Quando Gizêlda, minha irmã caçula, e Cecília, sua filha, chegaram de São Paulo  foram morar com Mamãe.

      Imagina a alegria de receber aquela pequena. Depois de muitos anos, uma criança em casa, era um presente dos Deuses e a casa se encheu de alegria. Uma criança de apenas quatro anos, bem esperta, que participava e acompanhava a movimentação diária da casa.

      Conceição sua tia  e madrinha, uma espécie de coordenadora da casa, chamou Cecília e falou:

      – Querida,  aqui todos têm uma função e você poderá ajudar muito a vovó  atendendo o telefone. Pensei que esta pode ser sua nova função. Que Tal?

      Cecília adorou.!

      Trim… o telefone tocava e ela corria, estava encantada com o som, parecia música para seus ouvidos. Atendia o telefone e ia chamar a pessoa solicitada, naquela época não tinhamos telefone sem fio. Com o passar dos dias Cecília se especializava, já perguntava quem era, dependendo  de quem falava , ela  iniciava uma conversinha, se o assunto lhe interessava , ela ficava ali no pé do telefone e acompanhava o papo. Às vezes dava alguns pitacos  e assim ia conhecendo e se familiarizando com a própria família e os amigos. Este foi o período em que ela teve seus primeiros contatos com as letras, começava a escrever. Anotar recados, maravilha! Escrevia e colava na porta do quarto, na agenda, na geladeira, enfim, sua imaginação lhe indicava o melhor lugar. O dia era movimentado, a casa de D. Odete sempre pareceu uma repartição pública, o telefone não para de tocar. Agitação normal em grandes famílias.

      Os meses foram passando e a pequena assumiu aquela tarefa como dela, sentia-se orgulhosa, parecia ter o poder da informação na mão, afinal ela sabia tudo que se passava, pelo menos, quem falava com quem.

      Ser atendida por Cecília era um privilégio, carinho, amor, atenção e palavrinhas ainda incompletas cheias de afeto, que deixavam cada chamada muito especial, nem preciso falar que tinha um certo charme. Às vezes eu mesma ligava só para ouvir aquela vozinha, que era afeto puro: – Alô. Quem? Quer falar com a vovó?

      Um certo dia, logo cedo o telefone tocou, trim… trim… trim… e nada.Trim… trim… trim… trim… trim…. trim… trim… trim… nem sinal de Cecília.Trim… trim… trim… trim… trim… trim… trim… trim… será que a assistente mirim esqueceu seu posto?

      Conceição ouvindo aquele toque insistente, olhou pela janela do quarto e viu a pequena lá fora, então gritou:
 
      – Cecíiiiiiiiiiiiiiilia o telefone está tocannnnnnnnndo.

      Ela brincando com as barbies, suas bonecas preferidas, que estavam espalhadas por todo o  terraço, sequer levantou a cabeça, apenas também respondeu com um grito:
 
      – Hoje é sáaaaaaabado. Estou de follllllllllllllga.

      Todos acharam aquela resposta fascinante. Pois não é que Cecília, com apenas quatro anos, observou que todos trabalhavam, mas que também todos tinham seus dias de descanso, e já que ninguém lhe comunicou qual era o seu dia ela mesma decidiu.

      E a partir daquele dia, Cecília fez sua própria escala. Sábado, domingos e feriados, trim… trim… trim… trim…não passava de um barulho, um som distante, uma música longe que continuava embalando a doce e movimentada  casa dos Mello e Silva.