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Morre Ustra impune; Curió confessa assassinatos

O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu nesta quinta-feira (15) em decorrência de um câncer. Ele foi o chefe do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, mais conhecido como DOI-Codi, em São Paulo, o órgão de repressão política durante a ditadura. Junto com esta notícia, surge o relato de que, em um depoimento inédito à Justiça Federal, Sebastião Rodrigues de Moura, 77 anos, o Major Curió, revelou que matou dois prisioneiros da Guerrilha do Araguaia no início da década de 70, durante o regime militar.

Os dois reconhecidos torturadores do regime militar ocupam, hoje, o noticiário, trazendo à tona os crimes inconfessos de que são acusados. O coronel do DOI Codi morreu orgulhoso das torturas cometidas, e o major do Araguaia permanece tocando o terror no Pará, ambos certos da impunidade. Ainda que sob a acusação tácita das monstruosidades cometidas, ambos foram premiados com promoções e enriquecimento sob a proteção de instituições policiais e militares.

A última denúncia apresentada contra Ustra pelo MPF foi pela morte do dirigente do PCdoB Carlos Nicolau Danielli, , sequestrado e barbaramente torturado nas dependências do DOI-Codi, em dezembro de 1972.Na ação, o MPF pede que Ustra e outros dois delegados subordinados a ele respondam por crime de homicídio triplamente qualificado, quando a morte é causada por motivo torpe, com requintes de crueldade e sem direito de defesa da vítima.

Ele comandou o DOI-Codi de 1970 a 1974. Segundo relatório da Comissão da Verdade, o nome de Brilhante Ustra é responsável pela morte de pelo menos 377 pessoas. Existem seis denúncias contra o coronel encaminhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) por mortes e torturas cometidas quando comandou o órgão de repressão.

Além da ação pela morte de Danielli, também tramitava na Justiça de São Paulo a acusação de crime de sequestro e cárcere privado, pelo desaparecimento de Edgar de Aquino Duarte, fuzileiro naval expulso das Forças Armadas em 1964, que foi mantido encarcerado no DOI-Codi e Deops-SP.

Em recente depoimento à Comissão Nacional da Verdade, Ustra disse que apenas atuou para que o comunismo não fosse implantado no Brasil. Invertendo seu papel na história, disse que matou os que lutavam contra a repressão e o regime de exceção para garantir a “democracia” e chamou a presidenta Dilma Rousseff de “terrorista”.

“Estávamos lutando contra o comunismo. Se não tivéssemos lutado, eu não estaria aqui porque eu já teria ido para o "paredón". Os senhores teriam um regime comunista, como o de Fidel Castro. O Brasil teria virado um ‘Cubão’”, disse ele. Embora tenham mantido um pacto de silêncio durante décadas, as declarações vão se tornando mais explícitas conforme se tornam inegáveis as provas de tortura e desaparecimentos, com os avanços das investigações da Comissão da Verdade. 

Confissões ao apagar das luzes

A audiência em segredo de Justiça em que Curió confessou, ocorreu nesta quarta-feira (14), na 1ª Vara Federal de Brasília, sob comando da juíza Solange Salgado. Curió enviara atestado médico para não comparecer, mas a juíza recusou e expediu mandado de condução coercitiva e a Polícia Federal buscou Curió em casa.

Com a restrita presença de advogados e de familiares das vítimas, o depoimento foi longo, ocorreu entre 13h30 e 23h. Só tarde da noite o militar confessou os crimes. A audiência foi tensa em alguns momentos, com acareações, bate bocas e intimidações.

O militar, que era capitão à época, mas tido como o principal algoz da Guerrilha, confessou ter matado os guerrilheiros Antônio Theodoro Castro, codinome Raul, e Cilon Cunha Brun, o Simão. Mandou um capataz enterrar os corpos e indicou à juíza a localização atual. No depoimento, Curió alegou que a dupla tentou fugir e foi abatida a tiros – na sua tese, não houve execução.

Embora o militar esteja amparado pela anistia, as revelações do depoimento vão nortear várias decisões da Justiça a respeito das buscas de desaparecidos e desencadear mudanças editoriais nas obras já publicadas até agora.

Curió foi o mais temido militar atuante na região do Araguaia durante o regime. Era capitão das tropas que aniquilaram a guerrilha. Ganhou fama desde então, e ascendeu na hierarquia militar chegando às patentes de major e tenente-coronel. Com esta patente controlou na década de 80 o garimpo de Serra Pelada (PA) e fundou uma cidade que leva o seu nome, Curionópolis (PA).

A juíza preparou um questionário, assim como outros dois procuradores do MPF, Felipe Fritz e Ivan Marx, que vêm estudando o caso, há meses.

Anistia

A Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o Brasil é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas entre os anos de 1972 e 1974, durante a Guerrilha do Araguaia. Ela afirmou que as disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a investigação e punição de violações contra os direitos humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana dos Direitos Humanos.

Ou seja, a Lei da Anistia vai contra um documento internacional assinado pelo Brasil e que o país deve respeitar. O tribunal, vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), concluiu também que o país é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de familiares das vítimas, em razão do sofrimento pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos.