Dentro do conceito de clássicos, a Zahar trabalha com autores bem distintos, de Ésquilo a Rice Burroughs. “Temos uma visão bem ampla. São sempre livros que não deixam de fazer sentido”, argumenta a editora Mariana Zahar. Da casa, o maior exemplo de sucesso comercial do segmento é “Alice”, de Lewis Carroll, justamente o primeiro clássico que publicaram, cujas edições já venderam 175 mil exemplares. Em seguida vêm as obras protagonizadas por Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle (130 mil exemplares), e “Contos de Fadas”, organizado por Maria Tatar (70 mil exemplares).


Outra editora que segue a mesma aposta é a L&PM. Os clássicos representam 40% de sua coleção de livros de bolso. “Para esse fim, consideramos clássicas as obra de domínio público”, explica a editora Caroline Chang. Contudo, assume que a conceituação é imprecisa. “É uma nomenclatura duvidosa, já que nem todas as obras em domínio público tem status de clássico e, por outro lado, clássicos do século XX, como ‘On the Road’, de Jack Kerouac, ficam de fora.”

Apesar de não existir uma definição precisa para um clássico, editores concordam em muitos pontos: são obras de alto valor cultural, que sobrevivem ao tempo e têm o que oferecer ao leitor contemporâneo, mas também dizem algo sobre a época em que foram escritas. São livros que por sua qualidade e perenidade atingem gerações diversas.

Com tradição no segmento, a Cosac Naify, apesar de trabalhar com volumes que normalmente ultrapassam os R$ 100,00, colhe sucessos como os 25 mil exemplares vendidos de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, 20 mil de “Guerra e Paz” e 12,5 mil de “Anna Kariênina”, ambos de Liev Tolstói. Prestes a lançar edições de “David Cooperfield”, de Charles Dickens, e de “Odisseia”, de Homero, a editora Marta Garcia explica que, para decidir no que apostar, analisam a perenidade do texto e se há outras edições do título. “Procuramos preencher lacunas do mercado e republicar coisas que estejam esgotadas ou tenham sido mal traduzidas ou sem ser da língua original, como no caso dos russos. Tentamos fazer que nossos títulos não coincidam com o que já existe, a não ser que possamos elaborar algo melhor.”

Outro ponto que facilita a decisão é a obra ser de domínio público, assim a editora não precisa arcar com os direitos autorais. Salvo algumas exceções, atualmente um livro se torna propriedade pública no ano seguinte ao dos 70 anos de morte de seu autor.

Tomada a decisão de qual livro editar, a atenção se volta à qualidade da obra. O selo Biblioteca Azul, da Globo Livros, por exemplo, procura “respeitar os originais, revisando cuidadosamente o texto e modernizando as edições. No caso das obras que tiveram nova interpretação ou fixação de texto em função de pesquisas recentes, como ‘Em Busca do Tempo Perdido’, de Marcel Proust, deixamos claros quais são os trechos adicionados ou modificados e quais são os consagrados na nossa edição anterior”, ilustra Marcos Strecker, diretor-editorial da Globo Livros.

O resultado são títulos que conferem credibilidade às editoras e, se vendem imediatamente pouco quando comparados aos best-sellers, por outro lado vendem regularmente, fazendo que o retorno venha a longo prazo. “Um clássico sempre acrescenta uma aura de respeitabilidade para o catálogo, empresta prestígio. E tem a questão comercial: é uma aposta mais ou menos certeira, que tem um público cativo”, argumenta Ibraíma Tavares, editora da Tordesilhas, que investe em edições ilustradas e visa atingir quem, além do texto, “está interessado em um objeto bonito”. Apesar de a casa não revelar números, um de seus maiores sucessos de vendas é “Contos de Imaginação e Mistério”, de Edgar Allan Poe, com ilustrações de Harry Clarke.

No entanto, há quem se queixe. Acreditando que clássicos são pequenas intervenções, a editora Hedra publica títulos como “Cartas a Favor da Escravidão”, de José de Alencar, e busca estabelecer relações entre temas e autores. O editor Jorge Sallum explica que publicaram, por exemplo, Oscar Wilde, que associam à pornografia contemporânea, ao anarquismo e pensamento político, por ter sido traduzido por João do Rio, “‘nosso Oscar’, que entendeu a importância de Wilde no calor do seu tempo”, diz. “Nosso trabalho é fazer lembrar João do Rio.” Ele se queixa, porém, de ter que “competir com editores por vezes muito fracos, que publicam supostos clássicos a rodo, fazendo com que tudo caia numa baciada”, para, ao fim, ter um resultado comercial irrisório. “Os clássicos representam o que representa o gole de cachaça jogado no chão”, compara.

Mas grandes casas do país não desperdiçam esse gole de cachaça. Sérgio Machado, presidente do Grupo Record, afirma: “O clássico benfeito, com tradução nova e bem cuidada, não é uma má ideia. Eles foram mal publicados no passado, com traduções que não eram feitas da língua original e em edições que os cortavam e reduziam o tamanho do livro. Hoje existe um mercado que demanda um trabalho mais cuidadoso”.

Um de seus autores que mais têm obras vendidas é Graciliano Ramos, muito por causa das compras governamentais, de os títulos serem adotados por escolas e indicados para vestibulares. No entanto, Machado relata que, nesses casos, a editora passa a ter de enfrentar três problemas: o preço baixo dos sebos na internet, a pirataria clássica feita com fotocópias e a moderna, por meio de cópias digitais ilegais.

Nas livrarias os números também são significativos. Na história da Livraria Cultura, por exemplo, entre os mais vendidos figuram nomes como Fiódor Dostoiévski, James Joyce, Albert Camus, Dante Alighieri, Fernando Pessoa e George Orwell, autores que compõem o acervo básico da rede. Em 2014, até este mês, entre os 500 títulos mais vendidos, os clássicos representavam 26% das edições nacionais e 45% das importadas. Já nas Livrarias Curitiba, obras do tipo significam entre 6% e 10% das vendas. Mesmo com o percentual abaixo do da Cultura, entre os livros mais vendidos na história da rede curitibana aparecem os de autores como Daniel Defoe, Monteiro Lobato, Jonathan Swift e William Shakespeare.

Fonte: Valor Econômico