As eleições municipais de 2020 refletiram a desaprovação do governo Bolsonaro nos grandes centros urbanos, freando um avanço evidente em 2018 entre este eleitorado. Capitão Wagner (Pros), em Fortaleza, não conseguiu se eleger e Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, foi a derrota mais fragorosa de um bolsonarista de primeira ordem. No primeiro turno, a derrota ainda mais humilhante de Celso Russomanno (Republicanos), caindo da liderança para o quarto lugar (10%), já acendera o sinal de alerta para o bolsonarismo.

O presidente manifestou apoio a 13 candidatos a prefeituras em ‘lives’ na internet. Ao todo, 11 não se elegeram; só dois foram eleitos em cidades médias do interior do país. Mas muitos outros se declararam ou se identificavam com o governo de Bolsonaro e também foram derrotados. A tendência representa uma inversão e um desgaste do bolsonarismo em grandes centros onde teve ampla vantagem em 2018.

Bolsonaro chegou a vencer em cinco capitais nordestinas naquele ano – Maceió (AL), João Pessoa (PB), Recife (PE), Natal (RN) e Aracaju (SE) – estremecendo o domínio petista na região.

Agora, tanto os prefeitos opositores de Bolsonaro, quanto os mandatos que ocuparão cadeiras nas Câmaras Municipais, prometem resistência à extrema direita em 2022.

Para além do freio ao conservadorismo cristão, em 13 capitais, representantes LGBT, feministas e do movimento negro – alguns com “mandatos coletivos” – ficaram entre os vereadores mais votados. Ao todo, 25 transexuais e travestis foram eleitos vereadores em todas as regiões do País, a maioria de partidos de esquerda, num fenômeno 212% maior que outros anos.

Foram poucos os candidatos a vereador privilegiados com o apoio aberto de Bolsonaro. Dos 45 candidatos abertamente recomendados por Bolsonaro, apenas dez se elegeram. Outro indício lamentável para o presidente, considerando que este tipo de “apoio de luxo” costuma ser determinante para a eleição de vereadores.

Polarização bolsonarista

Ao contrário do que diziam especialistas, a eleição não se restringiu aos assuntos de zeladoria urbana, nem sequer escapou ao furor das fake news. Principalmente nas capitais, a polarização política se manifestou abertamente no festival de boataria, mentiras, manipulações, ataques abaixo da cintura e temas não apenas, nacionais, como internacionais. Teve até candidato a prefeito tendo que dizer se apoiava “ditaduras” na Venezuela.

O jornalismo tipicamente “imparcial e neutro” entre os trópicos embarcou sem embaraços na lógica bolsonarista emparedando candidatos de esquerda com questionamentos sobre o “perigo comunista”, ou simplesmente recusando-lhes espaço de expressão.

No entanto, o amadurecimento do eleitor que recua diante de certas mentiras repetidas incessantemente, mas desconfia abertamente quando tudo começa a perder o sentido, tem feito do bolsonarismo e do apoio de Jair Bolsonaro uma verdadeira bola de ferro arrastando candidatos para o afogamento. Foi assim com Celso Russomanno, em São Paulo, e sinalizou para uma enterro épico de Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, entre tantos outros.

Fortaleza foi um exemplo concreto desta polarização nacional. Quase nada se falou dos problemas concretos da cidade. Trata-se o candidato a prefeito como alguém capaz de resolver o que presidente da República nenhum resolveu. Um tom de campanha que só serve para unificar ainda mais todas as forças políticas progressistas contra o candidato de Bolsonaro.

O candidato José Sarto (PDT), afilhado político de Ciro Gomes liderou o Ibope de 61% cercado de setores avançados por todos os lados, enquanto o rival, Capitão Wagner (Pros), permaneceu isolado nos 39% com o presidente como único cabo eleitoral.

Com o avanço do processo de campanha, Bolsonaro foi se tornando aquele talismã pé-frio, do qual todos querem delicada e sutilmente se afastar. Tarde demais, dizer que Wagner não era bolsonarista e votava contra o governo na Camara dos Deputados, de vez em quando, não colou! Afinal, o Mito já fizera questão de pedir votos para o candidato cearense em suas “lives eleitorais”. Depois disso, todos os candidatos derrotados no primeiro turno perderam a dúvida de quem apoiar no segundo.

Nem só do apoio de lideranças locais usufruiu Sarto. Os apoios vieram de todos os cantos do país. Somente Luizianne Lins, a candidata do PT no primeiro turno, manteve silêncio, diante da rivalidade local com os Ferreira Gomes, que lhe é difícil superar.

“Fortaleza prefere um candidato politicamente isolado, mas que tenha liberdade para formar secretariado”, foi a ladainha de Wagner no dia da votação, admitindo a rejeição generalizada.

Simbolismo dos rincões conservadores

Bolsonaro conseguiu eleger dois aliados em cidades médias: Gustavo Nunes (PSL) em Ipatinga (MG) e Mão Santa (DEM), em Parnaíba (PI). O interior do país tem sido um reduto político do presidente, com propaganda política ostensiva favorável a ele em painéis e comitês espalhados pelas estradas adentro, além de adesivos em carros. Assim como nos EUA, 2022 promete ser uma disputa entre o eleitorado de grandes centros urbanos e o interiorzão mais conservador e religioso do Brasil.

VEJA CANDIDATOS (AS) QUE ASSOCIARAM SUA IMAGEM A BOLSONARO DURANTE A CAMPANHA MUNICIPAL DE 2020:

 

Em Manaus, Bolsonaro simpatizava com dois candidatos no primeiro turno que foram derrotados. Pelo menos três derrotados (Belém, Cuiabá e Goiânia) não foram abertamente apoiados, mas usavam Bolsonaro como cabo eleitoral durante a campanha. (Foto: Cezar Xavier)

Apoio dentro da estrutura de governo

Bolsonaro entrou na campanha de seis candidatos a prefeito de capital, sendo que apenas dois nomes avançaram ao segundo turno. Quatro foram derrotados já no primeiro: no Recife (Delegada Patrícia, Podemos), Manaus (Coronel Menezes, Patriota), Belo Horizonte (Bruno Engler, PRTB) e São Paulo (Celso Russomanno, Republicanos) e dois saíram derrotados neste domingo (29)

Na reta final da campanha eleitoral, Bolsonaro fez “lives” no Palácio da Alvorada para pedir votos para 13 candidatos a prefeito, além de candidatos a vereador. A medida é polêmica por promover campanha direcionada a nomes específicos com uso da estrutura de governo.

Outro problema das “lives” foi a recusa dos privilegiados apoiados pelo presidente renegarem o apoio. Em Fortaleza, por exemplo, Wagner escondeu o apoio, devido à péssima avaliação do governo Bolsonaro entre os cearenses. Assim como ele, outros simpatizantes do bolsonarismo e da extrema direita evitaram associar suas campanhas ao presidente, embora se saiba de suas opiniões a respeito.

Vereadores

Dos 45 vereadores apoiados em 27 cidades, dez se elegeram, 35 ficaram de fora, sendo que 31 conseguiram suplência (caso algum eleito tenha que deixar o mandato).

Entre os não eleitos, está a Wal do Açaí (Republicanos), candidata a vereadora por Angra dos Reis (RJ). Em 2018, ela foi apontada como funcionária fantasma ligada ao gabinete de Bolsonaro quando ele era deputado no Rio de Janeiro. Wal disputou a eleição como ‘Wal Bolsonaro’, mas recebeu apenas 266 votos.

Entre os eleitos, está Carlos Bolsonaro (Republicanos), que conquistou uma vaga na Câmara Municipal do Rio de Janeiro com 71 mil votos, bem menos votos que em sua eleição anterior. O candidato mais votado em todo o país foi Eduardo Suplicy (PT), com 167 mil votos.