Nesta segunda, 29 de abril, o jornalista Bernardo Joffily fez uma primeira apresentação ao PCdoB dos resultados da missão que ele e sua companheira Olívia Rangel realizaram na Albânia em abril. A Fundação Maurício Grabois esperava recuperar documentos históricos da relação entre o partido brasileiro e o Partido do Trabalho da Albânia (PTA). Ambos moraram naquele país entre 1974 e 1979, trabalhando nas transmissões em português da rádio Tirana, e estão entre os raros brasileiros que podem entender os documentos completamente registrados em albanês.

Os resultados superaram as expectativas com a recuperação, por exemplo, do filme que relata a realização da 7ª Conferência do PCdoB em fevereiro de 1978. Fotos raras de camaradas assassinados, como Carlos Danielli e Maurício Grabois, e relatos analíticos minuciosos da situação no Brasil e no mundo no período da ditadura militar completam o acervo que, em breve, estará catalogado para pesquisadores e divulgação. Quase a totalidade das fotos, cerca de 96 registros da relação Albânia-Brasil, foram escaneadas e trazidas ao Brasil.

Volume documental

Segundo Augusto César Buonicore, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e responsável pelo trabalho de Memória, para resgatar a história do Partido Comunista do Brasil era fundamental ter acesso ao que existia na Albânia. “Não tínhamos muita clareza do que seria encontrado ali. Para nossa surpresa, encontramos um material riquíssimo. Algo que vai enriquecer muito a história do Partido, especialmente no período ditatorial, em que a documentação é rarefeita e difícil de ser encontrada”, disse Buonicore.

Segundo Fernando Garcia, coordenador do Centro de Documentação e Memória (CDM), a polícia da ditadura saqueou tudo que pôde da documentação do PCdoB, como o acervo recolhido após a chacina da Lapa. “Daí a importância de recuperar textos com análises de dirigentes daquela época”, afirmou Garcia.

“Esse material trazido da Albânia é a documentação mais volumosa que o Partido Comunista reunirá de sua dinâmica interna e atuação de seus dirigentes, durante o período da ditadura”, destaca Joffily.

Votações de resoluções

Garcia ainda ressalta que, se a 7ª Conferência do PCdoB tivesse ocorrido no Brasil, provavelmente não haveria qualquer registro. Aliás, a única foto deste evento conhecida no Brasil até então traz todos os dirigentes de costas, para não serem identificados, à exceção de João Amazonas. “Com o filme, pudemos inclusive confirmar a presença de pessoas que não tínhamos certeza de terem ido”, disse Garcia. Segundo Joffily, sabia-se da produção do vídeo, mas não se seria possível resgatá-lo.

Embora a produção do vídeo de 70 minutos sintetize em demasia os debates, foi possível recuperar toda a documentação relativa às conversas. Com isso, será possível resgatar detalhes da construção das resoluções, devido ao trabalho meticuloso, à época, de relatoria de todas as discussões. No vídeo, é possível ver as votações, o canto da Internacional e até intervalos da conferência, como atividades de lazer e intercâmbio local.

Não foi possível resgatar áudios da rádio Tirana, veículo que foi referência para a circulação do debate político de esquerda no Brasil, durante o regime militar. Nove casais, como os Joffily, foram morar naquele país para fazer as locuções para o Brasil. “Era um dos únicos microfones que os comunistas tinham para falar com o Brasil”, diz Joffily. No entanto, foi possível recuperar um pequeno acervo de páginas datilografadas para locução na rádio.

Relatórios de conversas

São quase duas mil páginas fotografadas do Arquivo do Estado da Albânia, instituição que manteve o acervo brasileiro com o mesmo carinho com que trata documentos medievais anteriores à invenção da imprensa por Gutemberg. O material fotografado, segundo Joffily, equivale a cerca de um quinto da documentação sobre o PCdoB constante do acervo. “Aqueles profissionais albaneses ficaram sensibilizados ao perceberem que seu trabalho meticuloso será muito bem empregado pelo PCdoB”, afirmou Joffily.

Ele selecionou, com ajuda de um levantamento anterior da tradutora albanesa Ilirjana Agalliu, os documentos que lhe pareceram mais relevantes nesse primeiro momento de pesquisa. Ilirjana, que é fluente em português, desempenhou um papel-chave para o sucesso do projeto e teve contato maior com todo o restante do acervo. Por meio de um documento de 1969, por exemplo, é possível saber que o Partido Comunista do Brasil contava com cinco mil militantes naquele momento. (na foto ao lado, Ilirjana e o casal Joffily em frente ao Arquivo Nacional da Albânia).

Segundo o levantamento de Agalliu, o primeiro documento resgatado é uma carta do comunista Jorge Amado, em francês, enviada de Praga, em 1951, fazendo um apelo por solidariedade do governo albanês ao líder comunista Luis Carlos Prestes.  Há, também, o primeiro pedido de Benedito Carvalho a Behar Shtylla propondo uma emissão da Rádio Tirana em português, em 1967, três anos após o golpe militar, assim como uma importante solicitação de transmissão de materiais específicos do PCdoB, no mesmo ano, feita por Pedro Pomar a Piro Bita. E assim , segue, desde 1967 até 1990, quando se encerraram as transmissões da capital albanesa.

Amizade comunista

Ironicamente, enquanto o Brasil e a América Latina, em geral, andaram para a esquerda, fortalecendo seus partidos comunistas, a Europa e a Albânia cambalearam para a direita com a derrota das experiências socialistas do Leste. Mesmo assim, é com gratidão que os comunistas brasileiros descobrem que um pedaço da sua própria história foi preservada nos arquivos albaneses, podendo agora lançar mais luz sobre a trajetória do PCdoB no período ditatorial.