Prosa@Poesia
O poeta da revolução e do futurismo
Cezar Xavier Publicado em 03.02.2017
Vladimir Vladimirovitch Maiakovski é considerado em todo o mundo como o poeta da revolução e do futurismo. Nascido em Baghdati, na Geórgia, no ano de 1893, Maiakovski mudou-se para Moscou após a morte do pai. Teria completado 123 anos em 19 de julho de 2016, se vivo fosse.

Nesta data, costuma haver homenagens na capital russa ao poeta, com excursões pelos locais frequentados por ele, leituras e performances nas ruas e no Museu Maiakovski, além da exibição do filme A Jovem e o Hooligan, de 1918, dirigido pelo artista.
Impressionado pelo movimento revolucionário, ingressou na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo quando tinha apenas quinze anos. Capturado três vezes, foi solto por falta de provas em duas dessas ocasiões. No entanto, entre 1909 e 1910, acabou por passar onze meses enclausurado.
Entrou na Escola de Belas Artes, onde conheceu David Burliuk, o grande mentor da sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlébnikov, Kamienski e outros.
Após a Revolução de Outubro, o grupo manifestou o seu apoio ao novo regime. Durante a Guerra Civil, Maiakovski dedicou-se à criação de desenhos e legendas para cartazes propagandistas. Em 1923, fundou a revista LEF (de Liévyi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a "esquerda das artes", isto é, os intelectuais (escritores e artistas) que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social.
Maiakovski viajou muito pelo país e pelo mundo, divulgando a sua arte e aparecendo diante de vastos auditórios para os quais lia os seus versos. Entrou repetidamente em conflito com os "burocratas" e com aqueles que pretendiam reduzir a poesia a "fórmulas mais simples", chegando a ser pressionado e perseguido por oficiais, que desejavam instaurar uma literatura "simplista e dita realista".
Homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico, Vladimir Maiakovski ter-se-á suicidado em 1930, aos 36 anos, com um tiro no peito. Este facto é, no entanto, disputado por sua filha, Elena Maiakovskaia.
Vladimir Maiakovski recita um excerto do seu poema A Extraordinária Aventura:
A Extraordinária Aventura
…Vivida por Vladímir Maiakovski no Verão na datcha
(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)
A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casa dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol escarlate.
Dia após dia
isto
começou
a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
“Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”
E grito ao sol:
“Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso de paxá
você baixar em casa
para um chá?”
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!”
Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar -
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se, astro!”
Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta do banco
e espero a conta com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta, etc.
E o sol:
“Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“Somos amigos
pra sempre, eu de você, você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
1920
Tradução de Augusto de Campos
Fontes: A Magia da Poesia
Aula sobre a poesia e arte de Maiakovski (solicite nas configurações do vídeo a tradução do russo para o português):
Documentário russo em três partes sobre o poeta e outro em italiano: