Como poderia a aristocracia britânica imaginar que o populacho plebeu fosse ter o imperioso mau gosto de celebrar a morte de uma liderança política que marcou época, como Margaret Thatcher? Logo a baronesa de Kesteven, tão considerada pelos círculos mais abastados pela coragem de assumir medidas impopulares para garantir os privilégios mínimos de cada detentor de título de nobreza daquele reino!
“Mesmo que se discorde fortemente de alguém, temos que mostrar algum respeito na sua morte”, afirmou Tony Blair a propósito de alguns britânicos festejarem a morte de Margaret Thatcher. Sim, as festas se espalharam pelo país sem timidez. Uma multidão chegou a lotar a Trafalgar Square, no centro de Londres, para fotos em que, estourando garrafas de espumante, pareciam celebrar o tradicional New Years Eve.
Aparentemente, a massa ignara discorda de Blair, ao lembrar que não tiveram a menor chance de “discordar fortemente” da Dama de Ferro, nos idos dos anos 80. Restou-lhes apenas os memes anedóticos no Facebook, após a morte, em que tentam privatizar seu funeral ou a acusam de tentar privatizar o inferno. A essas piadinhas sem graça e ofensivas que acabam sendo compartilhadas por milhares de sensos comuns pela internet., se somam trocadilhos pobres como “Dama de Ferro, enferruje em paz” (Iron Lady, rust in peace).
“Estou de luto pelo dia em que essa mulher nasceu!” disse um inglês naturalizado em plena mesa redonda esportiva do canal ESPN Brasil, chocando os brasileiros pesarosos da bancada que defenderam a “importância histórica” da primeira-ministra. Com seu sotaque atrapalhado ele ainda contou da devastação em sua cidade e falência generalizada de familiares e amigos, ocorridas durante o governo dela. Apesar disso, ficou a sensação de que não se deve convidar ingleses de gosto duvidoso para mesas redondas.
Tem gente que prefere lembrar que, entre 1970 e 1974, quando ainda era ministra da Educação, Thatcher já era conhecida como “ladra de leite” (Milk Snatcher) por cortar o fornecimento gratuito da bebida nas escolas para crianças entre 7 e 11 anos. Em vez de medidas de pouco impacto como essa, deveriam se lembrar do profundo orgulho nacional resgatado durante a guerra das Malvinas, mostrando que o decadente império britânico ainda tinha uma importância no mundo, ao defender uma ilha abandonada no sul do Atlântico contra a ganância da ditadura militar argentina.
As pessoas esquecem o mal estar que causam aos parentes da falecida, quando se tatuam com frases como “A dama não voltará” (The Lady is not returning). Ou maquiam a máscara de borracha encontrada nas lojas para parecer que Margaret está toda machucada ou cadavérica. E as crianças com balões de gás escrito: Eu ainda odeio Thatcher (I still hate Thatcher), quando nem a conheciam.
É a indústria e comércio de festas pegando uma carona nos festejos. Com valores tão imorais, certamente, devem estar fabricando e vendendo souvenirs também para o funeral oficial na catedral de Saint Paul. Tem ainda aqueles mais politizados que carregam faixas dizendo “Estou de luto por ter que pagar o funeral de Thatcher” (I am in mourning for pay Thatcher´s funeral), embora estejam dispostos a comprar canecas com a inscrição agressiva: Ha, ha, Thatcher morreu.
As prefeituras não dão conta dos inúmeros muros pichados pelos dois reinos da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Quando estão começando a pintar um “Descanse em (paz) vergonha” (Rest in peace shame), aparece um “The bitch is dead”, que é melhor não traduzir devido ao profundo mau gosto. Slogan similar ao “Ding, Dong! The witch is dead” (a bruxa está morta), parafraseado de uma canção do Mágico de Oz, que foi assumido pelos manifestantes mais idosos e contidos.
Se era para Maggie se tornar um ícone de liderança política, o título concedido pela imprensa britânica vai ter que soar sempre como sinônimo do apelido mais popular pichado, grafitado, impresso, xerocopiado e mimeografado nos protestos que se espalharam pelos subúrbios: Pure Evil (pura maldade). Xingamento que justificou as piadinhas zombeteiras que só o típico humor britânico é capaz de fazer, em que a dama de ferro está sempre sendo recepcionada no inferno por um apavorado diabo.