Carros, motos, ônibus e caminhões avançavam, soltando fumaça pelas ventas, raivosos, buzinavam. Mas ele ziguezagueou e chegou ao outro lado inteiro. De cuecas, atravessou a avenida. Levava consigo uma fraldinha velha, quase um farrapo, a chupeta cor-de-rosa amarrada na ponta – tinha sido da irmã, Shirley.   Na calçada, engatinhou, porque não estava ainda muito acostumado a mover-se apenas com as pernas.

      Mais cuidadoso com os adultos do que fora há instantes com as máquinas, Dudu olhou para um lado e para o outro e entrou no mercadinho. Apoiou-se na porta do refrigerador, que abriu com muita dificuldade e a felicidade estava ali, oferecida em vários sabores. Ele não queria nem saber se valia por um bifinho, tinha lactobacilos vivos ou fazia o intestino funcionar como um relógio. Queria o vermelho e pronto.

      Saiu da loja, dobrou a esquina e sentou-se no chão, perto de Xoxó, o cachorro de Dona Glenda. E foi aquela festa. Xoxó até se enxeriu, mas Dudu queria tomar tudo sozinho. E depois lambeu o pote e quando não pôde mais, enfiava a mão lá no fundo e achava mais um pouquinho. Iogurte era, definitivamente, o melhor gagau do mundo.

      E quando mainha chegou em casa, nem deu por falta de nada. Abriu a geladeira e reclamou da vida de sempre, com a cara amarrada da vida toda e nunca que ela devia ter embuchado daquele miserável. Achou melhor bater na porta da tia, na casa ao lado, e filar o restinho do jantar. Foi quando a tia perguntou do menino, que precisava de mais cuidado, o bichinho, que não tinha culpa de nada.

      Mainha saiu correndo para apanhar o pequeno em casa, o coitado, que ela não tinha nem reparado nele ainda. E cadê menino? Dudu, meu deus, cadê você? Será que o carro pegou, tia?   Que nada, esse pestinha deve tá brincando por aí. E, quando olharam do outro lado da rua, entre os trânsitos, avistaram Dudu, sentado na calçada, com Xoxó.

      As duas correram, abraçaram o menino, que nem viram o bigode cor-de-rosa. Só depois perceberam o pote de iogurte vazio e o sorriso no rosto de Dudu. Oxe, que Dona Glenda deve ter dado comida a esse danado que nem merece nada, fugindo desse jeito. Podia ter se estraçalhado embaixo de uma roda dessa, Dudu, faça mais isso, não, meu filho.

      E Dudu já sabia que era errado atravessar a rua. Mas havia aprendido o caminho e amanhã ia querer o amarelo. Talvez até dividisse com Xoxó, seu amigo. Aliás, não. Ia pegar logo dois, que assim dava um para mainha, que aí ela não ia reclamar de nada. Deu adeus a Xoxó por cima do ombro de tia e já estava com um soninho bom.