O funeral de Margaret Thatcher se pareceu ao que ela mesma havia planejado com anos de antecipação. Foram executados seus hinos patrióticos favoritos, citaram-se as palavras do poeta T.S.Elliot que ela mesma escolheu para a ocasião e umas duas mil pessoas, com forte representação dos setores militar e político, lotaram a catedral de Saint Paul.

Nas ruas, flamulavam as bandeiras britânicas e milhares de pessoas apareceram para um último adeus. Mas nem a dama de ferro era onipotente. Algumas centenas de pessoas vaiaram a passagem do cortejo fúnebre, ergueram cartazes contra ela e entoaram o grito de “Maggie, Maggie, Maggie, dead, dead, dead”. Em um ponto, porém, ela segue dirigindo as coisas desde a tumba. Se é certo que está “dead, dead, dead”, o thatcherismo, no momento, segue mais vivo do que nunca no Reino Unido apesar do estouro financeiro de 2008 e da atual contração econômica.

Não resta dúvida que Thatcher teria preferido um maior reconhecimento internacional. Embora 11 mandatários tenham assistido seu funeral, eram de países que ela considerava de segunda ordem. Do seu amado e admirado Estados Unidos, só estiveram na cerimônia ex-secretários de Estado de sua época como George Shultz, James Baker e Henry Kissinger, assim como um dos cérebros dos “neocon”, o ex-vice presidente Dick Cheney, sem representantes do governo de Barack Obama.

No plano britânico, em troca, estava todo o establishment. A rainha Elizabeth e seu marido, o príncipe Phillip, que não assistiam a um funeral de um ex-primeiro ministro desde a morte de Winston Churchill, em 1965, estavam presentes. Aos conservadores que hoje governam, aos que governaram no passado e aos que Thatcher acusou de “traição com um sorriso” se somaram seus rivais trabalhistas, desde o atual chefe da oposição, Ed Miliband, até os ex-primeiro-ministros Tony Blair e Gordon Brown.

A presença trabalhista é uma clara mostra da resistência do Thatcherismo à passagem do tempo. Quando, há alguns anos, perguntaram qual era seu maior êxito político, Thatcher respondeu direto: “Tony Blair”. A resposta era, ao mesmo tempo, irônica e precisa. A hegemonia política do Thatcherismo foi tal que Blair criou o “Novo Trabalhismo” e assumiu posições impensáveis para um trabalhista até então (como a aceitação da reforma sindical e das privatizações). Esta influência continua. Blair criticou recentemente o atual líder Ed Miliband por não aceitar os ajustes fiscais praticados pela coalizão conservadora-liberal democrata. A própria estratégia de Miliband ante a morte de Thatcher foi uma busca de equilíbrio entre o respeito que a dama de ferro ainda inspira, equiparada por amplos setores com a modernização do Reino Unido, e o rechaço que provoca, intensificado pelo atual programa de austeridade.

O Thatcherismo político está sustentado pelo econômico. O “Novo Trabalhismo” não reverteu em seus 13 anos no poder nenhuma das privatizações nem reformas sindicais da dama de ferro e se deslumbrou com a mesma miragem que iludiu meio planeta: o aparente toque de midas do setor financeiro. O estouro de 2008 e a atual crise econômica – o Reino Unido já enfrentou duas recessões nos últimos três anos – lançaram dúvidas sobre o credo, mas não conseguiram substituí-lo. A atual coalizão conservadora-liberal democrata governa desde 2010 com uma receita de austeridade que a “dama de ferro” teria aprovado.

A receita não deu resultado. A economia, que estava recuperando-se com um crescimento de 1,7% quando a coalizão assumiu, mergulhou em um quadro de estagnação que o Financial Times qualificou de virtual “estagflação” (Estagnação com inflação). No próprio Fundo Monetário Internacional ganhou terreno a posição mais cética sobre os benefícios da austeridade, liderada pelo economista-chefe Olivier Blanchard, que recomendou que o Reino Unido coloque em marcha um plano B com mais estímulos para o crescimento. Em um capítulo chave do Thatcherismo – as privatizações – as notícias não são melhores. As seis empresas de eletricidade e gás que hoje dominam o mercado estão em meio a uma gigantesca polêmica sobre os altos preços dos serviços e, segunda-feira, se soube que ao menos uma delas, RWE nPower, não pagou nem uma libra de impostos entre 2009 e 2011.

No funeral, as câmeras mostraram uma imagem pouco comum do ministro da Economia, George Osborne: os olhos roxos, uma lágrima descendo por suas bochechas. Não era pelo anúncio que acabava de ser feito de um novo aumento do desemprego que superou a casa dos dois milhões e meio de pessoas ou 7,9%: era pela memória de seu ídolo, a “dama de ferro”.

Texto publicado originalmente em Carta Maior. Tradução: Katarina Peixoto.