A morte trágica de Eduardo Campos, a apenas 50 dias das eleições de 3 de outubro, deixa em aberto a disputa pela presidência do Brasil. Volta todas as atenções, num primeiro momento, para Marina Silva, a vice de Eduardo que optou por não concorrer ao Palácio do Planalto há dez meses, quando trocou o posto promissor de segunda colocada nas pesquisas por um projeto de médio prazo – o de construir sua Rede ao abrigo do PSB.

O falecimento de Eduardo frustra este projeto. Obriga a ex-professora secundária a se expor ao eleitorado antes de constituir uma base sólida – e após o desgaste que sofreu perante parte da militância, decepcionada em face de sua escolha pragmática e moderada. Como não há vida para trás, Marina está agora diante de uma oportunidade e uma angústia imensas. Só não disputará a Presidência se não o desejar — porque alijá-la seria desmoralizante para quem o fizesse. Mas que postura assumir, como postulante ao poder? Há três cenários básicos – e uma vasta combinação de possibilidades intermediárias. Vale sondá-los.

Na primeira hipótese, Marina reencarna a condição de candidata anti-establishment, com a qual deixou o ministério do Meio-Ambiente no governo Lula, disputou a presidência em 2010 e angariou uma legião de apoios, em especial entre a juventude desacreditada do sistema político. Ela parte de um patamar importante, caso deseje sustentar esta postura. Nas últimas pesquisas em que foi apresentada aos eleitores, no início de abril, mantinha-se em segundo lugar na corrida ao Planalto, com 27% das preferências – doze pontos acima de Aécio Neves. Além disso, estava em ascensão.

Assumir esta postura radical até outubro reconciliaria a candidata com seus apoiadores históricos. Permitiria-lhe, além disso, eletrizar uma eleição até agora morna, do ponto de vista do debate programático. Ao enfrentar o sistema político tradicional e suas contradições, a acreana seria certamente abandonada e hostilizada – pela mídia, pelos financiadores de campanha, por ao menos alguns de seus atuais correligionários e aliados. Precisaria contar, essencialmente, com sua capacidade de comunicação, carisma e mobilização. Seria obrigada a provocar debate sobre grandes temas nacionais. Em certa medida, obrigaria tanto Dilma quanto Aécio a fazer o mesmo.

Mas se depararia com suas próprias contradições. Como manter tal atitude, por exemplo, diante do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – um aliado que ela não escolheu, mas aceitou? Como conciliá-la com o conservadorismo do eleitorado evangélico e seus “pastores”?

O segundo cenário é oposto ao primeiro e expõe outra face da candidata. Nesta hipótese, Marina opta por um casamento com, digamos, o lado obscuro de sua força. Nele entram não apenas o governador de São Paulo e os bispos intolerantes, mas também os economistas francamente neoliberais de que a ex-ministra se cercou, ainda antes de se aliar a Eduardo Campos. Por este caminho, ela utiliza sua fortíssima base de votos para apresentar-se, para todos os efeitos, como “grande esperança branca” contra Dilma. Atrairá muito apoio financeiro e será querida pela mídia.

Mas enfrentará grandes obstáculos e riscos – embora de outra natureza. Como convencer os antigos “marineiros”? Esperando que não se deem conta da mudança, durante campanha tão curta? Como reagiria o PT? Desafiado, não tenderia ele próprio a politizar a disputa, para manter seu eleitorado tradicional? Que representaria, para Marina, a hipótese de perder as eleições, mesmo concedendo tanto? Seria possível manter o capital político, após tal desconstrução de projeto e imagem?

O terceiro cenário é o mais imobilista. Nele, Marina assume a candidatura para ganhar tempo e “guardar lugar” – focada não em 3 de outubro, mas em 2018. Mantém-se nos próximos 50 dias como uma espécie de vice. Renuncia ao papel de protagonista. Acalenta o projeto de priorizar a construção da Rede, após as eleições. Ao invés de incendiá-las, contribuiu para o banho-maria.

Porém até esta hipótese conservadora guarda riscos. Como os seguidores da candidata, de um e de outro lado do espectro político, o interpretarão? Como esforço válido para ganhar tempo? Ou hesitação e recuo, diante de oportunidade histórica?

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Os dilemas de Marina serão decisivos para sua trajetória pessoal. Mas lançam luz sobre algo muito mais importante: o declínio dos sistemas políticos atuais, da democracia de “baixa intensidade” que ainda não fomos capazes de superar.

Como aceitar que o debate permaneça tão pobre, limitado e dependente de escolhas individuais, numa época em que se abrem tantas oportunidades de diálogo direto entre os cidadãos? Por que assistimos, em todo o mundo, ao igualamento progressivo dos partidos, à captura da política pelo poder econômico – e não somos capazes, ainda, de apresentar alternativas?

Será ótimo se pudermos, além de assistir à luta de Marina ante seus impasses, caminhar alguns passos para superar os nossos.