Poucos recordam o fim da história da ingênua menina-moça cantada por um obscuro sargento do Exército, apenas conhecido nas rodas de samba dos subúrbios do Rio. Pouco resta também da música que entrou em seu lugar, "Beto Bom de Bola", de Sérgio Ricardo, uma homenagem a Garrincha. Desta, memoráveis são a vaia da plateia na noite final do concurso e a reação do injustiçado compositor, que quebrou o violão no palco e arremessou-o sobre o público. Inesquecível mesmo, e ícone de criatividade da imprensa sensacionalista da época, foi a maliciosa manchete no dia seguinte do "Notícias Populares", de São Paulo: "Violada em pleno auditório".

Martinho ainda usava bem lustrados sapatos. E não tinha o "da Vila" no sobrenome. "Nada a ver com a Vila Militar, não servi em Deodoro. Só estive por perto, em Realengo, na Escola de Instrução Especializada de Sargentos do Exército. Lá me formei técnico em contabilidade. O 'da Vila' é mesmo por causa da escola de samba de Vila Isabel."

Em música você pode ensinar tudo, menos o ritmo. O ritmo do samba, do jazz, está na ginga, na mente. É o chão e a semente
Hoje, ele só anda de sandálias, o dedão aparecendo, solto no mundo. Aos 73 anos de idade e 44 anos depois do festival, Martinho está bem de vida e de bem com a vida. Preterido no festival, esse compositor de recursos criativos vários – partido-alto, ciranda, frevo, samba de roda, capoeira, bossa nova, marchinha de Carnaval, lundu, calango, samba-enredo, toada, ritmos africanos – já teria o nome artístico na capa de seu primeiro LP ("Martinho da Vila", 1969), com sucessos como "Casa de Bamba" ("Na minha casa todo o mundo é bamba./ Todo mundo bebe,/ todo mundo samba…"), "Quem É do Mar" ("Quem quiser saber meu nome/ não precisa perguntar./ Sou Martinho lá da Vila,/ partideiro devagar") e "Pequeno Burguês", um quase hino da rebeldia estudantil que ocupava as ruas contra a ditadura: "Felicidade, passei no vestibular,/ mas a faculdade é particular./…/ Livros tão caros, tantas taxas pra pagar./ Meu dinheiro muito raro/ alguém teve que emprestar". E foi o segundo sambista a atingir a marca do milhão de discos vendidos com o CD "Tá Delícia, Tá Gostoso", 1995 – o primeiro foi Agepê, em 1984.

Martinho caiu no gosto de um público que não só consome, decora e aplaude as mil canções gravadas (48 álbuns) como admira sua simpatia e a interpretação maneira, única, inconfundível, de estilo apenas um pouco mais musical do que seu jeito normal de falar. Em verdade, à mesa de restaurante ou botequim, à fala de Martinho parece que só faltam as rimas para que se transforme em canto.

Ele já viajou o mundo a trabalho, tem casa "num lugar meio Miami" da Barra da Tijuca, escritório na Zona Sul, onde cuida dos direitos autorais e contratos para shows, e comprou os 40 hectares da fazenda onde nasceu, em Duas Barras, na região de Teresópolis e Nova Friburgo, a 170 quilômetros de Vila Isabel. É o Sítio do Cedro, que chama de "meu off-Rio". No centro da cidade de dez mil habitantes, ganhou até uma estátua. E, no dia 6, na Bienal do Livro, que será inaugurada na quinta-feira no Rio, vai lançar seu 11º livro: "Fantasias, Crenças e Crendices", pela editora Ciência Moderna. Ele entende dessas coisas, pois é o próprio exemplo de sincretismo do povo brasileiro. Filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), expõe no peito um escapulário com a imagem do Sagrado Coração de Maria e cumpre todo o ritual da Semana Santa na igreja de Duas Barras, desde a Missa do Lava-Pés da quinta-feira, a Paixão e Adoração da Cruz, de sexta, à Ressurreição no domingo de Páscoa.

O compositor entra no restaurante com seus passos lentos, calça jeans e camiseta de gola careca sob a camisa social desabotoada. Os clientes o reconhecem, acenam, ele retribui com sorriso largo, "bom apetite!", e vai para os fundos do salão envidraçado, onde o repórter, o fotógrafo Léo Pinheiro e a assessora de imprensa Rejane Guerra o esperam. Dali se vê o sol esparramado sobre o verde da Quinta da Boa Vista, no bairro carioca de São Cristóvão. O prédio neoclássico, bem defronte à entrada do Jardim Zoológico, foi capela da residência de d. Pedro I. Martinho escolheu o restaurante porque é um lugar "sossegado, bonito e de boa comida", necessitando apenas que a prefeitura tenha pela relva que o circunda o cuidado que, segundo a lenda, o imperador dedicava às escravas e beatas com quem se encontrava na sacristia, onde hoje está a cozinha. "O dono, o Manuelzinho, um português boa gente, é meu amigo. Venho tanto aqui que acham que sou sócio."

Já é agosto, quase setembro, e a Escola de Samba Unidos de Vila Isabel prepara o desfile para o Carnaval de 2012. E esse é o assunto abre-alas deste "À Mesa com o Valor". O pessoal da escola pensou em homenagear Angola e Martinho deu a ideia de "fazer uma coisa baseada na história e na música de Angola em junção com a brasileira". O enredo já tem nome, "O Canto Livre de Angola, Samba lá e Sembo cá" – sembo é o ritmo de Angola. "Só dei algumas sugestões. O resto é por conta da carnavalesca muito competente Rosa Magalhães, do pesquisador Alex Varela e dos compositores. Não vou concorrer ao samba-enredo. Já fiz no ano passado o samba em homenagem ao centenário de Noel Rosa, agora vou dar um tempinho."

Martinho colabora de forma igualmente eficaz. Acaba de voltar de Angola, onde foi contar às autoridades de lá os planos da Vila Isabel. "Só fui abrir um pouco as portas. Eles não se comprometeram com o patrocínio, mas vão dar apoio. Agora a administração da escola pode continuar os contatos, procurar patrocínio com empresas brasileiras que atuam em Angola."

Há mais de 30 anos Martinho da Vila tem afinidades com o Movimento Popular para Libertação de Angola (MPLA), hoje no poder na antiga colônia portuguesa. No início foi solidariedade racial e política, hoje é relação pessoal suficiente para avalizar pedidos de colaboração como os da comunidade de Vila Isabel.

'Kizomba' para vencer hoje teria de ser modernizado. Antes, o desfile era mais espontâneo, mas pecava na organização
Em 1980, Martinho promoveu a apresentação de artistas angolanos no Rio e em São Paulo, num projeto que chamou de O Canto Livre de Angola. Um ano antes, à frente do projeto Kalunga, brasileiros é que foram a Angola. "Foi quase todo mundo." Chico Buarque, Djavan, Elba Ramalho, Quinteto Violado, Olivia e Francis Hime, Edu Lobo, Dona Ivone Lara. "Mais os que já descansaram: Dorival Caymmi, João Nogueira, João do Vale…" Um pouco disso estará na Sapucaí.

– Fevereiro está aí. Dá tempo?

– Sempre dá, né? Algumas escolas já escolheram seu samba. Na Vila as apresentações serão em setembro e a escolha, em outubro. Na noite do desfile vai estar tudo pronto, pode confiar.

Ricardo, o jovem maître do Restaurante Quinta da Boa Vista se aproxima. Martinho pede bolinhos de bacalhau para fazer lastro e se interessa pelo vinho. Branco ou tinto? Não há acordo na mesa e Martinho brinca: "Vamos ter um impasse aqui, a gente vai acabar não bebendo nada". O maître resolve arbitrar e traz um chardonnay argentino, Catena, 2009. "Não conheço o branco deles, mas se é Catena é de boa família", diz o repórter. Martinho concorda, com ironia: "Se é de boa família…"

– Por falar nisso, você é muito família. Já formou quatro. Tem oito filhos de quatro mulheres e sete netos. Cinco dos filhos estão na música, você os reuniu este ano no álbum "Lambendo a Cria". Consegue dar o nome de todos eles e das respectivas mães, sem hesitação?

O sorriso fica ainda mais aberto e o orgulhoso pai escala seu time de filhos músicos com as três "relações estáveis" que manteve na vida, antes de casar-se há 18 anos, papel passado e na igreja, com Clediomar Corrêa Liscano, uma gaúcha branca de São Borja, que ele chama de Cléo e também de Preta. O casamento rendeu a Martinho o título de cidadão honorário de São Borja e a Cléo, o de cidadã bibarrense (o gentílico Duas Barras).

Anália é mãe de Mart'nália, "que já está na carreira, toca violão, contrabaixo, canta, dança, tira som até de xícara de cafezinho", e de Analimar, cantora. Lícia Maria, a Russa, ex-presidente da Unidos de Vila Isabel, é mãe da cantora Juliana e de Tunico Ferreira, percussionista, compositor, cantor. E a bailarina Rita, ex-porta-bandeira do Salgueiro, é mãe de Maíra. Há um sexto músico, o mais velho, Martinho Antônio, filho de Anália, que já atuou como vocalista, mas preferiu a retaguarda e é diretor-artístico da gravadora Biscoito Fino. "Procurei que todos estudassem música. Maíra foi mais longe, é pianista clássica, e agora estreou como compositora e cantora de MPB".

– E o que você toca?

– Só instrumentos de percussão. Não sou músico de harmonia. Poderia ter estudado violão dois meses, aprender três acordes para fazer tipo e, que ninguém nos leia, falar que sou músico como muitos por aí. Dizem até que o Elvis Presley só sabia dois acordes.

Maíra não usa o sobrenome Ferreira, preferiu o da mãe, Freitas, mas Martinho está presente no CD da filha, num dueto em que interpretam "Disritmia" ("Eu quero ser exorcizado/ pela água benta desse olhar infindo./ Que bom é ser fotografado,/ mas pelas retinas desses olhos lindos./…/ Vem logo! Vem curar teu nego/ que chegou de porre lá da boemia!")

– Nessa faixa você parece até melhor, mais empenhado, do que quando gravou "Disritmia" pela primeira vez.

– É a emoção de gravar com a filha, né? Gravamos na primeira passada. Maíra é um caso raro, um ET. Fez conservatório, faculdade de música na UFRJ, só tocava clássicos. De repente começou a cantar e compor música popular. Em geral, o pessoal do erudito não consegue tocar o popular. A música ritmada, para o erudito, é muito difícil. Ele aprende "tá-tá-tá" [cantarola]. Se tem que fazer "tá-tatá-tá" [batuca na mesa e cantarola com ritmo], aí ferrou. Em música você pode ensinar tudo a uma pessoa, menos o ritmo. O ritmo está no sangue, como eu digo no samba em homenagem a Ivone Lara que Mart'nália gravou: "Samba tá na ginga, tá na mente, é o chão e a semente". Maíra foi criada no samba e conhece os dois lados. Eu falo 'vamos improvisar?' Ela improvisa. Os pianistas clássicos dificilmente improvisam, têm um vício: dependência da partitura. Os grandes do jazz improvisam porque o ritmo está no DNA. O ritmo deles, até o do rock, veio da África, como o nosso… É bom isso, hein?

Martinho não se refere mais às raízes africanas, mas ao vinho. Ergue a taça. "Saúde."

O sétimo e o oitavo filho são com Preta Cléo, mãe carinhosa e rigorosa, a ponto de comprar um bafômetro para testar a volta de Preto – "agora não é apelido, é o nome mesmo" – das baladas. Preto tem 16 anos. E a filha, de 11, chama-se Alegria. Nenhum deles revela tendências para a música. "Tem que ir ao natural, não se deve forçar."

Na fazenda de café, arroz, hortifrútis e algumas cabeças de gado em que Martinho Ferreira nasceu, em Duas Barras, seu pai, Josué, era meeiro. Trabalhava em terra alheia e o dono da terra ficava com metade da produção. Como o fazendeiro adiantava o dinheiro para ferramentas, adubos, sementes, no fim da safra sempre faltava algum para pagar o "financiamento". Honrava então a dívida com a produção, a um preço que o fazendeiro estipulava. Mas seu Josué sabia ler e escrever, ajudava os fazendeiros nos cadernos de rudimentar contabilidade e ainda alfabetizava jovens e adultos. A região entrou em crise – erradicação de cafezais, queda internacional dos preços -, Josué e a mulher, Teresa, juntaram-se aos vizinhos no êxodo para o Rio. Martinho tinha quatro anos, era o do meio entre seis irmãos.

"Está gostando, senhor?", pergunta o maître. "O vinho branco é bom demais, mas acabou. Vamos num tintozinho agora?"

Logo está sobre a mesa um encorpado português tinto Cartuxa, de Évora, para acompanhar as postas de bacalhau assado ao forno dentro de azeite extravirgem, batatas coradas, cebola, pimentão, azeitonas e brócolis. Duas aromáticas, gratinadas e generosas porções, suficientes para quatro.

No Rio, só as luzes da cidade vistas do alto da Serra dos Pretos Forros, na chamada Boca do Mato, entre os bairros de Lins de Vasconcelos e Méier, eram a vantagem sobre a vida pobre de Duas Barras. No barraco de zinco onde foram morar também não havia luz elétrica, a água era buscada lá embaixo na bica pública, e para cada dez casas havia uma única "casinha", o lugar onde as pessoas satisfaziam suas necessidades. A chave da casinha ficava na mão de um morador, que só a entregava se o necessitado chegasse já com um balde d'água.

Até os dez anos, Martinho não foi à escola. A ler e contar ele aprendeu em casa com o pai, à luz de velas. Josué trabalhou em vários lugares e Martinho se lembra da Fundição Americana e da fábrica de Papel Engenho Novo, em cujos caminhões ele viajava para buscar a celulose. Foi seu último emprego. Um dia, saiu para trabalhar e não voltou. Suicidou-se.

– Depressão?

– Ele perdeu a guerra… Em Duas Barras, mesmo sendo meeiro, era considerado; as pessoas chamavam ele de Seu Letrado. Veio para o Rio para tentar a vida, não se deu bem. Mas deixou uma carta com instruções para a minha mãe tocar a vida.

Dona Teresa, "analfabeta, mas sábia, uma culta primitiva", tratou logo de pôr Martinho em escola regular. Mas não havia vagas em colégio público e o garoto foi estudar com dona Glória, um típico exemplar daqueles tempos de preconceito e obscurantismo. Professora formada, Glória não conseguia vaga na rede escolar porque, além de muito negra, tinha "uns traços incomuns, olhos esbugalhados; os pais não queriam que seus filhos estudassem com ela". Um político da época ajudou e Glória criou uma escola só para favelados. Ensinava, "e muito bem", apenas português e matemática, pois sabia que os meninos não iriam mesmo continuar os estudos e era o de que precisavam para já começar a trabalhar. Seu curso era de dois anos.

História, geografia, desenho, ciências, "moral e cívica" fizeram falta a Martinho quando finalmente conseguiu vaga em escola pública. Já tinha 12 anos, era o mais alto dos alunos do colégio Rio Grande do Sul no Engenho de Dentro. Mas só o aceitaram no segundo ano primário. "Ganhei concursos de português e matemática, ajudava os colegas, e até professoras tiravam dúvidas comigo, mas no resto boiava". Foi terminar o primário aos 15 anos. O garoto ao mesmo tempo trabalhava em uma casa de família – "fazia mandados" -, onde dona Alzira e dona Ida, as patroas, perguntaram o que queria ser. "Mecânico", respondi. "Eu me amarrava no macacão, na caixa de ferramentas, o cara deitado debaixo do carro, cheio de graxa, e sabendo devolver vida ao motor que tinha morrido." "Então tem que fazer um curso profissionalizante", disseram as patroas.

E assim Martinho entrou para o Senai. Mas não como mecânico de automóveis. Tirou 10 nas provas de admissão e lhe disseram que poderia tentar um curso melhor, o de químico industrial, a que só tinham acesso os candidatos com nota superior a 9 (mecânicos, de 8 a 9). "Os amigos disseram 'químico é mais valorizado, é bonito, tem jaleco'. Eu falei 'opa, já gostei'." O diploma do Senai, que ele perdeu – "tantas mudanças de casa, troca de mulher…" -, dizia: "Martinho José Ferreira, auxiliar de químico industrial, preparador de óleos, graxas, ceras, perfumes e sabões".

Nessa época, já era sambista promissor, estava na ala dos compositores da hoje desaparecida Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato. Aos 13 anos, compôs "Piquenique", um "samba de terreiro". Aos 15, a escola desfilou no segundo grupo com "Carlos Gomes" e, aos 19, com "Machado de Assis", de sua autoria. "Não me achava um cantor, cantores tinham voz poderosa, Orlando Silva, Francisco Alves, Nelson Gonçalves, quando cantavam a veia do pescoço crescia." Só em 1964 foi convidado para a ala de compositores de Vila Isabel, então no terceiro grupo. Seu primeiro samba-enredo na Vila foi "Carnaval das Ilusões", 1967, em parceria com Gemeu. A escola, já promovida para o primeiro grupo, ficou em quarto lugar.

A consagração, porém, foi em 1988, centenário da abolição da escravatura, com um enredo antológico e vencedor: "Kizomba, Festa da Raça". [Samba de Luiz Carlos da Vila, Jonas Rodrigues e Rodolfo de Sousa]. "'Kizomba', para vencer hoje, teria de ser modernizado. Antes, o desfile podia ser mais espontâneo, mas era desorganizado. Hoje o que derruba uma escola é a desorganização, ganha quem errar menos. Mas, quando a escola ganha, o bairro fica em festa, todo mundo se considera dono da escola."

Egressos do Senai com boas notas tinham emprego garantido e, terminado o curso, Martinho foi mandado para o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército. Mas havia um problema. Precisava de Certificado de Reservista e ele não tinha. As ex-patroas e madrinhas eram amigas de alguém influente no Exército e tudo se resolveu. "Houve apadrinhamento", reconhece Martinho. "No quartel me perguntavam: 'Como é que você veio parar aqui, neguinho?' Fui admitido em algo que chamavam de contingente. Passei três meses no Segundo Batalhão de Carros de Combate e fui para o laboratório. Concluído meu tempo de Exército, 10, 12 meses, seria contratado como funcionário público civil. Mas vi que os cabos ganhavam mais que funcionários com 15 anos de serviço. Por isso engajei. Fiz curso de cabo, de sargento especialista, virei contador. Fui trabalhar no Quartel-General, numa escrivaninha. Lá por 1968, pedi baixa. Essa é minha história militar."

– E como você chegou ao festival da Record?

– Inscrevi a música e esqueci. Morava em Pilares e o único telefone da rua ficava a umas cinco quadras. Um dia, o dono do telefone me disse: "Ligaram da TV Rio e querem que você vá lá". Fui lá e o cara disse: "Bicho, foi um trabalhão te encontrar. Você está concorrendo no festival, sua música foi aceita". E eu: "Ah, legal". "Que legal, pô? Você não vai sair pulando de alegria?" Eu não sabia que o festival era tão importante. A TV Rio era a sucursal da Record no Rio. "Você precisa ir para São Paulo ontem", disseram. "Tá faltando só um cara lá e você é o cara." Eu era sargento. Falei: "Pô, não posso ir…" "Dá um jeito." Falei com o pessoal do ministério, e me autorizaram a ir para São Paulo. Lá o porteiro não queria me deixar entrar: "Todo mundo que devia chegar já chegou, você não leu no jornal? Tá todo mundo dando entrevista adoidado". Enfim, entrei. O problema agora era quem ia cantar a música. A Record escolhia os cantores. Como era um samba, indicaram o Jamelão. Mas ele era estrela das grandes, cantor com orquestra, cantava músicas do Lupicínio. Samba de repicado, partido-alto, não era com ele. Aí eles falaram "o Jamelão diz que tem que conversar com você para mudar o andamento e outras coisas". Eu falei: "Ah, isso não". Faltavam 15 dias para ir ao ar e tudo ao vivo. Aí fui cantar. O Jamelão foi junto, não se acertava com a música e não sabia a letra. A primeira [estrofe] cantei com ele. Depois me virei sozinho… Era a última etapa de classificação, o júri se dividiu e me disseram que perdi por pouco. Até então não tinha gravado nada nem tinha gravadora.

E era o verdadeiro começo, pois a partir daí a história desse cantor e compositor é bastante conhecida. Devagar, devagarinho, Martinho chegou lá.

O almoço começou às 14h15 e às 17h30 o repórter dispensa a sobremesa, pede café e a conta. Martinho, um chope. O garçom traz um "black", chope escuro em copo pequeno em forma taça. E a surpresa: "Seu Manuelzinho mandou dizer que é tudo cortesia da casa". Não adiantou protestar. E o leitor, infelizmente, fica privado do atrativo deste espaço: o total da conta e o detalhamento dos preços do que se comeu e bebeu.

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Fonte: Valor Econômico