O Velho Mundo

Ó mar! Deves baixar! Já subistes bastante.
Nunca foi o teu fluxo assim tão abundante.
Dos teus abismos, ouço, em batalhas insanas,
rugirem as marés como vozes humanas.
Por que essa chuva fria e esse vento de açoite
que se fazem sentir no coração da noite?
Por que ameaças de pôr todo o mundo em perigo?
Detém-te em teu limite! É tudo que te digo!
As mais antigas leis, os velhos preconceitos
que à ordem social só tem dado proveitos;
os freios ancestrais: a ignorância e a miséria
cuja sobrevivência é uma coisa tão séria;
as estreitas prisões, os calabouços da alma
onde falta a esperança e a revolta se acalma;
o poder secular que os anos não consomem
sujeitando a mulher à autoridade do homem;
o faustoso banquete em que já foi vedada
a participação da massa deserdada;
toda a superstição, toda a fatalidade,
tendo em vista ocultar a face da verdade,
não toques nisso não que são coisas sagradas,
Só te resta baixar as ondas revoltadas.
Querendo proteger todo o gênero humano
A fim de lhe evitar que lhe causassem dano,
essas torres ergui, monumental empresa,
que deveriam ser a eterna fortaleza.
Porém, tu ruges sempre e cresces sem cessar.
Que pretendes fazer? Que queres destroçar?
Vejo tudo ceder. Tu arrastas contigo
tanto o velho missal como o código antigo.
Tudo se torna incerto, incompreendido e falso.
Nas ondas a rugir lá vai o cadafalso!
Mas não toques no rei! Meu Deus ele caiu!
Que vai acontecer? Já o abismo se abriu
para tragar agora o juiz e o sacerdote.
Não há nada afinal que o teu furor esgote.
Detém-te! Por que não? É a verdade divina
que assim deseja, exige, impõe e determina.
Mas que vejo, meu Deus! O Mar desobedece,
Volta-se contra mim! Socorro! Como cresce!
Como vejo avançar com extrema presteza!
E invade em turbilhão a minha fortaleza!

 

O Mar

Eu não sou a maré como pensaste em vão,
pois eu sou o dilúvio e sou a inundação!

 

Edmundo Moniz – Poemas da Liberdade
Uma Antologia Poética de Dante a Brecht
Editora Civilização Brasileira