A crise do capitalismo que irrompeu em meados de 2007 agora entra no seu quinto ano. Ela originou-se de dívidas excessivas das famílias e empresas estado-unidenses (especialmente empresas financeiras) que o seu rendimentos e riqueza subjacentes não podiam sustentar. A chave da crise foi a estagnação do salário real desde meados da década de 1970. Como o custo do Sonho Americano continuava a elevar-se enquanto os salários reais não o faziam, as famílias tomavam emprestado (hipotecas, cartões de crédito, empréstimos para estudantes e para carros). As dívidas acumulavam-se com base na estagnação dos salários reais. Aquela bolha insustentável de crédito estourou em 2007. Nada desde então remediou ou aliviou essa contradição básica. Com alto desemprego, os rendimentos salariais totais caíram e pouco crédito extra fluirá para trabalhadores já super-endividados. A crise aprofunda-se quando a procura estado-unidense permanece coxa.

Desde a década de 1970, bancos, companhias de seguros e hedge funds inventaram novas especulações com base no aumento de dívidas das famílias estado-unidenses (títulos apoiados por activos, credit default swaps, etc). Aquelas especulações financeiras foram ainda mais lucrativas do que os lucros em ascensão das corporações não-financeiras que podiam manter baixos os salários reais dos seus trabalhadores mesmo quando a elevação da produtividade proporcionava sempre mais produto por trabalhador àquelas corporações. Enormes lucros especulativos impeliram financeiros a tomarem emprestado numa espiral auto-reforçante sempre nova afastada das dívidas das famílias nas quais era baseada. Quando aquela base entrou em colapso quando milhões de trabalhadores estado-unidenses já não podiam mais sustentar as suas dívidas, assim também aconteceu com as especulações construídas sobre ela.

A riqueza e o poder acumulado pela indústria financeira desde a década de 1970 asseguraram maciços salvamentos financiados pelo governo após a arranque da crise. Recuperações estavam a caminho para bancos, companhias de seguros e as maiores corporações em bancarrota por volta de meados de 2009. Mas nenhumas recuperações foram proporcionadas para os salários reais, para os declinantes benefícios do emprego, para o excesso de dívidas das famílias, para a queda dos serviços públicos – nem para os desempregados ou o que tiveram casas arrestadas.

Ao salvar suas indústrias financeiras privadas, os EUA e outros governos encarregaram-se (nacionalizaram) das suas dívidas podres e especulações azedadas. Governos tomavam emprestado para fazer isso, aumentando maciçamente as dívidas nacionais. A "recuperação" para os mercados financeiros contornou a massa do povo. Classes trabalhadoras economicamente deprimidas e estados cada vez mais endividados combinam-se agora para descarrilar mesmo a recuperação dos financeiros.

O rastro de políticas económicas fracassadas a minarem um capitalismo disfuncional mostra absurdos múltiplos. O aumento da dívida das famílias combinou-se com salários estagnados em 2007 para provocar o colapso do mercado habitacional dos EUA, elevar o desemprego, congelar o crédito, estropiar finanças estaduais e locais, e assim por diante. Como a procura por bens e serviços contrai-se rapidamente, os negócios e os ricos pararam de investir na produção. Os seus fundos investíveis ficaram ociosos e isso só agravou a crise. O eficiente sistema de mercado capitalista, auto-regulador, demonstrou ser o mito que os seus críticos haviam ridicularizado. Contudo, o sistema de mercado rapidamente propagou a crise estado-unidense à Europa e para além.

Quando a crise se dilatou em 2008, governos descongelaram mercados de crédito despejando dinheiro em bancos e companhias de seguros cambaleantes. Governos imprimiram e criaram novo dinheiro para pagar parte destas políticas; para cobrir a outra parte, tomaram emprestado. Os credores dos governos incluíam os bancos e companhias de seguros que eles haviam salvo. Governos também contraíram empréstimos das companhias e indivíduos ricos que haviam retido investimento na produção de bens e serviços e, com isso, agravado a crise. Os absurdos de tais "políticas económicas" (e sua injustiça brutal) convidam a uma risada amarga, ainda que só para não chorar.

Mas, um momento, os absurdos custosos complicam-se. Bancos e outras companhias financeiras que emprestam a governos ficam preocupados acerca da rápida ascensão dos níveis de endividamento nacional. A situação dos EUA era especialmente preocupante e culminou na degradação este mês da Standard and Poor's. Afinal de contas, Washington havia desfrutado excedentes orçamentais na década de 1990. Mas a seguir, na última década, os cortes fiscais maciços de Bush, as múltiplas guerras e então os salvamentos pós 2007 explodiram a dívida nacional dos EUA. Políticos que votaram por todas aquelas quebras orçamentais agora utilizam a dívida nacional resultante para justificar cortes nos gastos do governo para a massa do povo.

Os credores sabem através da história que os governos chamam perturbações políticas com níveis de dívida elevados e em crescimento. Os custos dos juros sobre a dívida nacional arriscam desviar receitas fiscais para satisfazer credores ao invés de proporcionar serviços públicos para os contribuintes. Após quatro anos de crise económica, as populações não podem aceitar serviços governamentais reduzidos enquanto mais dos seus impostos fluem em pagamentos de juros aos bancos, companhias de seguros e outras empresas financeiras que culpam pela crise. Elas podem revoltar-se quando dirigentes cortam pensões, seguros de saúde, etc "porque o nosso país deve reduzir seus défices orçamentais e sua dívida".

Aqueles riscos levaram companhias de classificação a degradarem as dívidas de cada vez mais "países industriais avançados". As degradações representam os perigos históricos desta crise capitalista global. Elas reflectem os absurdos e contradições das ineficazes políticas de gotejamento (trickle-down) seguidas pelos governos desde 2007.

Por toda a Europa e nos EUA, toda a espécie de campanhas procura impedir ou desviar a percepção desta crise sistémica do capitalismo (quando suas políticas e teorias económica minam mais do que reforçam uma a outra). Alguns pretendem redefinir a crise em termos nacionalistas. Exemplo: a classe trabalhadora alemã é estimulada a atribuir a culpa das dificuldades e/ou políticas de austeridade do governo às classes trabalhadoras gregas e portuguesas e/ou os programas de bem-estar dos seus governos. Outras campanhas descobrem outros bodes expiatórios: "a indústria financeira", "os banqueiros" e o "banco central" são candidatos. O governador do Texas, Rick Perry, agora a concorrer à Presidência, reduziu o bode expiatório só a um homem, o governador do Federal Reserve.

Outro desvio de atenção a considerar isto como uma crise sistémica do capitalismo assevera que grandes economias "emergentes" – China, Índia, Brasil e assim por diante – estão a escapar ou mesmo a reverter a crise. Contudo, as suas profundas dependências do comércio e dos fluxos de capitais em relação aos EUA e Europa deveriam afastar fantasias acerca do seu desenvolvimento independente ou super-fantasias de que o seu desenvolvimento ressuscitará os EUA e a Europa.

Cada vez mais vítimas desta crise estão a reconhecer as raízes históricas e as contradições sistémicas que se aprofundam. Exigências de mudança, organizadas e de desorganizadas, superficiais e sistémicas, continuam a crescer, embora desigualmente, no mundo todo.

18/Agosto/2011

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[*] Professor emérito da Universidade de Massachusetts-Amherst e professor visitante no Programa de Graduação em Assuntos Internacionais da New School University, Nova Yok. Autor de New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006) e do filme documentário Capitalism Hits the Fan, www.capitalismhitsthefan.com . Sítio web: www.rdwolff.com .

O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2011/wolff180811.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .