Neste últimos anos, acompanhamos em todo o mundo uma série de discussões e de debates, além de uma rica elaboração de conteúdos, acerca deste tema tão intimamente ligado à recriação de um novo código de respeito aos direitos humanos e à abertura de perspectivas que apontam para a inserção de novas economias no cenário mundial, sobretudo dos países emergentes e dos chamados países em desenvolvimento, no qual o produto cultural ganhou um enorme significado neste mundo de trocas globalizadas de mercadorias de alto valor agregado.

      Naturalmente, necessitamos agora criar pontes entre o conceito de diversidade cultural, em toda a sua amplitude e ramificações, e as práticas a serem implementadas nas mais distantes regiões das Américas, tendo em conta as suas respectivas especificidades e suas características históricas. Este imenso continente, que praticamente une os pólos do planeta, já povoado por civilizações milenares, colonizado por europeus – sobretudo portugueses, espanhóis e ingleses –, passado o período de colonização e de lutas pela independência, tornou-se um espaço multiétnico, receptivo a vários processos imigratórios e, por conseguinte, palco de hibridações e miscigenações de toda ordem. A força e a repercussão deste conceito torna-o também um potente instrumento político de emancipação, não só das mazelas do colonialismo, como também das desigualdades estruturais aprofundadas com a globalização neoliberal em curso.

      Os defeitos e traços negativos atribuídos pelos colonizadores europeus aos povos habitantes das Américas, e logo em seguida, aos negros trazidos como escravos, formam hoje a base de nossas maiores qualidades culturais. Assumi-las como tais é quase uma pré-condição para a busca de um equilíbrio nas relações culturais, políticas e também comerciais entre os diversos povos e nações existentes. A miscigenação foi vista muitas vezes ora como a degradação da raça, ora como o seu traço mais expressivo, o maior exemplo da democracia racial; e os povos nativos ora foram considerados selvagens em seu estado natural, ora seres especiais dotados de uma enorme quantidade de futuro, na perspectiva dos chamados países civilizados. Esse processo histórico foi em nosso continente o fundamento da criação das nações e da identidade nacional.

     Hoje ela é o nosso traço distintivo, o nosso orgulho, o nosso valor cultural maior. Por isso é tão importante. Por isso, esta discussão, esta mobilização e este seminário foram tão necessários. E este tema precisa obviamente se tornar cada vez mais público. A consciência da diversidade cultural pressupõe, portanto, o respeito mútuo e a convivência pacífica, base para a construção de um mundo mais justo e mais igualitário, de uma nova ética e de novos paradigmas que devem fundamentar a relação entre os povos a partir da herança das criações e expressões simbólicas de cada um deles.

      O racismo foi um instrumento eficaz da racionalidade ocidental para oficializar cientificamente a hierarquia das raças e a inferioridade inata de muitos povos. Até agora, lidamos com suas consequências danosas, seja no plano social, seja no plano da construção da identidade de nações e comunidades. Sabemos, portanto, o quanto foi e é contraditória a noção de diversidade cultural – conceito oriundo da antropologia – cuja abordagem e tentativas de análise já se faz há pelo menos um século e meio. Hoje, contudo, já existem inúmeros trabalhos teóricos acerca de temas inimagináveis algumas décadas atrás, tais como multiculturalismo, pluralidade cultural, transculturalidade, interculturalidade, entre outros, que mostram não só a necessidade premente de se compreender cada vez mais a fundo estes fenômenos, como também – o que é extremamente positivo – colocá-los no centro das discussões sobre o desenvolvimento e as políticas públicas, e nas principais agendas internacionais.

      Sabemos que a sua implementação, a sua concretização através de governos, agentes culturais e econômicos não é um processo fácil, pois altera estruturas de vulnerabilidade e de poder visando a uma ordem mundial erigida sobre novos pilares – não mais através do poderio militar ou econômico ou da imposição pura e simples de padrões homogeneizados de consumo cultural, mas através do princípio da diversidade cultural como direito universal e componente efetivo das agendas que visem ao desenvolvimento humano e à igualdade entre os povos.

      Um dos traços mais marcantes do Brasil, como todos sabemos, é justamente a formação múltipla, multifacetada, em função das inúmeras etnias que se encontram na base de sua história e de sua configuração enquanto nação, numa das regiões mais privilegiadas do planeta. Nada mais lógico, portanto, que um seminário dessas proporções, no âmbito da OEA, tenha se realizado agora no Brasil, um dos símbolos maiores da diversidade cultural e da convivência pacífica entre povos de diferentes origens.

      Assumir a diversidade, por sua vez, é assumir a própria condição de existência, a história e as heranças, a maneira de ser, de pensar e de agir e, obviamente, as contradições, que são, no fundo, a mola propulsora que impulsiona o indíviduo e as comunidades a transformar e a recriar os seus valores e o seu universo simbólico, a partir de linguagens e manifestações culturais das mais diversas origens e matizes. Significa também aceitar a si mesmo e aceitar o outro como ele é – ou está sendo -, aceitar enfim a pluralidade de comportamentos, de crenças, de fazeres e expressões neste planeta habitado por tantos povos e tantos grupos étnicos e sociais.

      Num mundo globalizado, no qual prevalece o poder econômico em todas as suas ramificações, é imprescindível e necessário criar mecanismos de defesa da diversidade humana e cultural, fonte da beleza e criatividade, e do prazer de se viver neste planeta.

      Discutir, enfim, um tema tão complexo e, ao mesmo tempo, tão simples e tão óbvio, é a tarefa de todos agora. Sem dúvida, este seminário contribuiu significamente com suas idéias e propostas para um mundo onde todos possam sentir o prazer de serem diversos e unos; de serem células individualizadas e pertencerem simultaneamente a uma comunidade global.