Essa prática delituosa não se esgota em si mesma, já que alimenta outras atividades criminosas como a exploração sexual, mão de obra escrava e o comércio de órgãos para transplantes, entre outras.

Um fenômeno pouco registrado. A invisibilidade do crime e, portanto, das vítimas, que raramente procuram as autoridades e muitas vezes sequer se reconhecem como tais, contribui para camuflar a real dimensão do problema.

Entre 2005 e 2011, segundo levantamento oficial do Ministério da Justiça, 475 brasileiros foram vítimas do crime, 337 dos quais sofreram exploração sexual e 135 foram submetidos a trabalho escravo.

Reportagem da revista “Istoé”, com base em informações do Ministério Público Federal, apontou que até o ano passado 70 mil brasileiros já haviam sido traficados para o exterior. Ou seja, dados conflitantes entre as próprias autoridades.

A CPI do Tráfico de Pessoas do Senado identificou nada menos que 241 rotas, a maior concentração delas no Norte. Existem 110 rotas de tráfico interno – intermunicipais e interestaduais -, 93 delas envolvendo principalmente adolescentes.

Já no tráfico internacional, foram registradas 131 rotas, 120 envolvendo exclusivamente mulheres.

O Brasil hoje não aparece somente como um exportador de seres humanos, mas como receptor de pessoas originárias principalmente de países vizinhos e asiáticos, as quais vivem em condições indescritíveis nas grandes cidades.

Nossa legislação também está em completo descompasso com a realidade social do país. Os artigos 231 e 231-A do Código Penal, que tratam, respectivamente, do tráfico internacional e do tráfico interno de pessoas, cuidam apenas do tráfico “para fim de exploração sexual”.
A CPI do Senado já apresentou um projeto de lei para corrigir essa falha, mas não basta ampliar a tipificação. Defendo uma legislação específica. O Brasil já possui um Plano Nacional de Enfrentamento do Tráfico, cuja segunda etapa depende apenas da assinatura da presidente Dilma.

O fato é que precisamos tratar a situação na perspectiva dos direitos humanos, dar visibilidade a um problema sobre o qual a maioria da população ainda não tem esclarecimento suficiente.
Nesse aspecto, não poderia deixar de destacar a repercussão que o assunto tomou com a novela global “Salve Jorge”.

O folhetim televisivo certamente haverá de prestar relevante serviço, porque, embora seja ficção, retrata a realidade tal como ela é. Creio que assistiremos, a partir de agora, a um maior engajamento da sociedade no combate ao tráfico de pessoas.

*Vanessa Grazziotin é senadora pelo PCdoB do Amazonas e presidente da CPI do Tráfico de Pessoas.