A inesperada candidatura da sra. Marina Silva à Presidência da República deixa perplexos tanto a população como a opinião pública, inclusive os mais avisados. Todos reconhecem sua honestidade e inquestionável obstinação pelo progresso do homem brasileiro. Mas, por que então esse embaraço? Essa inquietação? Detecto, em casos extremos, cidadãos bem-intencionados que dizem que votarão em Marina, mas que, consciente ou inconscientemente, preferem que ela perca. Por que essa ambivalência?

Não é por causa de seu apego a questões ecológicas, certamente, pois percebemos que as circunstâncias e as necessidades materiais imporão limites realistas a eventuais ações nesse campo. Não é por medo de inadequação em gestão, pois sua equipe, principalmente aquela que a assistia quando montava o seu partido, a Rede, inclui executivos, economistas e intelectuais reconhecidamente competentes.

Resta considerar suas crenças mais íntimas, inclusive religiosas. Minha convicção é a de que o comentarista não tem o direito de especular sobre a religião das pessoas que analisa. Todavia, há exceções quando se suspeita que essas crenças possam ter influência no bem-estar do povo. É o caso de fundamentalismos, inclusive o criacionismo.

Marina Silva, no passado, admitiu essa sua convicção. Ultimamente, evita discussões sobre o problema. Pois bem, não me sinto confortável em ter como presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi criado em sete dias há apenas 4.000 anos, aproximadamente.

Pois, para isso, é preciso ignorar a montanha de dados cientificamente incontornáveis e todo o patrimônio intelectual que a humanidade acumulou durante séculos. Percebo no fundamentalista cristão uma arrogância incomensurável, que apenas pode ser entendida como uma perversão intelectual, que não pode deixar de impor tendências cujos limites são imprevisíveis.

Muitos de seus seguidores vão perguntar qual seria a explicação para o fato de que tantos intelectuais (ou seriam pseudointelectuais) tivessem se integrado à Rede? Pois bem, Marina é um tesouro eleitoral, arrasta com ela uma multidão de eleitores bem-intencionados. Teria sido pelas suas ideias que esses economistas e intelectuais aderiram à Rede ou seria por causa do caudal aurífero eleitoral que, na sua liderança, perceberam?

Outros vão interpor contestações subjetivas como aquelas relacionadas às suas incontestáveis qualidades, tais como articulação oral, capacidade como debatedora, eloquência etc. Ora, o fenômeno que foi chamado originariamente “idiot–savant” (savantismo) é hoje universalmente aceito.

A ciência reconhece que o cidadão pode atuar de maneira coerente em um campo, ser mesmo genial, enquanto em outras áreas do comportamento mostra-se incapaz, por vezes incontrolável. Ou seja, pior ainda. O fundamentalismo de Marina Silva não decorre da ignorância, mas de um defeito de percepção. Os especialistas chamam essa condição de desordem do desenvolvimento neural.

Essa é a razão por que espero que Marina não ganhe esta eleição.

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 83, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha