Renato apontou a intenção da Grabois, em reunir intelectuais de referência em suas áreas para contribuir ao debate interno do PCdoB e qualificar suas posições, como ocorrido recentemente durante visita do jurista Gilberto Bercovici. Para ele, a saída desta crise está na política, portanto é preciso analisar qualitativamente, tanto o cenário desses 13 anos de ciclo progressista no Brasil, como o cenário golpista de regressão em toda a linha.

O secretário-geral Adalberto Monteiro, por sua vez, destacou o papel dessa troca de ideias como um esforço para refletir como tirar o Brasil do caos institucional em que foi empurrado. Ele apontou que o texto de Sicsu revela as tomadas de posição desses 13 anos de governos progressistas, cujos resultados foram completamente desmontados após um ano de golpe. “O terceiro ano de recessão econômica afeta todos os componentes que caracterizaram o estímulo ao mercado consumidor externo, como o aumento real do salário mínimo, o crédito consignado, o Bolsa Família, a bancarização da população de baixa renda, etc”, disse Monteiro, presenteando o economista com o livro editado pela Grabois “Governos Lula e Dilma – o ciclo golpeado”, que busca fazer um balanço e estudo sobre o período.

Olhar para o trabalhador, estímulo ao consumo

Sicsu apontou a importância de ter participado do Governo, entre 2007 a 2011, quando interagiu com ministros e dirigentes da economia no IPEA (Instituto de Política Econômica Aplicada), quando pode observar o debate de ideias, a teoria e a decisão para implementar.

Ele fez um “parênteses positivo”, ao definir que, entre 2006 e 2010, houve uma intuição que deu resultado conforme o dispositivo do investimento era dificultado pela estrutura engessada do Estado.  “Enquanto não consigo investir, vou ao menos dar aos mais pobres capacidade de consumo”, diz o economista, parafraseando o que ele considera uma intuição de Lula.

Sicsu considera distorcidas e incorretas as simplificações que se espalham na sociedade pela imprensa, ao demonizar o consumo. “Mesmo do ponto de vista acadêmico não se esperava grande resultado do estímulo ao consumo”, afirmou. Para Sicsu, o empresário não investe sem demanda, daí a importância, em determinadas circunstâncias, do consumo vir antes do investimento privado. O empresário vê o consumo chegando em sua porta, explica ele, e resolve investir. “Ao desprezar o consumo, se despreza o investimento, também.”

Sicsu observa o circulo virtuoso que se estabelece a partir do aumento do consumo, com redução de desemprego, aumento da arrecadação, geração de investimento privado e estatal. Mas ele também observa que, enquanto o consumo cresceu 40% a 50%, o investimento chegou a 75% entre 2007 e 2010. “O segundo governo Lula não se compara nem a Dilma, nem a Fernando Henrique nesse quesito”.

Outra simplificação disseminada pela imprensa, que Sicsu ataca, é o de que o endividamento das famílias não foi sustentável. Para ele, é preciso entender o endividamento como um dos direitos do cidadão. “Não são apenas os ricos que podem fazer dívida, mas toda a sociedade. Temos que socializar emprego e crédito, pois só assim as famílias podem ter casa própria e carro”, defendeu.

Por outro lado, ele demonstra que o endividamento do brasileiro é bastante baixo comparativamente. Mesmo onde salários são altos, como Suécia e Noruega, as famílias se endividam muito mais que o Brasil. Ele alerta, no entanto, para os prazos curtos e juros altos como elementos que sacrificam as famílias. “Estar endividado não é um problema, mas o desemprego e a inadimplência. Empresário endividado não é problema, mas empresário sem lucro para pagar”, completa.

Olhar para o empresário, estímulo à oferta

 

João Sicsu, economista (Foto: Cezar Xavier)

Para Sicsu, os problemas começam em 2011, com decisões de governo que levam a uma queda drástica do consumo do governo, assim como dos investimentos, inclusive das estatais. Desde a vitória eleitoral em 2010, até agosto de 2011, o BC aumenta a taxa de juros, o que onerou o orçamento das famílias endividadas.

No governo Dilma, houve uma mudança no modelo de estímulo ao crescimento, na opinião de Sicsu. O modelo de Lula, em sua visão, foi de estímulo da demanda, em que “o pobre é a solução”. “Bota o pobre no orçamento!” Algo que se traduz em economia, a colocar dinheiro na mão de quem gasta tudo que recebe. “Todo o dinheiro do Bolsa Família vai para a mão dos empresários que o criticam”, salienta. Este também é o efeito dos benefícios da Previdência Social, que, em sua maioria, pagam em torno de um salário mínimo. “Já o dinheiro que vai para a mão do banqueiro vira títulos e gastos no exterior. Não dinamiza a economia”, afirma Sicsu.

Na opinião dele, no entanto, Dilma mudou o modelo. Olhou para o lado da oferta, olhou para os empresários. Diminuiu custos dos empresários para dinamizar a oferta. “Isso só da resultado se a economia esta crescendo muito, e o estímulo da oferta faz o lucro virar investimento”, analisa o economista.

Consenso neoliberal autoritário

Sicsu, então, mostra como o cenário internacional explica a condição brasileira atual. Desde 1945 até 1975, nos países do centro do capitalismo, houve uma desconcentração da renda e da riqueza. Era o auge dos projetos da socialdemocracia, como revelam os gráficos de Thomas Piketty, sobre o brutal aumento da desigualdade nas últimas décadas. Foi a partir de então, que Reagan e Thatcher tomaram a decisão política de retomar taxas de lucro e remuneração do capital que se expressam com o neoliberalismo. “No final dos 1980, surge o Consenso de Washington com regras para o funcionamento do capitalismo no mundo inteiro”.

Foram decisões no sentido de reduzir a carga tributária dos ricos e do sistema financeiro. O capital começa a refundar a curva de concentração de renda de antes da socialdemocracia. Na América Latina ascendem Menem, Fernando Henrique e Fujimori como arautos desse modelo. “O capital passa a ter taxas de lucro tão altas quanto as de antes da socialdemocracia”.

No entanto, o Consenso de Washington é um programa econômico sem qualquer vínculo com a democracia e a capacidade de decisão popular, ou mesmo dos governos. “Em nenhum momento valoriza a democracia e a política”, ressalta, mostrando que trata-se de um projeto que é sempre derrotado toda vez que é explicitado. “Não importa o partido. Há uma desvalorização da política e da democracia para o programa neoliberal se consolidar.”

Para Sicsu, trata-se de um projeto tão grandioso do ponto de vista do poderio econômico, que penetrou na mídia, no judiciário, em todos os âmbitos da sociedade capitalista de todo o mundo. “Se o PT tivesse organizado a população, regulamentado a mídia, tivesse o Exército, ainda assim o sistema viria com muita força para desestabilizar”, diz ele, comparando com a crise política na Venezuela. Para ele, trata-se de um poderio que penetra nos partidos e governos de esquerda. Ele citou vários momentos em que testemunhou partidos e políticos que se dizem de esquerda, defendendo bandeiras neoliberais, sem se dar conta da defensividade em que colocam a esquerda e a política.

Reprimarização e neocolonialismo

 

Sicsu foi recebido por membros da Fundação Maurício Grabois e do PCdoB (Foto: Cezar Xavier)

Sicsu é pessimista em relação ao enfrentamento estrutural dessa nova ofensiva neoliberal, no curto prazo. Mesmo países como o Uruguai, vistos como modelos para setores da esquerda, não implementaram uma mudança sequer no sentido de regulamentar o sistema financeiro. “As mudanças giram em torno de temas comportamentais inofensivos para o capital, como aborto, maconha e idade penal”, lembra ele. Ele cita o Equador, que embora tenha um tumultuado governo de esquerda, sequer foi capaz de retomar sua moeda, pois continua dependente do dólar. Para ele, mesmos projetos eleitorais como os que marcaram o ciclo progressista na América Latina não vão ameaçar esse poderio. “Os processos eleitorais e a política feita até o momento são ineficazes para conter esse movimento de concentração de renda e riqueza”.

O pessimismo do economista avança para a visão de que o Brasil se coloca mundialmente do lado mais atrasado desse espectro. “Vamos nos colocar como colônia, como a três séculos atrás, se especializando em commodities. O que houver de indústria, será só para apoiar essa produção de commodities”, acredita ele.

A reforma trabalhista é outro elemento dessa lógica que visa a melhorar a produtividade brasileira, não para o mercado doméstico, mas para o mercado internacional. O objetivo é exportar produto primário a custo mais baixo. “Ao contrário, internamente, estamos enfraquecendo o mercado”.

Sicsu não acredita que essa precarização aumente a consciência de classe, mas levará a uma regressividade social enorme, com aumento do individualismo dos trabalhadores. “Testemunharemos uma uberização do ambiente de trabalho, com trabalhador oferecendo trabalhar por menos para ocupar a vaga do outro que já ganhava pouco”, avalia. Ele citou o exemplo do motorista do Uber, que recebe semanalmente todas as estatísticas necessárias para auto-avaliar seu trabalho, ser ainda mais explorado, mas se sentir vencedor, pois ganha e sustenta a família pelo seu próprio mérito. Ele contabiliza 65 mil motoristas em São Paulo, que, se não houvesse o Uber, estariam desempregados. Trata-se de uma dominação pela consciência ideológica do individualismo. Para ele, a sociedade brasileira se transformará muito. Ele conta que a terceirização no México acabou com a base sindical de várias categorias. “Estamos sem o instrumento da política para reverter o quadro”.

“Nossa bandeira será a do nacionalismo, pois seremos colônia e teremos que nos opor a pressões cada vez mais fortes do exterior”, prevê ele, que acredita que este ciclo do capitalismo será longo. “Temos que continuar fazendo a agitação e a mobilização, mas daremos murro na parede por muito tempo”.

Na opinião de Sicsu, Rússia e China são os países que têm estado nacional, por isso têm exercido um protagonismo diferenciado na ordem internacional. “Antes, a geopolítica era a disputa entre estados nacionais. Hoje, a política internacional é definida pelos bancos e o sistema financeiro. Mesmo os EUA são correia de transmissão de ganhos financeiros.

A força do sistema financeiro é tal, que, de acordo com Sicsu, a Fiesp não tem nenhum peso neste governo. “Quem decide são os banqueiros. A medida provisória sobre o BNDES não mudou nada depois da reunião com a Fiesp. A política de conteúdo nacional acabou, mesmo sendo de interesse da Abimaq. Essa turma [do setor produtivo] está fora do jogo. O que é dado a eles são juros, mais nada”.

As observações de Sicsu foram ouvidas, comentadas e indagadas por membros da diretoria da Fundação Maurício Grabois e também do Comitê Central do PCdoB. Participaram Rubens Diniz Tavares, Ricardo Alemão Abreu, Nivaldo Santana, Neide Freitas, Ronald Freitas, Osvaldo Bertolino e Mariana Venturini.

 

Participantes do encontro e do debate com Sicsu (Foto: Cezar Xavier)