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Araguaia: depois da Guerrilha, outra guerra

Romualdo Pessoa Campos Filho é um dedicado pesquisador da Guerrilha do Araguaia. Baiano de Alagoinhas, 56 anos de idade, ele já havia se embrenhado na região e saiu de lá com um farto material para a sua pesquisa que resultou na dissertação de mestrado publicada na obra Guerrilha do Araguaia – a esquerda em armas, já em sua segunda edição pela editora Anita Garibaldi. Agora ele voltou ao tema para a sua tese de doutorado, que deve igualmente se transformar em mais livro sobre o tema.

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Formado em História pela Universidade Federal de Goiás, após uma ativa passagem pelo movimento estudantil, tendo sido diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE) entre os anos de 1984 e 1986, Romualdo Pessoa Campos Filho é professor de Geopolítica no Iesa e membro da Comissão de Altos Estudos do Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985), vinculada ao Arquivo Nacional.

Em entrevista ao Portal Grabois, ele disse que busca entender como os camponeses viveram naquela região marcada pelo movimento guerrilheiro. “Busco exatamente compreender de que forma a repressão, que permaneceu na região, se abateu sobre aqueles moradores. E com isso eu fui investigando e descobrindo que boa parte dos conflitos que existiram ali teve a terra como elemento principal da disputa, mas que por trás disso havia muito mais”, explicou.

Poder paramilitar

Romualdo disse ainda que à medida que ia estudando a pesquisa documental a que teve acesso — muitos documentos do Serviço Nacional de Segurança (SNI), do Centro de Informações do Exército (CIE) e do Centro de Inteligência da Aeronáutica (Cisa) —, foi percebendo que havia uma rede densa de informações e foi estabelecendo uma relação com a maneira como a área estava sendo monitorada. “A ação dos militares se dava através do serviço que era desenvolvido pelos agentes de informações comandados pelo major Sebastião Curió, que atuou na repressão à Guerrilha”, afirmou.

Marcelo Mendonça, Egmar Felício, Celene Cunha Barreira, Manuel Domingos, Deusa Maria e Romualdo Pessoa Campos Filho

Segundo ele, Curió criou um poder praticamente paramilitar, que era escorado nas ações dos agentes do serviço de informações, o SNI, o CIE e a Cisa, e em certa medida o Centro de Informações da Marinha (Cenimar). “Por trás de cada um desses conflitos, portanto, havia a presença de agentes monitorando, acompanhando, dando as indicativas e as coordenadas sobre quem estava por trás deles. E sempre nesses relatos aparecia o receio desses militares que comandavam os serviços de informações de que havia a presença de remanescentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) com atuação muito próxima aos camponeses. Havia, de fato, mas os objetivos eram outros”, disse.

Romualdo afirmou ainda que ao lado do PCdoB estavam os padres vinculados à Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base, que faziam trabalho conjunto com os camponeses. E isso incomodava os militares. “Em seus relatórios eles expressavam sempre que tanto os padres quanto os comunistas estavam reorganizando o movimento guerrilheiro. Portanto, em toda a ação que gerou assassinatos de camponeses em vários conflitos eu fui identificando que havia um acobertamento muito forte desses órgãos de informações, pelo poder do Curió”, detalhou.

Paulo Fonteles

Esse aparato esteve presente nas eleições do Sindicato de Conceição do Araguaia em um momento crucial, no começo dos anos 1980, quando estava surgindo uma grande liderança, Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, que foi assassinado. Logo em seguida foi assassinado outro dirigente sindical, João Canuto, militante do PCdoB. E assim sucessivamente. Aconteceu também com os padres Aristides Camio, Francisco Gouriou e Josimo Moraes Tavares. Ou seja: os padres que atuavam ali também estavam na lista dos marcados para morrer, segundo o professor.

Mas o principal alvo, o que os militares mais temiam pela ação que desenvolvia e pela organização que efetivava, inclusive resgatando antigos membros do PCdoB que estavam praticamente perdidos depois de participar da Guerrilha, era Paulo Fonteles. “Na maioria dos documentos que eu tive acesso, ele era o nome que mais apareceu. Havia um temor muito grande dos militares em relação à atuação e à ação de Paulo Fonteles. E ele terminou sendo assassinado, em 1987”, informou.

Romualdo com a banca examinadora, o filho Iago e a esposa 

Segundo o professor Romualdo, toda a região adquiriu um poder de reação muito forte, de efetiva participação dos camponeses. Muitos dos quais conviveram com os guerrilheiros e estiveram lado a lado em suas roças. Muitos dos quais foram presos também. “O líder da revolta da comunidade dos Perdidos, em São Geraldo do Araguaia, em 1976, era amigo dos guerrilheiros. Tinha a roça dele ao lado da dos guerrilheiros. Um dos enteados dele se tornou militante do PCdoB. E havia também a presença de um antigo militante do Partido que fora para lá como base de apoio dos guerrilheiros, que era o Amaro Lins. Ele estava atuando ali na região dos Perdidos e foi reencontrado por Paulo Fonteles”, afirmou.

Serra Pelada

Mais tarde Paulo Fonteles foi um dos responsáveis pela organização da caravana dos familiares dos desaparecidos no Araguaia que percorreu a região em busca de informações sobre seus parentes. “Então, a figura de Paulo Fonteles é um elemento marcante, forte, nesse período pós-Guerrilha. E, por isso, ele passou a ser visado. O temor dos militares, presente em todos os documentos aos quais eu tive acesso, era que ele estivesse preparado um novo movimento guerrilheiro; quando, na verdade, claro, o que havia era uma luta intensa dos camponeses pela manutenção de suas posses contra a grilagem, contra o poder dos grandes fazendeiros que constituíam milícias, que contralavam pistoleiros e tudo mais”, constata.

Segundo Romualdo, havia uma luta muito intensa ali. E nessa luta o PCdoB esteve presente, assim como a Igreja com as Comunidades Eclesiais de Base. Mas a neurose dos militares trazia consigo o fato de que a Guerrilha poderia estar sendo reorganizada. “Por trás de cada um daqueles assassinatos que aconteceram ali, por trás de cada uma das grandes repressões, estava a Polícia Federal atuando ao lado de pistoleiros. Eu tenho comigo, portanto, que boa parte dessas atuações não tinha o objetivo de resolver os problemas do conflito de terras. Nem a atuação do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), que foi criado para isso, mas que não cumpria esses objetivos”, detalhe.

O objetivo era eliminar possíveis lideranças que se destacassem na região e que poderiam constituir empecilhos às políticas que estavam sendo desenvolvidas pelos militares. Principalmente pelo poder do major Curió, que controlou a região da Guerrilha e depois abriu um braço de poder em direção à Serra Pelada, que viveu sob seu domínio por muito tempo. “Acredito que possa ser algo difícil de ser comprovado, mas fácil de ser compreendido quando a gente analisa esses documentos.”