacional e a integração regional, para defender transformações profundas em nosso país, milhares de brasileiros e brasileiras de todas as regiões do país, cidadãos e cidadãs, artistas, intelectuais, religiosos, parlamentares e go-vernantes, assim como integrantes e representantes de movimentos populares, sindicais, partidos políticos e pastorais, indígenas e quilombolas, negros e negras, LGBT, mulheres e juventude, realizamos esta Conferência Nacional onde decidimos criar a Frente Brasil Popular.
Nossos objetivos são:
1. Defender os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras: melhorias das condi-ções de vida, emprego, salário, aposentadoria, moradia, saúde, educação, terra e transporte público!
Lutamos contra o atual ajuste fiscal e contra todas as medidas que retiram direitos, elimi-nam empregos, reduzem salários, elevam tarifas de serviços públicos, estimulam a tercei-rização, ao tempo em que protegem a minoria rica. Defendemos uma política econômica voltada para o desenvolvimento com distribuição de renda.
Lutamos contra a especulação financeira nacional e internacional, que transfere para uma minoria, por vias legais ou ilegais, através da corrupção e de contas bancárias secre-tas, parte importante da riqueza produzida pelo povo brasileiro!
Lutamos por uma reforma tributária que – por meio de medidas como o imposto sobre grandes fortunas e a auditoria da dívida – faça os ricos pagarem a conta da crise.

2. Ampliar a democracia e a participação popular nas decisões sobre o presente e o futuro de nosso país.
Lutamos contra o golpismo – parlamentar, judiciário ou midiático – que ameaça a vonta-de expressa pelo povo nas urnas, as liberdades democráticas e o caráter laico do Estado!
Lutamos por uma reforma política soberana e popular, que fortaleça a participação direta do povo nas decisões políticas do País, garanta a devida representação dos trabalhadores, negros e mulheres, impeça o sequestro da democracia pelo dinheiro e proíba o financia-mento empresarial das campanhas eleitorais!
Lutamos contra a criminalização dos movimentos sociais e da política, contra a corrupção e a partidarização da justiça, contra a redução da maioridade penal e o extermínio da juventude pobre e negra das periferias, contra o machismo e a homofobia, contra o ra-cismo e a violência que mata indígenas e quilombolas!

3. Promover reformas estruturais para construir um projeto nacional de desenvolvi-mento democrático e popular: reforma do Estado, reforma política, reforma do poder judiciário, reforma na segurança pública com desmilitarização das Polícias Militares, democratização dos meios de comunicação e da cultura, reforma urba-na, reforma agrária, consolidação e universalização do Sistema Único de Saúde, reforma educacional e reforma tributária!
Lutamos pela democratização dos meios de comunicação de massa e pelo fortalecimento das mídias populares, para que o povo tenha acesso a uma informação plural, tal como está exposto na Lei da Mídia Democrática.

4. Defender a soberania nacional: o povo é o dono das riquezas naturais, que não po-dem ser entregues às transnacionais e seus sócios!
Lutamos em defesa da soberania energética, a começar pelo Pré-Sal, a Lei da Partilha, a Petrobrás, o desenvolvimento de ciência e tecnologia, engenharia e de uma política de industrialização nacional!
Lutamos em defesa da soberania alimentar e em defesa do meio ambiente, sem o qual não haverá futuro.
Lutamos contra as forças do capital internacional, que tentam impedir e reverter a inte-gração latino-americana.
Convidamos a todas e a todos que se identificam com esta plataforma a somar-se na construção da Frente Brasil Popular.
O povo brasileiro sabe que é fácil sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho. Mas sabe, também, que sonho que se sonha junto pode se tornar realidade.
Vamos lutar juntos por nossos sonhos!
Viva a Frente Brasil Popular!
Viva o povo brasileiro!
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, Setembro de 2015

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Cláudio Gonzalez, com agências