Embora deliberadamente ocultada pela grande mídia, a cidade de São Paulo tem vivenciado no último ano e meio silenciosa transformação cujo vetor é a inclusão social e a democratização do uso e ocupação do espaço urbano, o que denota inversão de prioridades. Apontei, recentemente, parte dessas transformações no artigo “Os grandes, e pouco divulgados, avanços do Governo Haddad”, publicado neste Portal no dia 23 de abril.

É necessário, contudo, aprofundar a publicização dessas transformações, uma vez que escandalosamente escondidas pela grande mídia que, além do mais, utiliza-se de pesquisas de opinião fortemente questionáveis para reforçar suposta – e pouco crível – enorme impopularidade da atual gestão. Trata-se de um descompasso entre transformações que alteram positivamente a vida de milhões de pessoas – como veremos abaixo – e o suposto descontentamento da maioria dos que vivem e transitam no município de São Paulo.

Deve-se, contudo, reiterar, uma vez que o fizemos no referido artigo, a péssima comunicação institucional do governo, que não consegue nem dar visibilidade ao que o próprio governo vem fazendo – e são muitas ações “meio” e ações “fim” altamente relevantes –, nem defendê-lo das omissões e principalmente dos ataques da mídia, dos conservadores e das elites. O caso da rejeição popular e jurídica ao reajuste do IPTU (ou melhor, da chamada “planta genérica”) é sintomático dessa incapacidade comunicacional da prefeitura, justamente numa época em que a comunicação é, mais do que nunca – como nos ensina Manuel Castells – elemento basilar da política, do fazer político. Nunca é demais lembrarmos os ensinamentos de Antonio Gramsci acerca dos “embates ideológicos” e da necessidade de se estabelecer “guerra de posição” quanto à disputa ideológica, isto é, do sentido e da percepção das transformações em curso.

Também a comunicação regional, nos bairros, por meio das Subprefeituras, é igualmente frágil, sendo, nesses locais, por vezes dominada por jornais de bairro ligados a Associações Comerciais e outras entidades em larga medida contrárias às políticas públicas inclusivas e democráticas, uma vez que atentatórias, em sua percepção, a seus interesses. É paradoxal que em algumas subprefeituras estejam disponível jornais, gratuitamente distribuídos, cujo veio editorial é a crítica veemente à Administração municipal sem que o próprio Governo defenda o que faz e, mais importante, exerça sua função constitucional e política de publicizar ações que afetam a vida das pessoas. Ainda nesse aspecto, caberia ao prefeito, entre outras ações, despachar semanal ou quinzenalmente nas próprias subprefeituras, reforçando não apenas seu compromisso com a descentralização como, de viva voz, explicitar aos cidadãos o que a prefeitura vem realizando, além de ouvir as demandas locais diretamente e de forma sistêmica. Embora tenha havido a eleição – aliás, inédita – de representantes por subprefeituras, a presença sistemática do chefe do poder Executivo nas subprefeituras é fundamental como forma de produzir fatos políticos capazes de se contrapor ao cerco antidemocrático – e em certas ocasiões “golpista” – da grande mídia.

A questão da comunicação, em diversos aspectos, tornou-se talvez o principal problema a ser enfrentado pelo Governo municipal. Basta mencionar a manchete do jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 21 de julho: “Após atingir taxa de reprovação recorde, Haddad sai de férias”. E o “olho” da manchete completa:

“Prefeito pede afastamento do cargo para descansar; pesquisa apontou que sua gestão é reprovada por 47% da população”. É claro a má intencionalidade da manchete e da matéria que, como dissemos, propaga pesquisa pouco crível sobre a reprovação do Governo, tornando-a, contudo, “verdade”. Afinal, “uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade”, nos legou o trágico ensinamento de Goebbels fartamente praticado pela grande imprensa brasileira, a ponto de jornalistas independentes, como se sabe, terem criado o movimento anti “Partido da Imprensa Golpista (PIG)”, por meio de blogs e sites capazes de contar outras versões e de desconstruir o “pensamento único”.

Pois bem, após passarmos pela crucial questão da comunicação, vejamos as evidências do sentido inclusivo e democrático da Gestão Haddad, que a diferencia vigorosamente dos trágicos Governos Serra e Kassab, cujo legado foi a estrutura governamental “arrasada”: do ponto de vista orçamentário, institucional, de recursos humanos, de mecanismos de gestão e de governança de contratos com os agentes privados. Ao refletir sobre o cerco, os avanços e os desafios da gestão municipal, este artigo conflui com a recente publicação (25/07) de Ermínia Maricato, intitulada “Seis razões para defender Fernando Haddad”.

Comecemos por ações “meio”, isto é, aquelas vinculadas à gestão e ainda menos divulgadas. A criação da Controladoria Geral do Município, que em pouquíssimo tempo desbaratou quadrilhas e máfias entranhadas há tempos no poder municipal e com histórico lesivo na casa dos bilhões; a revisão progressiva de cargos e salários, em curso; a criação de novas carreiras, como de gestor de políticas públicas e auditor de controle interno, que estão tramitando na Câmara de Vereadores, cujo objetivo é qualificar a prefeitura com carreiras capazes de responder às novas demandas sociais; o esforço em diminuir o custeio da máquina sem enxugamento de pessoal, ao contrário; a moralização e modernização do serviço funerário, historicamente feudalizado, tal como outras áreas da Administração Pública; a revisão de um sem número de contratos, claramente lesivos ao erário e consequentemente aos cidadãos, fruto da privatização, em seu sentido mais perverso, da gestão pública; entre outros.

Deve-se ressaltar também a inserção da prefeitura no projeto “Dados Abertos”, em que a publicização de informações, dados, indicadores e documentos é crescente, o que implica fundamentalmente transparência perante os cidadãos.

Do ponto de vista da gestão democrática quanto à participação, destaque-se a inédita criação de conselhos populares os mais diversos (que analisamos no artigo anterior) e da – também inédita – formulação do planejamento estratégico, com intensa participação popular, articulado ao Plano Plurianual e ao Plano de Metas, o que implica a “democracia praticada desde baixo” nos rumos da cidade para os próximos anos. Para quem vivenciou gestões como Maluf/Pitta e Serra/Kassab, certamente não é pouco!

Mas especialmente quanto às políticas públicas, isto é, as atividades “fim” do Governo municipal, uma espécie de “revolução silenciosa” vem ocorrendo na cidade, uma vez que tanto corredores como faixas exclusivas de ônibus (neste caso, 330 km em um ano e meio de gestão) apontam para a inédita prioridade dada ao transporte coletivo em detrimento do individual, cujos números são grandiosos em tão pouco tempo. Mais ainda, a recente divulgação – sem qualquer alarde pelo governo e pela imprensa – da construção, até o final da gestão, de 400 km de ciclovias e de ciclofaixas, com a consequente retirada de vagas para automóveis nas ruas, é uma medida altamente inclusiva, democrática e plural.

Afinal, não apenas responde a demandas dos ciclistas como, de fato, viabiliza alternativa de transporte numa cidade ilhada – e privatizada – pelos automóveis. Mais ainda, coloca São Paulo ao lado de grandes metrópoles mundiais em que a bicicleta é, de fato, meio de transporte, e não apenas de lazer.

Quanto à crucial questão da reciclagem do lixo, o medíocre legado de Serra/Kassab de 1,5% de lixo reciclável passará para cerca de 10% nos próximos anos – com a construção de usinas de processamento articuladas à participação das populações envolvidas com resíduos sólidos –, índice ainda pequeno tendo em vista as dimensões do volume produzido, mas quase dez vezes mais do existente. Ainda nesse aspecto, iniciativas como “compostagem” a partir das feiras de rua, embora ainda pequenas, são sinalizadoras de ações concretas no campo ambiental.

Do ponto de vista do enfrentamento ao trágico problema do crack, o poder municipal, por meio da “Operação Braços Abertos”, como bem lembrou Ermínia Maricato pela primeira vez tomou o problema como de fato ele o é: social. Daí seu sentido humanitário, que envolve aluguel social, oportunidades de trabalho e renda, tratamento médico e psicológico, entre outros, distanciando-se da histórica militarização da questão, típica das gestões Maluf/Pitta e Serra/Kassab.

Em relação ao acesso ao mundo digital, deve-se destacar a gratuidade, em inúmeras praças, do wifi gratuito com banda larga, o que permite a milhares de pessoas que não podem pagar para ter acesso à internet incluir-se nessas novas possibilidades digitais. Deve-se notar que esse processo inovador em São Paulo está em andamento, o que implica a ampliação desses espaços públicos digitais. Aliás, deve-se ressaltar ser o Brasil um dos países em que o custo da banda larga é dos mais altos do mundo,  excluindo ainda mais pessoas já historicamente excluídas.

Em praticamente todas as áreas, tais como educação, saúde, habitação,  assistência social e cultura, entre outras, há avanços dignos de registro – a reabilitação do Cine Belas Artes, no âmbito cultural, é paradigmática nesse sentido – , mas que não  analisaremos aqui por não ser objetivo deste artigo a listagem de todas as ações governamentais. Afinal, pretende-se aqui chamar a atenção para a questão crucial do boicote midiático/conservador à Gestão Haddad e apontar inovações significativas da gestão pública municipal.

Por fim, quanto ao Plano Diretor, também muito significativo, recentemente aprovado, contou com o apoio decisivo do MTST – que, nesse sentido, trouxe grande contribuição à democracia brasileira, tal como o faz, historicamente, o MST no campo – , uma vez que se contrapôs ao poder imperial do dinheiro, expresso pela “especulação imobiliária”. O papel do Governo Haddad foi fundamental em diversos aspectos: ao estabelecer diálogo entre o poder público municipal (acompanhado por alguns segmentos do Legislativo) e os movimentos sociais diversos, entre os quais o MTST; ao estabelecer – o Plano Diretor – diretrizes sistêmicas de médio e longo prazos a uma cidade historicamente condicionada quase que exclusivamente pelos interesses especulativos do capital, na qual a expulsão das populações pobres, do centro expandido para as periferias sem fim, é o maior exemplo; ao disciplinar as zonas de adensamento com as de interesse social, preservando características de certos tipos de bairros e, além do mais, tendo preservado áreas rurais ainda existentes. Tudo isso por meio de processos participativos e com amplo acesso à informação.

Embora o Plano Diretor não seja o idealizado por aqueles que gostariam de submeter o poder do capital aos interesses sociais de forma cabal, trata-se de conjunto de avanços inegáveis, sobretudo por disciplinar, ordenar e projetar bairros, áreas e regiões que levam potencialmente a uma cidade com elementos mínimos de racionalidade, de equilíbrio social e de freios ao capital especulativo.

Certamente é um primeiro passo para, a partir de novas correlações de poder, erigir novos padrões econômicos/sociais e societários ao ambiente urbano.
Os diversos avanços em curso promovidos pelo Governo Haddad silenciosamente projetam uma “nova” cidade – mais humana, inclusiva e democrática –, mas, para tanto, necessitam institucionalizar-se como “políticas de Estado” e serem publicizados e criticamente defendidos.

Portanto, vencer a batalha da comunicação é papel fundamental nesse processo. Caso contrário, a descontinuidade desse projeto, pela direita, pelo populismo conservador ou pelo aventureirismo poderá custar caro às futuras gerações, como fartamente o sabemos!