1952
Buenos Aires

O Povo Argentino Despido Dela

 

Viva o câncer!, escreveu certa mão inimiga num muro de Buenos Aires.Odiavam-na,odeiam-na,os bem-nutridos: por ser pobre, por ser mulher, por ser insolente.Ela os desafiava falando e os ofendia vivendo.Nascida para empregada, ou no máximo para atriz de melodramas baratos, Evita tinha saído de seu lugar.


Amavam-na, amam-na, os mal-amados; por sua boca eles falavam e amaldiçoavam. Além do mais, Evita era a fada loura que abraçava o leproso e o esfarrapado e dava paz ao desesperado, o incessante manancial que prodigiava empregos e colchões, sapatos e máquinas de costura, dentaduras postiças, enxovais de noiva. Os míseros recebiam estas caridades vindas ali do lado, e não la do alto, embora Evita exibisse joias alucinantes e em pleno verão ostentasse casacos de visom. Não é que lhe perdoassem o luxo: o celebravam. O povo não se sentia humilhado, e sim vingado por seus atavios de rainha.


Frente ao corpo de Evita, rodeado de cravos brancos, o povo desfila chorando. Dia após dia, noite após noite, a fileira de archotes: uma caravana de duas semanas de comprimento.


Suspiram, aliviados, os agiotas, os mercadores, os senhores da terra. Morta Evita, o presidente Perón é uma faca sem corte.

 

 

Eduardo Galeano

O Século do Vento – Memória do Fogo (Vol 3)