A Assembleia Nacional de Cuba começa nesta quarta-feira (18) a definir quem será o novo comandante da Ilha. Tudo indica que deve ratificar o nome de Miguel Díaz-Canel, que se tornará o primeiro presidente a ter nascido depois da vitoriosa Revolução de 1959. O processo sucessório tem início com a posse de 605 novos deputados, eleitos em março. Em seguida, será formada a Mesa Diretora do Parlamento. A escolha do novo número 1 deve ser anunciada oficialmente nesta quinta-feira (19) e o voto dos deputados será secreto.

A data de 19 de abril, escolhida para o anúncio da sucessão, é emblemática, pois marca o 57º aniversário do triunfo de Cuba no histórico episódio da Baía dos Porcos, quando tropas anticastristas, articuladas e armadas pelos Estados Unidos, foram derrotadas, ao tentar invadir o território cubano e derrubar o governo revolucionário.

 

Aos 86 anos, Raúl Castro fecha um ciclo em Cuba, ao transmitir a presidência para um quadro de outra geração, 12 anos após suceder Fidel Castro (Foto: Wikimedia Commons)

Aos 86 anos, Raúl Castro fecha um ciclo em Cuba, ao transmitir a presidência para um quadro de outra geração, 12 anos após suceder seu irmão mais velho, o comandante Fidel Castro, que saiu da presidência em 2008 – Fidel morreria em 2016. Raúl continuará na vida pública, como secretário-geral do Partido Comunista de Cuba (PCC) até 2021.

A escolha de Díaz-Canel está longe de ser aleatória.  Ele vem sendo preparado para a missão desde 2003, quando se tornou secretário do partido na província de Holguín. É dono de uma sólida trajetória política na Ilha (veja perfil abaixo). O próprio Raúl, em discurso na época, definiu: “Ele não é um novato ou improvisado”.

Expectativa

De acordo com análise de Pablo De Llano, do El País, em função de uma limitação legal estabelecida por Raúl Castro, Díaz-Canel poderá ficar no poder por, no máximo, dois mandatos, ou seja, uma década. “O potencial reformista de Díaz-Canel é uma incógnita que talvez seja revelado ao longo de dez anos. Seus primeiros desafios em seu primeiro ano de governo poderiam ser enfrentar a unificação monetária (fundir em uma só a moeda convertível, equivalente ao dólar, e a nacional de uso doméstico) e relançar a concessão de licenças às pequenas e médias empresas dando-lhes mais garantias e solidez jurídica”, explica De Llano.

“É um ‘apparatchik’ (termo russo que designa um funcionário em tempo integral do Partido Comunista da União Soviética) famoso pela discrição e por repetir calculadamente o discurso oficial”, avalia o analista político Carlos Alberto Montaner. “Minha impressão é que Castro facilitará a implantação do protagonismo de Díaz-Canel mantendo à distância o setor mais contrarreformista”, entende o historiador Rafael Rojas, “e também é provável que Díaz-Canel se mostre inicialmente conservador, pois, em boa medida, deve sua designação à imagem continuísta e intransigente que transmitiu nos últimos anos. Daqui até 2021, se Díaz-Canel se consolidar, teremos que ver o que acontecerá com as reformas, que são inevitáveis para a própria continuidade do sistema cubano”. Ambos opinaram em contato com De Llano, para o El País.

O ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray indica que o vice-presidente foi “fundamental, embora na sombra” no redesenho do modelo para a abertura econômica e acredita que ele pode ser considerado “reformista”. “Nas últimas semanas deu muita ênfase aos desafios político-ideológicos que enfrenta a sociedade cubana, razão pela qual soou mais conservador, mas pode ser que, como em muitos casos históricos semelhantes dentro e fora de Cuba, seu verdadeiro caráter surja quando assumir a presidência”, observa, para o El País.

Perfil

O perfil elaborado por Milagros López de Guereño, para El Tiempo, tenta mostrar por que Miguel Díaz-Canel, 57 anos, deve ser escolhido para a sucessão de Raúl Castro. Começou sua carreira política em Villa Clara, sua cidade natal, de onde chegou a ser primeiro secretário do Partido Comunista Cubano, em um momento de dificuldades econômicas na década de 1990. Engenheiro eletrônico por formação, despontou efetivamente depois de ser escolhido para ser ministro de Educação Superior (2009-2012) e, em 2013, foi elevado ao cargo de número dois do governo de Raúl Castro, se convertendo como primeiro cubano nascido depois da vitória da Revolução e alcançar esse posto.

Uma das primeiras medidas adotadas por Diaz-Canel ao chegar ao Ministério da Educação Superior foi deixar de se alimentar em um local específico e separado para se sentar à mesa com o restante dos funcionários da pasta. O gesto fez com que ganhasse a simpatia de todos. “É muito trabalhador, sensível e acessível. Gostava de se sentar com qualquer um de nós para conversar. Com ele era possível falar de tudo, sem reservas”, comentou um trabalhador, que o conheceu nessa época.

Sabe-se pouco de sua vida pessoal – casado pela segunda vez, com dois filhos da primeira união –, é discreto, usava cabelos longos antes de ocupar cargos importantes e é amante dos Beatles. Aos 31 anos, foi o membro mais jovem a ingressar no seleto Comitê Central do Partido Comunista Cubano. Doze anos depois, foi alçado ao poderoso Bureau Político. Na época, Cuba era ainda governada por Fidel Castro e Raúl era ministro das Forças Armadas

O início

Nascido em 20 de abril de 1960, em Villa Clara, a província mais central da Ilha, se graduou em Engenharia Eletrônica em 1982 e passou ao serviço militar, atuando em unidades de mísseis antiaéreos. Completou sua formação militar ao se graduar no Colégio de Defesa Nacional, ligado ao Ministério das Forças Armadas Revolucionárias, onde criou forte vínculo com Raúl Castro, então titular da pasta durante quase 50 anos.

Ao final dos anos 80, comandou um contingente internacionalista, que foi à Nicarágua para apoiar os sandinistas em sua guerra contra as forças do ex-ditador Anastacio Somoza. Também foi professor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Las Villas e sua carreira política teve início, efetivamente, quando foi escolhido como quadro profissional da União dos Jovens Comunistas.

Foi primeiro secretário do Comitê Provincial de Villa Clara (1994-2003), durante quase uma década e, depois, de Holguín, durante seis anos. Esses cargos equivalem à máxima autoridade do Estado em nível provincial. Deixou para trás essas posições para assumir, em 7 de maio de 2009, como titular do Ministério de Educação Superior. Três anos depois foi promovido a vice-presidente do Conselho de Ministros, cargo responsável por organismos vinculados à educação, ciência, esporte e cultura.

Forjado nas bases do PCC, discreto e com uma sólida trajetória de ascensão política, seu gosto pela proximidade com as pessoas e sua capacidade de estar onde é preciso são consideradas suas principais qualidades para que seja apontado como candidato ideal à presidência de Cuba.