Preocupação traduzida na consciência da necessidade de uma direção comunista estável para enfrentar os duros problemas de uma atividade partidária proletária e revolucionária num país de dimensão continental e dotado de múltiplas realidades locais, como o Brasil. Com base no reconhecimento da necessidade do domínio da teoria marxista, da dialética materialista, que ele sempre encarou como fundamental para a atividade partidária madura e consequente. Isso fez dele uma das grandes lideranças comunistas do século 20 reconhecido no Brasil e no movimento comunista internacional. Estas duas motivações, que nunca se excluíram em seu pensamento e nação, justificam a homenagem prestada como patrono do Departamento Nacional de Quadros do PCdoB.

Tinha 23 anos de idade e era dirigente sindical quando se filiou ao partido. A Aliança Nacional Libertadora alimentava as esperanças dos brasileiros e mobilizava multidões. Aquele jovem operário paraense foi arrebatado pelo mesmo sonho. Conheceu a prisão, da qual fugiu com seu companheiro Pedro Pomar em 1941. Foram para o Rio de Janeiro com o objetivo claro de juntarem-se aos que trabalhavam pela reconstrução do Partido Comunista do Brasil que fora praticamente desarticulado pela perseguição policial na ditadura do Estado Novo. Além disso, a União Soviética, que era a demonstração prática da viabilidade daquele sonho, fora invadida pelos nazistas. Naquela conjuntura, pensavam, era mais do que nunca preciso unir os trabalhadores e para construir o futuro.

Foi o início de uma caminhada que Amazonas só deu por terminada quando, em dezembro de 2001, no 10º Congresso do PCdoB, o coletivo partidário o liberou da tarefa de responder pela presidência nacional do Partido e elegeu uma nova direção, agora encabeçada por Renato Rabelo.

Depois de décadas de luta, Amazonas inscrevia então mais uma página na história de um partido que, tendo superado obstáculos que pareciam intransponíveis, estava consolidado e pronto para novas tarefas e responsabilidades perante o povo e a nação.

Foram obstáculos enormes. Na década de 1940 foi preciso reunir o que restava da direção comunista, juntando dirigentes espalhados por vários estados. Amazonas empenhou-se nessa tarefa; andou pelo Rio de Janeiro, Minas Gerais, sul do Brasil e foi, assim, um dos principais protagonistas da reorganização comunista ocorrida na Conferência da Mantiqueira, de 1943.

Ele sempre comparou o Partido com a mitológica Fênix, a ave que renasce de suas cinzas; naquele ano foi a primeira vez que assistiu a este teimoso reaparecimento. Já era um dos mais destacados dirigentes do Partido Comunista do Brasil, prestígio que o levou, no final da ditadura do Estado Novo, a tarefas que pareciam além de suas forças, como a construção do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) em 1945; ou à eleição como deputado constituinte em 1946, quando se destacou em defesa dos trabalhadores, da democracia e da nação.

Outros obstáculos viriam. A organização comunista sempre fora alvo da fúria conservadora. Já em 1947 o Partido perdeu o espaço legal conquistado e foi jogado novamente na clandestinidade. Os comunistas tiveram que aprender a entender o Brasil para formular táticas e formas de luta adequadas para nossa realidade. Foi um aprendizado árduo, marcado pela oscilação entre ilusões reformistas e esquerdistas, durante o qual Amazonas manteve sempre uma certeza, como relatam seus companheiros daqueles tempos turbulentos: a necessidade de trabalhar para unir os democratas, os progressistas e os patriotas em torno do proletariado e seu partido. Era uma verdadeira obsessão de um dirigente que sabia ouvir as opiniões dos demais e exprimia-se sempre de forma calma, mas com muita firmeza. Um traço característico pessoal que ele nunca perdeu, mas acentuou à medida em que a idade avançava.

O auge da turbulência ocorreu entre 1956 e 1962, na luta interna que dividiu o partido em dois campos. Um, reformista e caudatário das mudanças revisionistas no Partido Comunista da União Soviética desde seu 20º Congresso. Outro, do qual Amazonas foi uma das figuras de maior destaque, insistia na manutenção do caráter revolucionário do Partido Comunista do Brasil e seu papel de vanguarda proletária avançada naquele período em que nosso país vivia mudanças profundas.

A resolução daquela crise teve o significado de um novo renascimento; a Fênix voltava a bater as asas na Conferência Extraordinária de 18 de fevereiro de 1962, quando Amazonas, à frente daqueles que – com Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Danielli, Carlos Guilhiardini, Lincoln Oest e tantos outros – reorganizaram o partido.

Foi outro desafio gigantesco. Enfrentou o revisionismo e embates internos que ameaçavam liquidar a organização da vanguarda proletária. Sofreu todas as agruras da ditadura militar de 1964, que prendeu, torturou, assassinou e exilou dirigentes comunistas e, na década de 1970, praticamente destroçou – outra vez – a direção comunista, fraturada pelo episódio dramático da Chacina da Lapa, em 1976. Organizou a Guerrilha do Araguaia, na qual foi um dos principais dirigentes e à qual entregou suas melhores forças quando já beirava os 60 anos de idade. Uma experiência cuja memória, décadas depois, ainda emocionaria aquele homem que parecia ser a encarnação da razão, e que explica seu gesto de pedir, à beira da morte, que as cinzas de seu corpo cremado fossem espargidas naquela região de luta intensa onde tombaram tantos heróis comunistas, as margens do Araguaia.

A anistia de 1979 levou a condições menos drásticas da semilegalidade. Amazonas identificou, no avanço da luta popular e do movimento grevista, a chance de avanços democráticos e de fortalecimento do partido. Foi intransigente na recusa a qualquer acordo com a ditadura em crise, e na defesa do compromisso classista, revolucionário e socialista do PCdoB.

A luta daqueles anos levou ao fim da ditadura e àquilo que ele chamou de “encruzilhada histórica” contrapondo duas opções excludentes para o país: o avanço ou o atraso. A construção de um país democrático, ou o retrocesso neoliberal. João Amazonas empenhou-se outra vez em unir as forças democráticas e progressistas em torno de um programa popular e democrático para o Brasil, sendo um dos construtores da Frente Brasil Popular (1989) e da primeira candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República. Foi o início da caminhada que, em 2002, levou o sindicalista e metalúrgico ao Palácio do Planalto, abrindo nova etapa na história política brasileira.

Foram também anos da maior crise, no século 20, da causa comunista. O mundo assistiu ao desmoronamento da experiência socialista no Leste Europeu, ao fim da União Soviética e à triunfante propaganda ideológica capitalista que pregava o fim do socialismo e o enterro do pensamento marxista. Amazonas compreendeu que só havia um rumo para o enfrentamento daquelas ameaças: a defesa e reafirmação do pensamento marxista, de um lado, e a análise profunda das condições que levaram à desagregação. Indicou o papel nocivo do engessamento da teoria como o cerne da crise do marxismo. Enfatizou o caminho para enfrentá-la: o rompimento radical com o dogmatismo, o domínio cada vez maior da dialética materialista, o abandono do modelo único de revolução e socialismo, o estudo da realidade nacional (que, mais tarde, recebeu a formulação de marxismo+Brasil) e das condições de transição para o socialismo (que decorre entre outras coisas das diferentes realidades nacionais e do amadurecimento das contradições anticapitalistas). Com isso, já no último período de sua vida, Amazonas armou o partido das condições teóricas que para fortalecer sua organização e coesão e avançar num momento em que tudo parecia desmoronar.

“João” tinha a simplicidade dos homens do povo. Falava a linguagem da gente comum, com a profundidade dos grandes pensadores, em busca do objetivo de sua vida, a construção e fortalecimento do Partido Comunista do Brasil. Esta é sua maior contribuição à luta revolucionária: o legado de um partido avançado e moderno, que mantém a ortodoxia dos princípios e do programa, baseado na filosofia marxista e comprometido com a conquista do socialismo e com os desafios contemporâneos.

* José Carlos Ruy é editor do jornal Classe Operária

Fonte: Vermelho