A recente derrocada financeira não tem precedente no período após a Segunda Guerra Mundial. Um esquema básico de interpretação que é previsto pela maioria das atuais abordagens sustenta que o predomínio do neoliberalismo e do globalizado setor financeiro da economia contribui para uma versão de capitalismo que naturalmente tende entre a crise e a derrocada.

De acordo com esta abordagem, as elites e os "intermediários" financeiros, isto é, os que atualmente arrecadam resultados financeiros de aplicações de capitais no sentido keynesiano, têm papel definido na conformação da feição neoliberal do capitalismo.

Isto resulta em um aumento na importância econômica do setor financeiro em detrimento do "verdadeiro" setor industrial da economia; o repasse de renda do segundo ao primeiro, aumentando assim as desigualdades sociais e comprimindo a demanda ativa; e a transformação da instabilidade financeira em feição central do capitalismo moderno.

Sustenta-se assim que o neoliberalismo é revelado em uma "injusta" (em termos de distribuição de renda), instável e anticrescimento versão do capitalismo, consequência direta da qual é a contração de rendimentos dos trabalhadores e a expansão da especulação.

Trata-se – em outras palavras – da indesejável exclusão de um "sadio" e bem organizado capitalismo, cuja consequência direta proporciona ocupação e bem-estar social. A característica básica deste instável capitalismo neoliberal é que concentra a atividade econômica na busca de lucros na esfera da circulação.

Isto posto esquematicamente significa que os "intermediários" financeiros (portadores e administradores de papéis de dívida) impõem um regime de organização econômica da produção que comprime o "preço" do trabalho, a fim de aumentar o valor dos papéis de dívida (debêntures e ações), no instante em que aponta a especulação como sua ocupação básica, a fim de garantir em curto prazo benefícios em relação a seus competidores, os "intermediários" financeiros.

Problemática marxista

O capital constitui uma historicamente específica relação social, a qual surge com a feição do "dinheiro que gera dinheiro" (Marx, Capital, tomo 1º: 168), de acordo com a fórmula D-E-D (onde D simboliza o dinheiro e E a mercadoria, produto). Esta circulação constitui feição de apresentação das relações capitalistas econômicas e sociais, incluindo, também, o próprio processo de produção, o qual conforma-se em produção para a troca e produção para o lucro (produção de supervalor).

Passando para um nível mais específico de análise, Marx mostra que a posição do Capital compreende-se por mais de um sujeito: Do capitalista do dinheiro e do capitalista ativo. Esta análise tem quatro consequências importantes:

Primeiro, a posição do capital ocupa-se por fatores, tanto "internos" da empresa (diretor), quanto de "externos" (portadores de papéis de dívida). Na percepção geral de Marx anula-se a separação básica de Keynes entre as classes produtoras do "interno" da empresa e na classe parasita dos "externos" "intermediários" financeiros.

De acordo com as palavras do próprio: "O capitalista do dinheiro, representado pelo capitalista ativo participa na exploração do trabalho" (Capital, tomo 3º: 480). As contradições desenvolvidas entre os diretores e os capitalistas do dinheiro são sempre secundárias em relação a antítese capital-trabalho.

Segundo, a feição líquida da propriedade de capital (ou trata-se de dinheiro ou de capital produtivo) constitui título financeiro, isto é, corresponde em uma fantástica riqueza monetária, segundo Marx. O título de propriedade é um "papel duplo" ou do conteúdo capital monetário no caso de debêntures, ou do capital material, no caso de ação.

Entretanto, o preço do paper de dívida não resulta da quantidade ("valor") do dinheiro oferecido, muito menos de seu valor dos meios de produção. Os títulos de propriedade têm seu preço baseado na (futura) renda que espera seu proprietário. A renda constitui parcela do supervalor produzido (Marx, Capital).

Terceiro, a "feição de existência" financeira da propriedade capitalista – como promessa e ao mesmo tempo, exigência de apropriação do supervalor que será produzido no futuro – cria um campo total dentro do qual, qualquer fluxo de rendimento poderá ser considerado como renda que corresponde em um "capital fictício" que pode ser vendido em mercados secundários (Marx, Capital).

Quarto, o papel estrutural do "capital fictício" localiza no epicentro dos mercados de capitais o gerenciamento de risco, isto é, o novo orçamento da eventualmente não atingida perspectiva de desempenho (particularmente em um mercado internacional com múltiplas e excludentes forças de definição dos desempenhos).

Porque o próprio caráter de produção do supervalor, assim como, das exigências totais sobre o trabalho é irregular, o gerenciamento de risco relaciona-se organicamente com o próprio movimento do capital. A produção de supervalor como processo de "luta" que encontra resistência nunca é garantida. As técnicas de gerenciamento de risco, organizadas no próprio funcionamento dos "liberalizados" mercados de capitais, constituem ponto crítico no gerenciamento das resistências do trabalho.

Domínio capitalista

Os mercados de capitais contribuem ao antagonismo e ao movimento dos mercados pessoais. Mas não se pode esquecer que os mercados são principalmente secundários (líquidos) mercados. Isto significa que, além da concessão de empréstimos, constituem locais de renegociação das condições de dívidas sobre a futura produção de supervalor e, consequentemente, locais de valorização e controle de eficácia dos capitais pessoais.

Ao contrário, mercados de capitais fortemente regularizados significam que o capital, não dispondo de condições para movimentar-se facilmente em ocupação diferente, permanece "amarrado" com as, de tempos em tempos, específicas "instalações e máquinários" por motivos não relacionados obrigatoriamente com sua eficácia na produção de supervalor (lucratividade).

Mas a fraqueza ou dificuldade do capital para movimentar-se, cria no interior da fábrica condições mais favoráveis para realização da "luta" para as forças do trabalho, considerando que, investimentos menos produtivos poderão sobreviver durante maior espaço de tempo.

O capital é produtor de supervalor, "dinheiro que gera dinheiro" e, consequentemente, não está interessado em permanecer em uma ocupação por muito tempo, quando esta ocupação não garante um elevado percentual de ganho. Quando garante a liquidez dos mercados de capitais pode, facilmente adquirir sua feição monetária e buscar regiões mais eficazes para seu desenvolvimento.

O capital interessa-se por perspectivas lucrativas, as quais, a exemplo de seu motivo, não possuem a demanda ativa, mas a tensão da exploração classista. "Teme" a falta de supervalor e não a falta de demanda ativa.

Seu alvo objetivo não é – em nenhuma hipótese – a oferta de ocupação. Ao contrário, o exército reserva de desempregados é sempre bem-vindo pelos capitalistas porque não só mantém os salários reais baixos, mas, paralelamente, obriga os trabalhadores a cumprir, disciplinados, as ordens do capital. Simultaneamente, a elasticidade do trabalho é o meio mais adequado para o capital, permitindo-lhe adequar-se às oscilações do ciclo econômico capitalista.

Em conclusão: os mercados de capitais constituem uma estrutura de controle da eficácia dos capitais pessoais, isto é, uma feição controladora de movimento do capital. Para as empresas que não têm conseguido criar em seu interior premissas adequadas para exploração do trabalho, a "confiança" dos mercados, quer dizer a "confiança" do capital, deverá desaparecer rapidamente.

Estas empresas ou se adequarão ou serão levadas rapidamente à corrupção. Desta forma, os mercados de capitais "procuram" (nem sempre de forma credível) transformar em sinais quantitativos os acontecimentos "políticos" do interior da empresa e da sociedade.

Do ponto de vista do trabalho, "freio e brida nos mercados de capitais" só poderá significar "freio e brida no capital", desdém total da relação capitalista, na perspectiva de sua derrubada.

Esta observação é generalizada diretamente no caso de Estados. Agora os mercados "supervisionam" a possibilidade de "obter assentimentos" nas políticas do neoliberalismo.

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Fonte: Monitor Mercantil