Os números sobre a situação do emprego na Europa, divulgados na primeira semana de maio pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), são aterradores. Quando se esperava um pequeno alívio em 2012, em seguida à leve desaceleração da taxa de crescimento do desemprego no período 2010-2011, o levantamento mais recente apurou um aprofundamento da tragédia nos últimos seis meses.

Um milhão de pessoas engrossaram uma estatística já quase inacreditável: somavam 26 milhões no início do ano passado os desempregados em 22 dos 27 países da Comunidade Europeia.

Não refresca nada saber que chegaram a ser 30 milhões, no auge da crise econômica deflagrada nos EUA, em 2008, produto da soma da concupiscência do sistema financeiro e suas “inovações”, com o tratamento descuidado pelos governos que deveriam regulá-las. Em alguns casos, em evidente conspiração com o mesmo sistema financeiro!

Uma conspiração que em quatro anos aumentou extraordinariamente os níveis da pobreza universal. E continua a manter os próprios mercados financeiros sob estresse e alta volatilidade.

Não deixa de ser patético, portanto, imaginar o reequilíbrio da economia mundial como uma obra a ser executada por governos “salvadores”. Eles só podem salvá-la à custa de recursos do setor privado produtivo graças ao seu poder de império e caso consigam reconquistar um padrão mínimo de credibilidade entre seus cidadãos, de forma a convencê-los a voltar a procurar trabalho.

Aliás, a descrença a respeito da capacidade de reação dos governos europeus revela-se no comunicado em que a OIT pede mudanças urgentes nas atuais políticas de aperto orçamentário e a voltar do objetivo de criação de empregos.

Segundo a instituição, o desemprego está tornando-se um problema estrutural na Europa. Mais de 40% dos desempregados em 19 países estão fora do mercado por mais de um ano. Em apenas três países importantes do bloco (Alemanha, Áustria e Hungria) os níveis de emprego se mantêm acima do nível anterior à crise.

Na Espanha, Portugal e Grécia, as taxas de desemprego pioraram nos últimos 24 meses. A OIT adverte ter aumentado o risco de convulsão social nesses países, ameaça visível adotada nos slogans da manifestação popular em Madri no último fim de semana com o lema principal: “Da indignação à rebelião”…

Professor graduado, doutor pela Universidade de Cambridge, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, autor de dois livros em que critica “a ideologia do livre-comércio dominante no mundo desde a década de 1980”, comentou recentemente: “Os enormes déficits orçamentários criados pela crise obrigarão os governos a reduzir de maneira significativa os investimentos públicos e as aplicações na área do bem-estar social, o que afetará negativamente o crescimento econômico. Esses cortes provocarão uma conjuntura que pode persistir por décadas”.

“A economia mundial está destroçada”, diz Chang, que alerta para a possibilidade dramática de “algumas pessoas desempregadas, e sem suas casas em razão da crise, talvez nunca mais consigam ingressar novamente na economia convencional.”

Há uma trágica ironia no fato de a renda e o emprego dos que ganham (ou ganhavam) a vida honestamente virem a pagar a conta do governo “salvador”. Nunca é demais lembrar um fato físico: os governos não criam recursos. No máximo podem transferi-los. Tomam de um setor produtivo e os transferem a outro, apropriando-se no caminho de um pedaço para o seu custeio…

A grande lição da crise é que a percepção da existência de um sólido equilíbrio fiscal de longo prazo e uma apropriada relação entre a dívida pública e o PIB (corretamente medida) são fundamentos do sucesso da boa governança. São eles que dão aos governos a capacidade de cumprir bem o seu papel no enfrentamento das crises globais de oferta e procura.

O Brasil é um exemplo do sucesso dessa lição, enquanto os fatos mostraram a velocidade com que controles fiscais aparentemente bem-sucedidos podem deteriorar-se e ameaçar o equilíbrio dos países.

Publicado em Carta Capital