A Venezuela é a quarta potência da América do Sul. Tem uma população de 30 milhões de habitantes. Em 2011, o PIB foi de 342 bilhões de dólares, o que significa um produto per capita de 11.400 dólares, um dos mais altos da região. Nesse mesmo ano, o saldo comercial positivo somou 46 bilhões de dólares, obtido fundamentalmente pelas exportações de petróleo. Com os recursos da Faixa do Orinoco, é o país com maiores reservas comprovadas de hidrocarburetos líquidos pesados e extra-pesados do mundo.

Durante quase seis meses, distintos bloqueios nos congressos de Brasil, Uruguai e Paraguai impediram a concretização do ingresso da Venezuela no Mercosul. O último bastião de resistência era o Senado do Paraguai. O golpe parlamentar contra o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, resultou na suspensão dos guaranis do bloco e terminou assim facilitando a incorporação da Venezuela.

O novo sócio no Mercosul mostra que o bloco não está agonizando, como desejam os setores conservadores que amplificam qualquer diferença comercial entre os sócios. Pelo contrário, a incorporação da Venezuela é um dos fatos mais relevantes desde a constituição dessa união. Em muitas ocasiões, algumas decisões político-econômicas não recebem a devida importância por contaminação da lógica de curto prazo, mas o transcorrer do tempo coloca em perspectiva medidas que terminam mudando o desenrolar dos acontecimentos.

É necessário remontar 27 anos e analisar o trajeto percorrido desde o abraço dos presidentes da Argentina e do Brasil, Raúl Alfonsín e José Sarney, em Foz de Iguaçú, no dia 30 de novembro de 1985, assinando o acordo de integração de ambos os países. Foi o primeiro passo para a posterior criação do Mercosul, com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991. Este processo dinâmico nos convida a avaliar que as portas que se abrem com vocação de integração regional são muito mais atraentes que as que convidam os países, de forma individual, a ingressar em acordos de livre comércio com potências econômicas.

Os economistas Alejandro Robba, Agustín D’Attellis e Emiliano Colombo elaboraram um informe ilustrativo sobre as mudanças que o ingresso da Venezuela provocará no Mercosul. O PIB em dólares do bloco aumentará 11% com a soma da Venezuela, levando o seu valor total dos 2,96 bilhões atuais para 3,28 bilhões de dólares. A população total do Mercosul, que era de aproximadamente 245 milhões de pessoas, passa a totalizar cerca de 275 milhões de pessoas com o ingresso da Venezuela.

Ou seja, o país caribenho aporta 12% a mais de pessoas, três vezes a população de Paraguai e Uruguai juntos. O volume do comércio exterior do Mercosul nos últimos anos vem crescendo a uma taxa média de 20% por ano, com as exportações totais subindo 28% em 2011 (em relação a 2010) e 232% (em relação a 2003). As importações, por sua vez, cresceram 23,6% em 2011 em relação ao ano anterior e 383% em relação a 2003.

A Venezuela deve ampliar o tamanho das exportações do Mercosul em cerca de 20% (92 bilhões de dólares), além do aporte em termos de PIB (11%). A estrutura das exportações venezuelanas está dominada quase de forma completa pelo petróleo, absorvendo 95% do total dessas transações. As importações da Venezuela se expandiram a uma taxa de 20% em 2011, representando 46 bilhões de dólares, o que significa 12% de todas as importações do Mercosul. “A oportunidade de comércio para os países cresce notavelmente já que a Venezuela apresenta-se agora como o terceiro mercado em tamanho de importância no Mercosul”, afirmam Robba, D’Attellis e Colombo.


A relevância do ingresso da Venezuela só pode ser ignorada pelos mesmos que minimizaram o acordo inicial de integração Argentina-Brasil. Desde então, o Mercosul, com tensões, diferenças e cooperação, adquiriu um papel destacado no novo mapa da economia mundial. A incorporação da Venezuela tem a mesma importância histórica da Declaração de Foz de Iguaçu, que deixou para trás as rivalidades para passar a um marco de confiança e colaboração entre as duas maiores economias da América Latina.

Em um mundo onde as potências econômicas convivem com descalabros financeiros, estagnação, precariedade social e trabalhista, restrições de direitos de trabalhadores e aposentados e perda de legitimidade política de governos submetidos a ajustes recessivos, a ampliação do Mercosul é um avanço substancial para enfrentar com melhores ferramentas o novo cenário global.

A ortodoxia rechaça essa possibilidade, não só porque está subordinada aos interesses dos Estados Unidos que combatem Hugo Chávez. Faz isso, fundamentalmente, por uma questão conceitual que postula a integração passiva à economia mundial. Sustenta que as economias nacionais são segmentos do mercado mundial, o qual determina a destinação dos recursos, a distribuição da renda e a posição de cada uma delas na divisão internacional do trabalho, nas correntes financeiras, nas cadeias transnacionais de valor e na criação e gestão do progresso técnico. Daí deriva a proposta de política econômica baseada na abertura incondicional ao mercado mundial, a especialização na exportação de matérias primas, a redução do Estado à mínima expressão e o abandono de toda pretensão de construir projetos nacionais de desenvolvimento.

As contribuições de Raúl Prebisch, desde a Cepal, foram essenciais na construção de uma nova visão da problemática latino-americana nas décadas de 50 e 60. Prebisch escreveu em “Capitalismo periférico, crise e transformação” que “se as perspectivas dos centros não são auspiciosas para o intercâmbio com a periferia, por que seguir desperdiçando o considerável potencial do comércio recíproco? É razoável seguir insistindo em uma liberalização do intercâmbio com os centos quando apenas conseguimos liberalizar timidamente o intercâmbio entre países da periferia?”.


O bloco regional tem problemas e debilidades, teve conflitos e especulações, e seguirá tendo. Apesar dessas restrições, o Mercosul é uma ferramenta poderosa da América latina para disputar em um mundo aberto, globalizado, dominado por blocos econômicos regionais. Isso não significa que não haja desafios complexos pela frente.

A incorporação da Venezuela alterará a dinâmica atual de funcionamento do Mercosul onde dois grandes (Argentina e Brasil) discutem com intensidade seus temas bilaterais de comércio, enquanto os dois irmãos menores (Uruguai e Paraguai) são espectadores dessa contenda. Aparecerá agora um terceiro que não é tão grande, mas tampouco tão pequeno, e que tem um poder nada desprezível ao contar com um recurso estratégico como o petróleo.

As negociações serão distintas. Se é certo que Argentina e Brasil seguirão tendo um peso relevante na estrutura de poder na América Latina, ela já não será tão fechada e passará a ser necessariamente um pouco mais flexível e, portanto, dará ainda maior vitalidade ao mais importante bloco de integração regional.

 

Fonte: Página/12