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O ex-ministro Miguel Rosseto foi um dos debatedores e retomou algumas das experiências colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e que tiveram como centro o combate às desigualdades sociais e regionais a partir de uma visão de país desenvolvimentista e soberana. Ele citou como exemplo o Polo Naval de Rio Grande, que empregou cerca de 24 mil trabalhadores, e que teve como base o processo de industrialização com a implantação de três grandes estaleiros e o novo marco regulatório do pré-sal. “Foi uma das expressões concretas da opção de política industrial de Lula e Dilma, expressão de um novo marco regulatório para a indústria do petróleo” que passou a ser “uma riqueza do povo brasileiro e não mais um patrimônio das empresas exploradoras, gerida por política nacional”, defendeu.

Esta política industrial e o novo marco regulatório do pré-sal, explicou, tiveram ao menos dois aspectos estratégicos para o país. “Primeiramente, estabeleceu que a empresa estatal de petróleo, a Petrobras, fosse a única responsável pela exploração do petróleo do pré-sal, o que criava condição estratégica para operar a política de desenvolvimento industrial e tecnológico para o nosso país. A empresa brasileira devia compor ao menos 30% do capital societário e liderar as políticas industriais e exploratórias do pré-sal”.

O segundo ponto foi o uso dos recursos provenientes do pré-sal pelo Estado nacional para a educação e a saúde. “Transformamos uma riqueza finita em instrumento de desenvolvimento industrial, tecnológico e de pesquisa e, ao mesmo tempo, vinculamos esses recursos ao avanço e financiamento da política educacional do nosso país”, explicou Rossetto.

 

Para ele,“o Estado democrático de direito exige a expressão da vontade popular e nossa democracia foi capaz de construir experiências, como essa, e negar projetos de subordinação, como a Alca. Fomos capazes de apostar num outro padrão de integração não subordinada, construindo a ideia de um sistema de integração em nosso continente sem hegemonia de nenhum Estado nacional, respeitando a soberania de todos os países”. Rossetto também citou, neste sentido, as relações estabelecidas com a África e Oriente Médio, bem como a criação dos Brics, experiência que formulou um outro polo no cenário mundial para além daquele hegemonizado pelos Estados Unidos e Europa.

Rosseto ressaltou que “a soberania e autonomia não são conceitos abstratos: dependem de recursos utilizados pela vontade popular para a implantação de políticas de interesse nacional. É este projeto que está sofrendo mais um ataque brutal das elites que nunca tiveram compromisso com esta nação”. O ex-ministrou lembrou que “sempre que esta nação ousou romper, de fato, com sua condição de colônia, a reação dos impérios foi no sentido de interromper e disputar este projeto, para manter o território servil e oferecendo seus recursos naturais e mão de obra barata para os interesses destes impérios”.

Ele lembrou que a defesa desta agenda levou ao suicídio de Getúlio Vargas — que, em sua carta-testamento faz referência à Petrobras e Eletrobrás, que hoje seguem sendo atacadas — e derrubou Jango, instituindo a ditadura de 1964. “São essas mesmas forças que impõem a destruição da soberania popular e nacional. A construção da soberania nacional exige soberania real do povo brasileiro”.

O ex-ministro destacou que o que determinou o atual golpe contra a soberania popular “foram os interesses internacionais aliados aos nacionais daqueles que nunca admitiram que o povo se beneficiasse de nossa riqueza”.

Rosseto lembrou que “o afastamento de Dilma era condição necessária para a implantação da atual agenda de destruição nacional” graças à “indigência e mediocridade de uma elite vira-lata incapaz de defender os interesses do país” e “que prefere que o Brasil se coloque de maneira subalterna no cenário mundial”. Rossetto finalizou sua fala colocando que “a liberdade de Lula é condição fundamental para recompor Estado democrático de direito” e que “a ideia de democracia e de soberania dependem disso e de eleições limpas e democráticas; o único poder que aceitamos como legítimo para traçar o futuro do país é o a soberania popular”.

País abatido em pleno voo

 

A mesa teve início com a intervenção do cientista social Ronaldo Carmona, doutor em Geografia pela USP, ex-chefe de Planejamento Estratégico do Ministério da Defesa. Ele abordou a inserção do Brasil no cenário internacional, inicialmente de maneira soberana e, hoje, retomando a subordinação comum ao longo de nossa história. “A fragilização dos Brics é produto direto da deposição de Dilma Rousseff. O Brasil foi abatido em pleno voo, quando ascendia no cenário internacional”, explicou.

Carmona destacou ainda que o governo atual “age no sentido oposto de o Brasil ter maior autonomia” e exemplificou com duas marcas dessa posição: “a tentativa atabalhoada de Temer de aderir à OCDE e a profunda desnacionalização de ativos estratégicos e recursos naturais”. Para ele, “os setores liberais da elite brasileira, ao criticarem uma política autônoma do país, criaram mito de que o Brasil deveria jogar na segunda divisão da política internacional, defendendo o retraimento do Brasil no cenário mundial”.

“Éramos espelho para o mundo”

 

O economista David Deccache, da Fundação Lauro Campos, fez uma abordagem mais econômica da situação atual do país. “Essa agenda neoliberal é velha, da década de 90, baseada no Consenso de Washington, e a conhecemos bem. Agora está sendo novamente aplicada com doses de autoritarismo nunca vistas antes”, constatou. Ele lembrou que “durante governo Lula, aproveitando condições externas favoráveis, acumulamos reservas estratégicas”, levando à aplicação de políticas macroeconômicas que resultaram na retomada do crescimento especialmente em 2010. “Éramos espelho para todo o mundo naquela época”, lembrou.

Deccache destacou que “o acúmulo de reservas internacionais, a desdolarização do passivo externo e o desatrelamento da nossa dívida interna ao câmbio nos deram maior autonomia e reduziram nossa vulnerabilidade externa. No plano interno, o economista destacou as políticas de incentivo ao mercado nacional, de valorização do salário mínimo, os investimentos públicos e a chegada à situação de pleno emprego como fatores de desenvolvimento do país nos governos Lula e Dilma.
Para ele, o pleno emprego foi importante para encorajar os trabalhadores e reorganizar sua ação coletiva em defesa de mais direitos. “Em resposta, passa a ser gestada uma nova agenda de austeridade que serve para aumentar o desemprego, porque o desemprego muda a correlação de forças: ele rebaixa salários e enfraquece os trabalhadores, abrindo caminho para o avanço da agenda neoliberal. E Dilma era um obstáculo para dar continuidade a esta agenda. Ela foi retirada da Presidência para que isso fosse possível”, disse, citando como exemplo a implementação de ações como a reforma trabalhista, o novo regime fiscal, a isenção para petroleiras, a EC 95, a MP 795 e a MP 777.

Disputa entre classes

 

Ana Lúcia Danilevicz, professora de Relações Internacionais da UFRGS, falou sobre a mudança no cenário internacional trazida pelo fim do campo socialista e como isso traz consequências até os dias de hoje, inclusive na atual crise brasileira.

“Antes, havia equilíbrio internacional. O estado de bem-estar social, inclusive, foi uma tentativa de redução das tensões no mundo capitalista em reação ao campo socialista”. Ela explicou que aquele cenário levou muitos países a implementarem projetos de desenvolvimento nacional, ainda que em países capitalistas. “Com o fim desse equilíbrio, esses projetos foram desafiados”, surgindo a ideia de que o capitalismo era vitorioso e de que sua feição globalizada resolveria todos os problemas. “Foi uma grande falácia porque, ao contrário, aquela nova lógica criou uma série de conflitos que revelou um novo tempo de instabilidade e empobrecimento”, incluindo o Brasil. Neste sentido, o programa implementado nos governos Lula e Dilma procuraram superar estes problemas, apostando no desenvolvimento nacional, na redistribuição de renda e na inserção soberana do país no cenário mundial.

Para Ana Lúcia, é preciso lembrar também que historicamente temos a disputa entre classes e seus distintos projetos políticos. “Hoje, a velha oligarquia, que sempre esteve no poder, se rearticulou e se remodelou, unindo-se a grupos que apresentam interesses convergentes, uma novíssima direita ancorada num projeto ultraliberal, mas que não é um grupo coeso. E estamos em pleno embate de projetos”.

Segundo a professora, “temos, hoje, dificuldade de eleger elementos de coesão social, seja pelo papel dominante das elites, seja pela adoção de agendas externas que não dizem respeito à nossa experiência histórica e que impactam em fragmentação social”.

Ana Lúcia concluiu dizendo que “um país só pode ter inserção internacional não-subordinada se tiver uma nação que sabe o que quer para si mesmo, se forem definidos nosso caráter, interesses e forma de poder nacionais. Do contrário, estaremos à mercê de imposições de todo tipo”. Para ela, “estamos vivendo um grave ataque ao Estado brasileiro”.

A mesa “Soberania nacional e integração internacional não-subordinada”, coordenada por Raul Carrion, presidente da Fundação Maurício Grabois no RS, faz parte do seminário “Desenvolvimento nacional: dilemas e perspectivas”, promovido por mais de 40 entidades, fundações, universidades e sindicatos. O evento vai até o dia 08/05.