eu pierrô
lunar
fraco
sem fraque
caminho semi-nu
indeciso
o corpo malhado
molhado de cerol
(nas vértebras desejos
de decapitação
juras e juros
derramando-se
por nada, por ninguém)
talvez
alguma poesia

você cratera
sem mar
muda
mundana
cidade que não muda
poucas pernas
morenas
ruínas de cerrado
na chuva vazia
(um enigma em cada estigma
no mármore
a imobilidade séria
dos monumentos)
quem sabe
ritmo dissoluto

procura e aventura
esmigalhadas
o fracasso espetacular do mundo
despenca esmagando
com vitrines de vento
com o ventre sem vísceras
das bandeiras
de cartão de crédito
a minha cortante nudez humana
tombada pelo patrimônio histórico
garantida pela carnavalização
atestada pela declaração universal
dos direitos humanos

    QUE É DO POVO QUE DEVIA INCHAR COM SEU SUOR, 
    SUAS FLORES, SEUS OLHOS CABALMENTE NEGROS, SEUS CABELOS 
    DE ÁSPERO FOGO, SEUS FARRAPOS DE REI A PANÇA DESTA 
    INFINITA TERÇA-FEIRA GORDA?

é filosofia ébria – inorgânica –
crer que impossíveis epopéias
lavam-se com as águas de março
para, muito embora, continuamos
sujos feito o poema

eu e você, minha cidade,
velhos nesse carnaval

outra vez o pacto?
eu finjo que a decifro
você finge que é esfinge
e a gente se devora
sem medo e sem fantasia
mas sempre inutilmente