“Veja é panfleto tóxico, com agenda que nada tem a ver com jornalismo”
(Jon Lee Anderson, veterano repórter da revista New Yorker).

Semana passada, Romário Faria, ídolo do futebol brasileiro eleito ao Senado do Brasil, anunciou pelo Facebook a seus dois milhões de seguidores: “Na 5ª-feira, descobri, por uma matéria da revista Veja, que tenho milhões de reais num banco suíço. Obviamente fiquei felicíssimo e logo que tenha tempo vou ao banco confirmar que tenho essa conta, retirar o dinheiro e informar à Receita Federal (…) Mas como estamos falando sobre [a revista] Veja, ninguém se surpreenderá se a notícia for inventada. Quem ler a matéria, verá que não cita qualquer fonte confiável (…) É difícil encontrar uma linha de verdade, nessa revista.”

Romário, que apoiou o senador Aécio Neves nas recentes eleições presidenciais, voou a Genebra, Suíça. Postou uma selfie no Facebook, dizendo. “Coisa chata. Acabo de chegar à Suíça, e o banco me informou que não tenho conta alguma com R$ 7,5 milhões.” Depois de confirmar que a informação publicada em Veja era inventada, o senador Romário pediu que seus seguidores procurassem as páginas Facebook dos jornalistas autores da matéria, e perguntassem quais haviam sido as fontes deles. Começou aí uma trollagem engraçadíssima e, em 24 horas, dois dos três jornalistas já haviam cancelado suas contas em Facebook. De volta ao Brasil, o senador Romário iniciou processo judicial contra a revista Veja.

A reação de Romário divertiu muitos brasileiros, mas a matéria inventada, aparentemente como tentativa de derrubar a candidatura que aparece à frente nas pesquisas para as eleições à prefeitura do Rio de Janeiro, não surpreendeu. Num país onde a leis de proteção do cidadão contra difamação e calúnia são fracas e as multas, baixas, Veja é conhecida como uma das fontes de noticiário cuja credibilidade é praticamente nenhuma. A revista, que opera a favor dos interesses de uma classe média conservadora, tem longa história de acusações por corrupção, contra rivais políticos, ao mesmo tempo em que vive a elogiar aliados políticos corruptos, muitos dos quais, como Veja, têm laços com a ditadura militar neofascista de 1964-1985.

Veja foi fundada em 1968 e rapidamente se converteu na mais popular revista de notícias do país. Referia-se à ditadura militar como “governo revolucionário” e a líderes universitários ou sindicais como “terroristas”. Foi das principais influências a favor da eleição do primeiro presidente neoliberal do Brasil, Fernando Collor. Ao longo das décadas, tornou-se conhecida como ativa propagandista da economia do Consenso de Washington, de posições conservadoras contra políticas sociais e antirracistas, cruzadista seletiva na luta contra alguns corruptos, e com fortes laços com o partido PFL/DEM, corrupto e ultraconservador.

Como diz Emir Sadir, diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Rio de Janeiro, “todo país tem esse tipo de publicação extremista, que defende hoje prioritariamente os ideais dos novos conservadores estadunidenses. Herdam os ideais da guerra fria, se especializam em atacar a esquerda, reproduzem as mesmas matérias internacionais e as bobagens supostamente científicas sobre medicamentos, tratamentos de pele, de problemas psicológicos, de educação, para tentar passar por revista que atenderia a necessidades da família.”

Veja, como a Fox News, gosta de mostrar o presidente Obama como se fosse socialista radical

Semana passada, o ex-presidente Lula iniciou processo contra Veja por reproduzir boatos e acusá-lo de receber propinas da empresa construtora Odebrecht. O artigo veio acompanhado de foto de capa característica da revista, de Lula mergulhado na escuridão. Em junho, a jornalista Joice Hasslemann, de Veja, foi acusada de plágio por 42 jornalistas da mídia impressa. Em outubro passado, Veja foi processada por fraude eleitoral e forçada a remover imediatamente qualquer referência online a uma edição especial lançada na véspera das eleições presidenciais e que erroneamente acusavam Dilma Rousseff e Lula de envolvimento direto num escândalo que envolveria a empresa estatal brasileira de petróleo.

Legenda: 1979: “Lula Cai” – a primeira, em mais de 35 anos de capa negativas com imagens de Lula Inácio da Silva

Apesar da credibilidade muito gravemente questionada, Veja continua a ser uma das fontes mais repetidamente citadas, de notícias do Brasil. Reuters e The New York Times jamais tratariam a Fox News como fonte confiável de noticiário.

Mas, no mês passado, a agência Reuters citou Veja 7 vezes. Durante a semana antes das eleições presidenciais de 26/10/2014, o New York Times citou Veja em seis artigos, incluindo repetidas acusações contra Dilma Rousseff, todas ligadas à edição especial ilegal, proibida de circular pela Justiça Eleitoral.

Uma busca por palavra-chave no website do Times revela que há ali 121 artigos que citam a revista Veja. O ostensivamente progressista Guardian, que jamais citaria o Daily Mail como fonte confiável, também cita regularmente a Veja.

Legenda: Seis meses antes de o líder do partido DEM no Senado, Demosthenes Torres, ser cassado por manter relações com o crime organizado, Veja o apresentava como cruzado anticorrupção.

Por que importantes publicações no Hemisfério Norte continuam a citar Veja como fonte prestável de notícias do Brasil? Como jornalista que conviveu com muitos jornalistas estrangeiros durante meus 20 anos no Brasil, quero crer que assim seja por causa dos baixos salários e prazos curtos. Com algumas das principais agências de notícias pagando $100 a free-lancers por artigo para conteúdo online, posso compreender por que alguns só leem um veículo de grande circulação, para montar rapidamente um artigo sobre atualidades. Outra razão pode ser que o segmento da população do Brasil cuja opinião Veja manifesta – a classe média alta conservadora – é também o grupo que com maior probabilidade lê inglês e com o qual os correspondentes estrangeiros mais convivem no Brasil.

A empresa que edita Veja, Editora Abril é dos maiores players na mídia brasileira, um dos “Berlusconis” a que se refere o relatório “Terra dos 30 Berlusconis”, dos Repórteres Sem Fronteiras (2013). Não estou sugerindo que possa ou deva ser completamente ignorada pelos correspondentes estrangeiros que cobrem o Brasil – conhecer as peças de opinião de Veja é excelente meio para saber o que pensa a classe média conservadora. Mas gostaria de sugerir que a qualidade da reportagem sobre o Brasil melhorará muito, se os veículos que circulam em língua inglesa parassem de usar a revista Veja como fonte primária para cobertura jornalística noticiosa. *****

Brian Mier, nativo de Chicago que mora no Brasil há 20 anos. Geógrafo, escritor e produtor com cerca de uma década de experiência em ONGs como ActionAid, Plan and Care. Ex-coordenador do Fórum Nacional de Reforma Urbana que opera com a União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Já morou em São Luis, Recife, Salvador e Rio de Janeiro e atualmente na periferia de São Paulo. Também é autor de um romance de viagens chamado Slowride. É frequente colaborador para o Center for Economic and Policy Research e correspondente para show de rádio de Chicago “This is Hell”.

Publicado em 3/8/2015, Brazil Wire – http://www.brasilwire.com/veja/

Traduzido pelo coletivo Vila Vudu