No Rio de Janeiro, na tarde de 20 de setembro, houve a segunda rodada de manifestações contra a corrupção no País. A primeira, no dia 7, foi simultânea às solenidades da Independência. Em Brasília, calcularam 25 mil pessoas presentes na marcha pela Esplanada dos Ministérios. O número pode ter sido engordado por aqueles que foram ver o desfile oficial.

De qualquer forma, na capital do País, nas imediações do Congresso Nacional, ocorreu o movimento mais numeroso, simultaneamente ao que ocorria também em outros estados da federação.

No Rio, desta vez, o palco dos manifestantes foi a praça da Cinelândia, no centro da cidade. Os organizadores, confiantes nas redes sociais, anunciaram que haveria cerca de 30 mil pessoas. Compareceram, aproximadamente, 2,5 mil, segundo cálculos do comando da Polícia Militar.

Nessa “multidinha”, antônimo popular de multidão, alguns erguiam vassouras, símbolo da faxina moralista de Jânio Quadros, aquele cidadão conturbado que ocupou a Presidência da República por sete meses, antes de renunciar. Outros empunhavam cartazes propondo a transformação da corrupção em crime hediondo e pregando o fim do voto secreto no Congresso, onde, por sinal, acaba de ser criada a Frente Parlamentar em Defesa do Voto Aberto, cuja vanguarda é o PSOL, partido nascido da costela do PT, formado em reação moral ao “mensalão”.

Essas manifestações, à direita e à esquerda, expressam em conjunto uma insensata demonização da política.

O “voto aberto” entrou em pauta em 2005, após os episódios do chamado “mensalão” e “sanguessugas”.

Depois de amputado o ritual da presunção de inocência com a lei chamada de “Ficha Limpa” atacam, agora, o voto secreto no Parlamento, implantado para garantir a independência dos integrantes do Legislativo diante de tentativas de interferência e pressões do Executivo. Eventualmente, esse sistema pode livrar parlamentares da camisa de força da própria disciplina partidária, como pode ocorrer em casos de objeção de consciência.

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No Brasil, o voto secreto foi introduzido pela Constituição de 1934 para garantir, essencialmente, deliberações sobre vetos e contas do presidente da República. Não por outra razão, a Carta Autoritária de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, proibiu o voto secreto. O sistema foi restabelecido na Constituição de 1946, após o Estado Novo.

Essas idas e vindas indicam com clareza que o sistema é uma conquista democrática. Com ele o parlamentar fica imune às pressões da mídia ou mesmo da “opinião pública” que, como mostra a história, segue, às vezes, caminhos alternativos à democracia política.

Um dos episódios mais marcantes na trajetória do voto secreto ocorreu, em 1968, durante a ditadura. A Câmara dos Deputados negou pedido de licença para o governo processar o deputado Marcio Moreira Alves. Mais da metade da Arena, partido da base de sustentação política dos militares, acompanhou o MDB, partido de oposição. O resultado só foi possível pelo voto secreto malgrado, na sequência, ter sido editado o AI-5 e fechado o Congresso.

Essa cínica pregação moralista, promovida por interesses variados, arrasta pessoas de boa-fé desatentas às lições da história do Brasil. Manifestações semelhantes, em 1954 e 1964, por exemplo, fizeram parte do funeral da democracia no País.

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Fonte: CartaCapital