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Nas origens do comunismo brasileiro

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O livro Formação do PCB: 1922-1928 de Astrojildo Pereira, relançado pela editora Anita Garibaldi, em parceria com a Fundação Maurício Grabois e o Instituto Astrojildo Pereira tem, com essa iniciativa, sua terceira edição. A primeira, de 1962, foi logo esgotada e a segunda, de 1976 (Lisboa, Prelo), além de ficar bastante limitada ao exterior, também esgotou-se rapidamente. É livro raro e importante não só para os estudiosos da esquerda brasileira.

Levantam-se hoje questões a respeito da validade do socialismo, do comunismo, do pensamento de Marx, da organização partidária leninista, ao mesmo tempo em que uma ofensiva imperialista sem limites parece indicar que chegamos à barbárie. O livro de Astrojildo não só nos ajuda a refletir sobre tais questões – a partir da análise crítica da formação de um partido comunista, o PCB – como indica que o comunismo continua a ser um caminho válido para a humanidade.

A história da formação do PCB mostra-nos como conviveram no Brasil o entusiasmo revolucionário e a carência teórica, a falta de cultura política. Nas palavras de Astrojildo, éramos “pequenos grupos de propaganda, menos de cem pessoas espalhadas por várias regiões do país, gente pobre, obscura, tolhida por mil dificuldades, a começar por sua interpretação teórica. Mas o partido vingou”.

Essa é uma questão que julgo importante para um balanço crítico-revolucionário de nossa atuação partidária. Ajuda-nos a não cair numa crítica simplista que apenas aponta os erros daqueles pioneiros, e sim a entender nossa origem – com todas as suas deficiências, as imensas dificuldades que os revolucionários encontraram para se organizar, sua luta diária pela organização e unidade do movimento operário numa sociedade sem tradição de organização e brutalmente repressora.

Penso que o livro de Astrojildo Pereira tenha se originado quando, em 1961, foi criada uma comissão para escrever a história do partido, a ser lançada  nas comemorações de seus 40 anos, em 1962. A comissão reuniu-se uma só vez e não foi adiante. Dela faziam parte Astrojildo, Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Renato Guimarães e eu.

Chama a atenção o fato de Astrojildo dar-se conta da dificuldade de escrever sozinho uma história do PCB, e sua compreensão metodológica e historiográfica.

Acreditamos que o melhor que se pode fazer, desde já, como contribuição útil, necessária e relativamente fácil, é a elaboração de monografias sobre determinados períodos da vida do Partido (e bem assim sobre o movimento sindical e outros movimentos de massa), coletâneas de documentos, depoimentos pessoais, memórias, reportagens etc. Contribuição igualmente possível será a publicação de ensaios parciais ou gerais sobre a história do Partido, tentativas provisórias de interpretação e síntese. A história propriamente dita virá a seu tempo, como contribuição científica resultante da reelaboração de todos esses trabalhos prévios .

O PCB organizou-se a partir da parte mais combativa do movimento operário, o anarquismo sindicalista revolucionário. Foram os anarquistas os responsáveis pelos três primeiros congressos operários (1906, 1913 e 1920), pela criação da Confederação Operária Brasileira (COB), pela numerosa e combativa imprensa operária, da qual Astrojildo Pereira foi um expoente, pelas greves revolucionárias do período, em especial as de 1917 a 1920.

A Revolução Russa de 1917 empolgou o movimento operário revolucionário do Brasil (os anarquistas ainda não tinham divergências com ela). Decorrente desse entusiasmo, em novembro de 1918 houve uma tentativa de movimento insurrecional, no qual estavam envolvidos “(…) vários sindicatos operários, à frente dos quais o dos operários em fábricas de tecidos, abrangendo igualmente fábricas de localidades vizinhas, situadas no Estado do Rio. Em muitas dessas fábricas se travaram violentos conflitos provocados pela policia, com mortes de lado a lado. Duras lutas de rua assinalaram também o início do movimento na tarde daquele dia. O movimento malogrou-se devido a desastrosas falhas de organização, mas serviu para pôr à prova o agudo espírito de combatividade revolucionária de que os trabalhadores se achavam possuídos” .

No início de 1919 a ideia da formação de um partido comunista amadurecera. Para isso, naquele ano, os mais ativos militantes do movimento operário resolveram estabelecer “bases de acordo”, tendo como “fins imediatos”, “promover a propaganda do Comunismo Libertário, assim como a organização de núcleos comunistas em todo o país” .

O trabalho principal da conferência consistiu na discussão e aprovação de uma espécie de Programa do partido, redigido pelo professor José Oiticica, sob o título de Princípios e fins do comunismo. Era um longo documento, minuciosamente dividido e subdividido em numerosos itens, num dos quais se dizia nada menos do que isso: “Estes princípios e fins serão a carta de abecê introdutório do meu Catecismo Anarquista, que pretendo editar em livro” .

Tal partido não vingou e sim o fundado em março de 1922. Em janeiro desste ano foi lançado  Movimento Comunista, do qual saíram 24 fascículos (até junho de 1923). Internamente trava-se encarniçada luta contra os anarquistas contrários à formação de um partido político, o que em nada contribuiu para a unidade do movimento operário. Externamente, procurando compensar suas debilidades, o pequeno grupo comunista buscou ligação com o movimento comunista internacional, através da filiação da III Internacional, fundada em março de 1919. Disse Astrojildo que a sociedade brasileira não tomou conhecimento da fundação do PCB, que só era conhecido do movimento operário mais combativo e… da polícia, que desde o início o perseguiu tenazmente. Fundado em março, em julho o partido foi colocado na ilegalidade. A fragilidade teórica do grupo era grande.

“A direção do partido não assimilara ainda suficientemente o pensamento marxista sobre os problemas relativos ao conteúdo social da revolução em países do tipo do Brasil e daí, muito naturalmente, os erros cometidos na apreciação dos acontecimentos e na orientação da atividade partidária” .

Em fevereiro de 1925, antes da realização do II Congresso do partido, convocou-se uma conferência para discutir o recrutamento e a edição de um jornal de massas, dois grandes problemas a serem resolvidos pelos comunistas – aumentar suas fileiras e propagar suas ideias. O jornal A Classe Operária saiu em maio do mesmo ano, por ocasião do II Congresso.

Corroborando a opinião de Astrojildo Pereira sobre a fraqueza teórica do partido, as teses do congresso sobre a situação política nacional endossavam uma posição dualista entre agrarismo (um “capitalismo agrário semifeudal”, sic) e o industrialismo (capitalismo industrial moderno). Eram teses mecanicistas e arbitrárias:

“Partindo de tais concepções, que resultavam de uma aplicação mecânica e arbitrária do método dialético  na análise da situação brasileira, os movimentos que desembocaram no 5 de Julho de 22 e no 5 de Julho de 24 são simplesmente enquadrados no esquema ‘agrarismo-industrialismo’, e dentro desse enquadramento, isolados do contexto vivo da situação politica”.

Durante muitos anos o PCB tentou, com grande vontade revolucionária, superar – nem sempre com êxito – sua fraqueza teórica. A repressão constante, com a invasão de suas sedes, o empastelamento de sua imprensa e prisão de seus militantes não colaboravam para a formação teórica dos militantes comunistas.

Com o fechamento de A Classe Operária três meses depois de seu exitoso lançamento (retornaria em 1928, durante ano e meio, quando foi novamente fechada), o PCB recorreu a pequenos jornais aliados e em especial ao periódico A Nação, que seu dono, Leônidas Rezende, colocou à disposição do partido, em 1927.

A repressão não intimidou os comunistas. A imprensa de que dispunha na época – A Nação em primeiro lugar – reflete suas tentativas de assegurar ligação com o movimento operário e sindical e, nesse sentido, a criação do Bloco Operário, logo depois Bloco Operário e Camponês (BOC), é destacada por Astrojildo. Com eleições parlamentares para fevereiro de 1927, e sabendo de sua fraqueza para participar delas com suas próprias forças, o PCB propôs uma frente única para o lançamento de candidatos operários. O BOC levantou as mais sentidas reivindicações do proletariado e de toda a população trabalhadora. Mesmo considerando as propostas para a frente única eleitoral como sectárias (Carta Aberta…), Astrojildo aponta também os aspectos positivos dela, como os relativos às reivindicações sociais. E os comunistas, com isso, conseguiram eleger dois intendentes para o Conselho Municipal do Distrito Federal.

Em fevereiro de 1927 o partido tinha voltado à legalidade, para perdê-la novamente em agosto do mesmo ano, com a edição da “Lei Celerada”. No início de 1930 o BOC foi desativado, tanto pela repressão interna quanto por pressão da Internacional Comunista, que o considerou oportunista e outros que tais.

O III Congresso do partido reuniu-se entre 29 de dezembro de 1928 e 4 de janeiro de 1929. Em meados de 1928 o partido abriu uma discussão interna na tentativa de sanar divergências e preparar o  congresso e, para isso, lançou um jornalzinho, AutoCrítica, que teve oito números publicados.

O  congresso afirmou que havia no país uma conjuntura revolucionária. O Brasil foi considerado, por sua economia predominantemente agrária, semifeudal e semicolonial. Para Astrojildo, a análise era “confusa, esquemática e sectária”. As teses previam uma explosão revolucionária, a terceira, em continuação das revoltas tenentistas de 1922 e 1924, e toda a tática do partido deveria estar em função dessa etapa estratégica.

Vistos de hoje, são evidentes os erros de avaliação da economia e da política brasileiras. Temos que levar em conta, no entanto, que aquele pequeno grupo revolucionário lutava com os meios teóricos de que dispunha, cuja debilidade era também de toda a sociedade. O que os diferenciava era a bravura com que lutavam para tornar a sociedade brasileira mais justa e humana.

A fragilidade do PCB permitiu que em junho de 1929, com a Conferência dos Partidos Comunistas Sul-Americanos, promovida pela Internacional Comunista, esta interferisse e interviesse decisiva e equivocadamente na vida partidária, quase desmontando o PCB. Mas essa fase já extrapola o período proposto por Astrojildo.

Com todas as suas debilidades, êxitos tiveram aqueles revolucionários. Por isso hoje, com muita avaliação crítica e muito orgulho, podemos comemorar os 90 anos de existência do comunismo no Brasil. Na introdução de seu livro, Astrojildo, dizendo ser preciso continuar a escrever a história do partido, diz: “História, diga-se de passagem, rica em ensinamentos (inclusive em seus aspectos negativos), e que é parte integrante da história política e social do país, a partir de 1922” . Nossa melhor homenagem a Astrojildo Pereira e aos comunistas brasileiros, nas comemorações de 90 anos de existência, será continuar suas lutas e, também, a escrever sua história.

 

** Marly de Almeida Gomes Vianna, autora do livro Revolucionários de 1935: sonho e realidade é professora aposentada da UFSCar e do curso de Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira. Faz parte da diretoria do Instituto Astrojildo Pereira.