O melhor indicador de desenvolvimento econômico e social que já tive a oportunidade de conhecer está baseado na seguinte métrica: qual a distância que um cidadão residente em um determinado lugar de um país necessita se deslocar para encontrar um outro que possua uma renda que seja um múltiplo (seja, dez vezes) ou uma fração (seja um décimo) da sua. Na Finlândia é provável que esse cidadão tenha que sair do país; no Brasil basta caminhar alguns quilômetros (no Rio de Janeiro, algumas centenas de metros já podem ser suficientes). A racionalidade implícita nesse indicador é inquestionável: em um país verdadeiramente desenvolvido, dois cidadãos que residam em regiões diferentes poderão ter vidas muito diferentes, mas jamais um deverá ter uma vida pior ou melhor do que outro apenas em função da região onde vive.

A questão regional sempre foi extremamente desafiadora no Brasil. Dentre os temas mais intrincados da questão está o debate sobre a contribuição da indústria para a redução das disparidades regionais, as diferentes proposições sobre o posicionamento mais adequado da atividade industrial no território nacional e as iniciativas de atração de novas fábricas definidas no âmbito de políticas industriais formuladas pelas unidades da federação.

Guerras fiscais à parte, a indústria brasileira vive um momento de mudança estrutural no qual atividades industriais tradicionais, como a fabricação de tecidos ou vestuário estão perdendo espaço, enquanto novas atividades, na indústria e também nos serviços, vão ocupando parte cada vez mais relevante da matriz produtiva. Esse processo de mudança estrutural tem um rebatimento regional que, embora se manifeste em ritmo tão ou mais intenso do que a própria transformação inter-setorial, é mais difícil de ser observado.

De fato, a indústria está voltando a se espalhar pelo território nacional, revertendo um movimento de concentração em torno da região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo, que já durava décadas. Entretanto, parcela significativa desse movimento é reflexo da transição estrutural para commodities que vem caracterizando a indústria brasileira no período recente. De fato, a principal causa da perda de peso e centralidade da indústria do Sudeste, especialmente a de São Paulo, está associada ao refluxo da produção manufatureira e a ascensão dos setores baseados em recursos naturais. Nesse sentido, o movimento de desconcentração espacial da produção não surge diretamente como fruto do desenvolvimento de novas regiões hospedeiras da atividade industrial e, mais importante, não necessariamente virá a constituir um vetor da sua promoção.

De um lado, há os problemas da elevada capital-intensidade dos setores de commodities que estão se espalhando pelo país. Em vista dessa característica, a fase de implantação traz impactos econômicos muitos distintos dos que são promovidos na fase de operação dos empreendimentos. Por exemplo, o complexo portuário-industrial que se encontra em construção na região de Suape, no litoral pernambucano, está gerando cerca de 40 mil empregos na fase de construção e, prevê-se, irá empregar apenas 1,5 mil pessoas na fase de operação. Quando estiverem na fase de produção corrente, portanto, esses empreendimentos não terão a capacidade de arrasto que vem demonstrando na fase de investimento. Além disso, em diversos casos, são atividades muito globalizadas, com fracas ligações com as cadeias produtivas locais e, também, com pouco efeito de transbordamento, pois utilizam infraestrutura própria, que não necessariamente irá constituir externalidade para as demais atividades produtivas existentes na região.

De outro lado, tampouco se deve esperar efeitos sustentáveis sobre o desenvolvimento regional que venham a ser trazidos pela atração de indústrias nômades, como a literatura batiza os empreendimentos manufatureiros que não fixam raízes no território e que podem facilmente se transferir para outros locais. Essa é uma forma contemporânea de organização da produção que visa, em última instância, comprimir as margens do elo manufatureiro e preservar ou ampliar as margens do elo inovador das cadeias de suprimento, podendo contribuir apenas limitadamente para o desenvolvimento local.

Por essa razão, embora em tese desejável, na realidade concreta dos fatos, o movimento de desconcentração industrial em curso não permite que se relaxe a preocupação com a questão regional e deve ser acompanhado com extrema atenção. Ele deve ser visto, fundamentalmente, como um gatilho, um disparador do processo de desenvolvimento regional, e não com um fim desse processo. Mais adequado parece ser um quadro no qual o processo de desconcentração industrial não prescinda da renovação e expansão do segmento tradicional da indústria, que forma um tecido produtivo mais permeável a atuação de médias e pequenas empresas, que emprega trabalhadores com níveis intermediários ou mesmo mais simples de qualificação e que, portanto, melhor se ajusta ao perfil dos recursos disponíveis nessas novas regiões industriais.

No momento em que, internacionalmente, a política industrial vem ganhando espaço na formulação das políticas públicas, muito em consequência da patente incapacidade revelada pela gestão macroeconômica em promover sozinha os objetivos do desenvolvimento, é importante buscar integrar economia e geografia, definindo políticas eficazes para o efetivo enraizamento da atividade industrial nos novos territórios para os quais ela vem se direcionando.

 

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David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES

Fonte: Valor