Prosa@Poesia
Miniatura
Boaventura de Sousa Santos Publicado em 22.10.2015
Ele mesmo, o sociólogo famoso, que deixa sua poesia se contaminar pelo ativismo político do Fórum Social Mundial. Um texto que revela tessitura distante de seus contemporâneos, com um discurso repleto de estranhezas, misto de subjetivismo feito de sonho e estrategicamente crítico. Uma reencenação do confronto do sujeito consigo e com o mundo. O ato da escrita como risco assumido por um sujeito suspenso no vazio, mas um ato essencial, sem o qual não se pode suspender janelas e observar aspectos incontornáveis da existência. (editado a partir de prefácio de Rogério Barbosa da Silva)

Parto da vida íntima,
do último século não distingo um beijo
Convivo com as ocasiões
de mãos erguidas ao céu da fala,
as luzes superiores apagam-se
como um sermão de festa
ao alto dos pinheiros
entre cheiro de churrasco
e louro nos telheiros do verdasco
Contradigo-me
e tenho mãe,
confirmação de quase tudo
Junto ao espelho
a inocência impassível das feridas
desperdiça os filhos –
ao longe
um presépio calmo
cercado de artesanato fiel
laborioso e duplo como a alma.
Livro: Janela presa no andaime
Autor: Boaventura de Sousa Santos
Editora: Scriptum (Belo Horizonte, 2009).