Prosa@Poesia
O morcego
Augusto dos Anjos Publicado em 03.08.2016
No soneto impressionista de um jovem paraibano, observa-se seu contato com a psicanálise, suas preocupações espirituais e com a necessidade de explicar a natureza pela ciência, mas também o mistério. Elementos da passagem do século, que já apontavam para o modernismo que dominaria as artes. Um único livro publicado antes de morrer aos 30 anos, deixou uma marca profunda na poesia.

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
na bruta ardência orgânica da sede
morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”
- digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
e olho o teto. E vejo ainda, igual a um olho,
circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
a tocá-lo. Minh’ alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
imperceptivelmente em nosso quarto!
Espírito Santo/ PB, 1884
Leopoldina/ MG, 1914
Livro: Livro dos Poemas
Uma Antologia de Poetas Brasileiros e Portugueses
Organização: Sergio Faraco
Editora: L&PM Editores, 2009