O nordeste tem um jeito especial de falar que só os nordestinados reconhecem. Aos vindiços chega a parecer língua estrangeira – tão rápido e cantado é o falar do povo – em particular, o povo potiguar, que no geral são descendentes dos indios Poti, antigos habitantes destas paragens. Exemplo: a qualquer coisa ou objeto chamam de bicho ou bexiga: "Me dê cá essa bexiga!". No lugar do "colocar, ou por, comuns aos do centro-oeste, dizem: bote mais disto, ou daquilo. Do mesmo modo como se coloca o bote d- verbo botar no lugar do por, ou ponhar, para o povo chinfrin, ou podre de chique, como também para Guimarães Rosa, "pão, pães, é questão de opiniães".

      Nas paragens potiguares plantar é "aplantar", árvore é pé de pau – e vejo que a baixa verde não é baixa nem é mais verde. Se foi um dia, foi no tempo em que havia mato no Mato Grande. Se sombra vasta de tempo verde houve aqui, hoje não se encontra um pé de pau, de cuja casca se faça um remediozinho. Falar em diminutivo: como o povo gosta deles! Dizem por aqui que casa é casazinha, documento é documentozinho. Quando dizem: "eu vou lá", já estão indo, retirando o semblante do recinto. E vão pra qualquer lugar, sendo este o modo de dizerem que vão a lugar incerto e insabido até por eles próprios. Assim, quando alguém diz que foi e rebolou no mato, estão a dizer que atiraram alguma coisa no mato ou no lixo. Rebolar, no caso, não é por-se em atitude ou em visto de remelexo – o que seria mais um caso de rebolatio.

      Ir pra banda de acolá é ir para longe do lugar onde se está: fulano, para onde foi o Severino… sei lá, foi lá pra banda de Natal…Acolá, no dizer nordestinado, quer dizer lugar que não se sabe – ou designa qualquer ou nenhum lugar específico. Um dia destes, ouvi um grito de feira popular, em Caiçara do Norte "Não me dou bem com corno, mas gosto da mulher dele – e aprecio que ele compre a mim". Resposta de uma mulher caiçarense a um grupo de homens que duvidava do tirocínio do mulherio em geral: "Se mulé não fosse presidente Dilma não tinha chegado a presidente!". Se calados não estavam, depois desta mudos ficaram.

      Quando o sol se ergue, pelas brenhas do nordeste, ainda s tem um carrilhão do dia pela frente. No geral são dias solarengos. Quanto mais for solarengo e quente o tempo, mais caboclo inzoneiro reclama e se ressente. O transporte alternativo sai na frente, e arrasta consigo os passageiros que vão a João Câmara ou a Natal. Até que passe o buzú da Cabral, os mambembes do transporte alternativo (quase todos assentados da reforla agrária, que residem na cidade) já estão comendo estrada – levando o povo, com suas necessidades, suasa avenças e desavenças, suas lides de foro, demandas da cidadania que mal e mal vai se apropriando de seus direitos.

      Leitorado amigo, é por isto que digo e redigo: quando mais me embrenho pelo modo de viver do povo sertanejo mais eu me espanto do quanto este Brasil é desconhecido de si próprio, e não sabedor do quanto é rico, trágico, hilário, patético e burlesco, em seu viver que é ao mesmo tempo sofrido e carnavalesco.

Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.