A questão da insurgência na Turquia é duplamente importante para a histórica esquerda. Os motivos são a invasão do fator popular no proscênio e o uso de mecanismos repressivos pelo regime de Retzep Tayyip Erdogan, assim como a ampliada percepção da política, posta pela multicomplexidade dos fatores que protagonizam a insurgência.

Na Turquia, seguramente, encontra-se aberta uma grande “questão social”. O galopante crescimento da economia nos últimos anos não eliminou e sequer reduziu as desigualdades sociais e econômicas. No país existe uma grande polarização econômica: As desigualdades não só não recuaram, mas, ao contrário, foram ampliadas. O crescimento econômico apoiou-se sobre o reduzido custo de trabalho, a falta de direitos, o fornecimento de incentivos à classe empresarial e as privatizações da fortuna pública.

Mas o fator econômico é suficiente para explicar a insurgência dos cidadãos? Obviamente, não, se a questão for circunscrita a clássicas aproximações marxistas, as quais, embora tenham sua importância, não são suficientes.
Nesta Turquia, além da polarização econômica, existe também, polarização cidadã que, na realidade, encontra-se em choque para os direitos e as liberdades, sobre se será edificada aberta ou fechada sociedade.

O premiê Erdogan aprofunda seu revisionismo estratégico em direção aos kemalistas, enquanto, simultaneamente, transfere-se mais conservadamente a um islamismo próprio. Em seu esforço de substituir o Egito e o Irã e assumir o papel periférico de liderança na sensível região do Grande Oriente Médio, atribui tanta profundidade estratégica ao seu islamismo, a ponto de quase torná-lo estratégia oficial do Estado, mas tanto alternativa ao extremismo islâmico, tipo Al Qaeda, quanto aos fechados regimes teocráticos.

Sem o Ocidente

A tão generalizada identificação de uma doutrina religiosa com o poder estatal a fortalece somente provisoriamente, enquanto, em perspectiva, abre os processos para sua queda. No caso da Turquia, este processo aprofunda a polarização cidadã na sociedade, que não parece disposta a aceitar desvios, tanto autoritários, quanto doutrinários, restrição de liberdades e muito menos aceita restrições ao seu acesso às redes sociais.

Isto é, enquanto, o partido do Erdogan (Partido de Justiça e Desenvolvimento), durante seu primeiro período radical, amplia incessantemente sua influência política e fortalece seu papel social, aliviando a “questão social”, hoje empreende uma dupla transformação. Seu alvo é liderar a Turquia como potência periférica forte e, simultaneamente, transformá-la, adquirindo características de regime conservador, mais fechado e autoritário, com tudo que isso significa para sua popularidade, a coesão da coalizão de seu poder e, naturalmente, as premissas da ampliação econômica.

A estratégia de Mustafá Kemál Ataturk (pai dos turcos) era: “Modernização sem os ocidentais”. Erdogan tenta edificar um regime islâmico, embora sem os ocidentais, mas em contrapeso com uma parcela dinâmica e ocidentalizada da sociedade turca. Para a histórica esquerda, a invasão do fator popular constitui um novo campo de ampliação da política que supera, mas não anula o elemento classista, enquanto enriquece a oposição política com populismo e nas características cidadãs.

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Fonte: Monitor Mercantil