O Reverendo Bush, em seu último pronunciamento doméstico, dirigido aos americanos que realmente contam – isto é aos cidadãos brancos, de preferência protestantes – tratou de incitá-los a discriminar os homossexuais. Nunca, antes dessa ocasião, ele foi tão explícito em defender a ideologia deus-pátria-família de triste memória. Aliás, bastaria despertar um pouco os nossos parcos conhecimentos sobre história para verificar como essa tríade conceitual – o formato das palavras mutatis mutandis – já foi adotada por oligarquias decadentes e já foi, e ainda o é, o pai-nosso de todo dia das ditaduras reacionárias, assim como continua sendo a mensagem suprema dos partidos de extrema direita. Tomara que estes antecedentes sejam premonitores de uma contenção do imperialismo econômico americano (e bélico, pelo menos enquanto puder continuar as guerras fora de casa). Em todo caso, aí estão, com armas diferentes, mas igualmente desafiadoras, a China, o Iran e outros países menos cotados a coçar o poder e o orgulho norte-americano, com ou sem homos e lésbicas, perseguidos ou não.

      Nota do autor: Quando embarcamos em uma canoa dessas, como a que esbocei aí acima – isto acontecendo durante um papo entre amigos (ou quase, ou não) ou, mais ostensivamente, em uma matéria impressa – “a gente somos” facilmente acusados de anarquistas ou ateus ou comunistas… e por aí vai, como se não tivéssemos o direito civil de manifestar nossas opiniões. Pensando bem, aliás, quase todas as Constituições dos países do chamado primeiro mundo incluem uma cláusula dizendo que é obrigação do Estado conceder aos cidadãos a liberdade de opinião e de expressão. Pura retórica. A grande maioria das Nações não defende esse princípio, quando não o subverte na prática. Mas como sonhar não custa nada, eu imagino que se poderia criar uma vacina para inocular nos ambiciosos de poder, seja ele qual for. Eu, meus amigos (ou quase, ou não) viveríamos, então, numa espécie de paraíso terrestre, que não sei qual seria a graça dele, mas que pelo menos acabaria com as agressões de todo tipo, ficando as diferenças a serem discutidas apenas no plano das idéias.

      Encerrada a nota do autor, acho que temos mais alguma coisa que vale a pena ser lembrada a respeito da terra do Tio Sam. O país teve diversas oportunidades para acabar com a discriminação dos negros e mudar seu perfil, o que o deixaria, talvez, menos rico, mas certamente mais integrado à comunidade universal. E não o fez por egoísmo dos brancos. Sim, daqueles descendentes diretos ou indiretos dos que os exploraram como escravos. E aqui vão alguns registros memoráveis de diferentes dimensões. Que tal lembrar do maravilhoso jazz, criado no refúgio negro maldito de Harlem, que conquistou o mundo e que foi usufruído por um certo tempo até pela respeitável sociedade americana? Que tal lembrar do atleta Jesse Ovens que humilhou os arianos alemães de raça pura, fazendo com que o Fürher se retirasse do estádio nas Olimpíadas de 1936? Que tal lembrar do pianista negro Dooley Wilson tocando o tempo todo no filme Casablanca de 1942, emocionando toda gente do mundo livre, enquanto uma guerra cruel, conduzida pelo nazismo, castigava a Europa?

      Apenas para concluir. Deve ser certamente por coerência à interpretação do slogan que agora o Reverendo Bush está tratando de expulsar os humildes hispânicos, apesar dos cidadãos respeitáveis gostarem deles para lavar os pratos dos restaurantes de luxo e varrer das calçadas o cocô dos cachorrinhos de estimação.