Acordei num mundo diferente. Aliás, depois de tudo, vi que o meu mundo que é exceção. Acordei num lugar onde o sol parece estar mais acordado, onde a fé vira um ingrediente a mais para a sobrevivência: o pão, a água, a fé e pronto. Numa mesa de bar, lá nesse mundo, se discute o que é felicidade. Entre um gole e outro, ora os ânimos se exaltavam, ora serenavam, afinal, definir felicidade não é fácil. Eles podem ser felizes vivendo em prol da esmola, porque não? Tudo bem, estaria eu aqui sendo etnocentrista ao pensar que outro jeito de viver, diferente do meu, não tem felicidade.

      Mas eu sou do time de cá, que acha que felicidade é não ser marionete na mão de gigantes, que só são gigantes porque souberam com muita perspicácia e crueldade manter-se onde estão. Ser feliz não é só ter o que comer, viver sem o estresse do barulho ou se apegar a um santo e viver de fé. Eu mesma não defino felicidade, até porque não existe verdade absoluta, mas ser feliz não é apenas sobreviver. Tudo nesse mundo é digno de ser registrado, ou como denúncia ou como beleza.

      Crianças, mulheres, homens e velhos chegam aos montes em busca da cura de suas dores ou para agradecer, caso não as tenham mais. Outras crianças, mulheres, homens e velhos recebem os que chegam, com a ansiedade e a esperança de conseguir mais alguma coisa para comprar seu sustento. Vendem a simpatia, a gentileza, o carinho e sua pureza nas barracas de lona para qualquer um que se aproximar, e, achando eles que isso era pouco, vendem também objetos, que só servem, para os que compram, como lembrança física, e que tem um valor limitado.

      Sem saberem que o mais valioso é o subjetivo, são as boas energias. E assim vai, num mercado incansável de energias. O sol a pino, as crianças, umas brincando, outras pedindo 10 centavos. Mas a criança é tão especial que, mesmo pedindo o dinheiro, assim mesmo se diverte, cumpre sua triste missão de pedinte na melhor forma possível (se é que existe algo de bom nisso, e se é que isso é missão) pois é criança, e como tal é curiosa e se deixa levar pelas brincadeiras, pelas novidades que, em tempo de festa como esse, aparecem a todo vapor, como as lentes que as registram. Lentes essas que usei para não deixar essa beleza esquecida, embora ela fique no pensamento e nos sonhos que certamente virão, como agora, por exemplo.

      Mas experiência como essa nada e nunca é demais, registra-se de várias formas. Teria muita coisa a dizer sobre essa minha ida ao outro mundo, ao mundo que meu mundinho está inserido. São tantas as coisas, que as palavras se esgotam. Esse mundo se chama Juazeiro do Norte, interior quente de uma terra mais quente ainda, o Ceará. Estive por lá em plena festa dos romeiros, a linda e inesquecível Romaria do Padre Cícero. Só termino com a promessa de me tornar alguém melhor, de saber rir nas dificuldades como os “habitantes” do mundo que conheci. E também colaborar para que a miséria não se transforme em atração para turista ver, ou até mesmo vire cultura popular.

 

Flavia Vasconcelos, Jornalista, atua na área de jornalismo cultural e literário. Presta assessoria em eventos culturais em Salvador (exposições) e repórter de cultura no site À Queima Roupa.