É caso de Só Matéria do Mundo, livro de poemas de Vicente Cechelero, lançado em todo o Brasil pela Editora Cortez. Livro denso, cósmico, sutil, repleto de contribuições originais à imaginação humana: com ele, o poeta Vicente Cechelero ingressa definitivamente na História da Literatura. Os componentes de seus poemas têm procedências diversas: da plenitude ao vazio, dos sonhos às “coisas, memórias/ fragmentos do universo elusivo (…)” da construção do nada à aventura física. Todos provém, creio, desse manancial interior, desse rio caudaloso que corre paralelo e unido à existência puramente física e à seqüência interminável de gestos cotidianos cegos e banais. A sua poesia almeja a consciência cósmica, transcendental, mesmo sabendo que non plus ultra. O autor reafirma, enfim, a essência espiritual da poesia, fazendo repercutir a tradição sem deixar de ser pessoal. Pois, como afirmou Jorge Luis Borges, o mais importante em um livro é a voz do autor, essa voz que, no caso, ressoa  em nós e de algum modo nos toca fundo, levando-nos a dedicar parte de nosso tempo a desfrutar as idéias-imagens e reflexões nele contidas. O Eu lírico demonstra maturidade, abrangência, inquietude, ceticismo e profundidade, sendo dotado, além disso, de um olhar vasto e amplo que abarca os deuses e os homens, o Ocidente e o Oriente, o amor e a morte, a ciência e o misticismo, indo da representação objetiva das particularidades  à captação intuitiva do todo, à “perscrutar a almatéria (…) “ e  à “contemplar o nosso ser no outro lado do espelho (…)”.

      Às vezes também, a amplitude, como que fortalecendo-se através de seu contrário, cede lugar ao olhar microscópico e indagador, como no poema  De uma flor no pampa.

      A poesia de Vicente Cechelero é múltipla, ampla, bela, ricamente alusiva  e única; vidro multicolorido que reflete os vários aspectos da existência e dos sonhos “repletos: de vazio e de matéria”, composto também da matéria das estrelas, tal como  cada um  dos átomos de ferro, carbono ou cálcio de nosso corpo foi produzido em alguma estrela que morreu muito  antes de a Terra ter existido. Imbuído deste sentimento do mundo, o Eu lírico manifesta então as suas inúmeras facetas, as diferentes ênfases e nuanças de uma mesma voz, ora contundente como em O meu corpo é uma ilha; ora barroca e vigorosa como em Reflexos de Espanha; ora  singela e irônica como em Imortalidade; ora sensual, voluptuosa e carnal como em Esses dois rios de ternura…, mas  sempre única e inconfundível.

“O mar é azul porque imita o céu
   que é azul porque imita a morte,
   que é azul porque imita a vida,
   que é azul porque imita o mar…
   Por isso vivem todos tão unidos.”

      O círculo se fecha, o equilíbrio se instaura, o universo se expande: a constância, a interdependência de todos os fenômenos, a natureza  dinâmica da realidade e o eterno movimento, constituem  a essência do Cosmos. Essa postura, por vezes,  se transforma em aparente paradoxo, como no poema  Relativo ao universo em expansão, ou em As águas turvas de Narciso, ou em Silêncio; ou então explode em amor profano, transcendente e carnal, pois

“Amar é desnudar-se em amor; mostrar a carne viva e bela         
é iluminar o corte de nosso ser cindido em dois, em mais.”

      Nesse caso, o amor se aproxima do ato criativo, confirmando assim as palavras de Rainer Maria Rilke, de que “a vida criadora está tão próxima da vida sexual, dos seus sofrimentos  e das suas delícias, que é preciso ver nelas duas formas  de uma única necessidade, de um único prazer.”

      Obra feita de entrega, renúncia, admiração, busca de amor e vivências profundas, lapidadas por uma inteligência sutil e sensível, e organizada com muito bom gosto e esmero. Poesia franca e aberta, complexa e acessível, concebida para todos aqueles espíritos interessados em compreender o amor, a vida e a morte.

      Sua segunda obra, A Língua das Sombras, lançado pela Editora Giordano de São Paulo merece um artigo à parte.