Amor italiano


A questão central é que o Roberto estava apaixonado pela Neide há pelos menos duas semanas.

 

Ela trabalhava como vendedora de sorvete italiano numa máquina que ficava na porta de um 1,99 na Rua Visconde de Vidigal e ele vigia da casa de jogos do bicho, na mesma viela. Ao meu ver, o Roberto nunca foi percebido por Neide, e ele sabia disso, mas, mesmo assim, ela era, para ele, uma velha conhecida. Há tempos, meses, ele controla seus dias, sabe seus gostos, seus hábitos, seu jeito único de servir sorvete aos clientes. Mas nunca atravessou a rua para chegar perto dela. Ao longe, delicia-se quando ela lambe dos dedos com os restos de que derramam da máquina. Sente-se feliz em vê-la sorrir e mostrar o dentinho canino esquerdo, quase na horizontal.

 

Mas estar apaixonado foi, para ele, uma novidade. O Roberto se deu conta quando um colega de serviço comentou, ao perceber o olhar do rapaz na Neide, “você está apaixonado”. E isso impregnou na cabeça e, depois de noites sem dormir, de tanto ressoar “você está apaixonado” ele concordou: estou apaixonado.

 

E a paixão – o Roberto sabia disso – é coisa séria.

 

Solteiro, 42 anos, vivendo somente ele e a mãe, Ana, esquizofrênica. Era o momento certo de encontrar uma namorada, uma mulher, uma esposa. “Mas ela nem sabe que eu existo”, comentou com a Dona Ana, que prontamente respondeu “ele jurou que é alienígena, igual ao do filme, eu juro, preciso fugir, por favor, me dê a chave do cadeado”. E assim, ouvindo palavras sobre a liberdade e as oportunidades, o Roberto resolveu, então, se declarar para Neide.

 

Mas precisava primeiro se apresentar. Precisava de um plano.

 

Na hora do almoço, atravessou a rua e foi comprar um sorvete. “Bom dia…” “Bom dia, moço. Chocolate ou Baunilha?” “Baunilha. Qual seu nome?” “Cascão ou Casquinha?” “Cascão. Qual seu nome?” “Meu nome? Pra quê?” “Pra saber. Só.” “Ok. Neide.” “Obrigado.”.

 

De agora em diante, durante vários dias, ele frequentou a máquina de sorvetes e, a cada compra, fazia uma nova pergunta. Já sabia o que ela gostava de comer, qual MC mais gostava de ouvir, qual carro achava mais bonito. Até o dia em que ele a chamou para sair “tomar uma gelada” e ela disse sim.

 

Em casa, frente ao espelho, sabe: aquela menina, mesmo com 15 anos, pode ser sua esposa, pode ser a mulher de sua vida. Basta, daqui a pouco, não errar, falar bem, acertar nos gostos e palavras.

 

Ele pensa e ensaia os discursos, enquanto arruma o velcro da sandália e passa o desodorante por toda regata. Antes de sair, confere o cadeado da corrente e dá um beijo na mãe, que diz “confie em mim e no José. Nos dê a chave. Não vamos fugir.”

 

 

* Luiz Henrique Dias é dramaturgo, Encenador da Cia Experiencial O Teatro do Excluído, Membro do Núcleo de Dramaturgia SESI – PR/Teatro Guaíra e Presidente da Academia de Letras de Foz do Iguaçu. Leia mais em: www.luizhenriquedias.com.br ou siga ela no Twitter: @LuizHF